A IGREJA SERTANEJA
Raimundo Floriano
Vaqueiros na folgança: seminaristas da Igreja Sertaneja
Em meados do ano de 1972, impressionadíssimo com as aprontações contidas no livro O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, publicado em 1971, eu, para fazer figura frente aos alunos da UDF, onde iniciara o Curso Superior de Contabilidade, fundei, juntamente com outros colegas presepeiros, a Igreja Sertaneja, seita cultural, sem caráter religioso.
Seus templos agregavam todos os bares, botecos e biroscas de Brasília onde se pudesse consumir uma boa cachaça – e todas as marcas brasileiras são de excelente qualidade. Exemplo disso é a Sagatiba que, segundo a revista Veja de 12.5.04, seria vendida na Europa ao preço de 28 euros a garrafa.
Imediatamente, convidei o amigo Luiz Berto, companheiro de grandes aventuras, a dela fazer parte, o que foi aceito de imediato. Passamos a ser chefes supremos, equivalentes, sem subordinação hierárquica um ao outro, no posto de Antístites – Bispos, como nas inúmeras outras seitas que surgiram depois dela.
(O que só vim a saber neste ano de 2016, é que Luiz Berto, naquele tempo, também influenciado por Ariano, já nutria o mesmo de desejo de fundar uma Igreja Sertaneja. Mas esse segredo ele o manteve consigo.)
A brincadeira tomou fôlego, consolidou-se. Tínhamos um jornal, O Gole, onde esbanjávamos criatividade e bom humor.
Já por aquela época, órgãos da grande mídia, como O Globo, Jornal do Brasil, Estadão e até o The New York Times, da imprensa norte-americana, eram detentores da supremacia editorial, com sua abrangência e circulação planetária. Não podendo competir com tamanha magnitude nacional e internacional, nosso pequenino O Gole viu-se obrigado a cerrar suas portas.
Paralelamente, fundei, a 24 de junho de 1972, a Banda da Capital Federal, da qual eu era o mestre, e Luiz Berto, o contramestre, destinada a animar o carnaval de rua de Brasília. Essa banda, com estandarte e uniforme, existe até hoje, apresentando-se apenas em ocasiões muito especiais.
A BANDA DA CAPITAL FEDERAL, EM 2002
40º ANIVERÁRIO D FESTA DO PENTA
Raimundo - Batista - Teixeira - Jambeiro
Gedeon - Dionísio - Celso Martins
Fideles - Élton - Marcos - Carioquinha
A Igreja Sertaneja e a Banda da Capital Federal muito deram o que falar, pois os fiéis de uma eram componentes da outra. Na Igreja Sertaneja, havia muitas ovelhinhas a apascentar. Já na Banda da Capital Federal, as folionas se pegavam no tapa, decidindo quem saía com o estandarte!
Também fazíamos parte da Diretoria do Bloco de Sujos Sumo do Guará, que fornecia sambistas para Escola de Samba Acadêmicos da Asa Norte e passistas para o bloco de frevo As Pás Douradas.
Arrefeceram-se um pouco os ânimos da Igreja Sertaneja depois de nossa aposentadoria, cada qual procurando apegar-se a alguma atividade que preenchesse suas extensas horas de ócio. Assim eu pensava.
De supetão, chegou-me a novidade!
Lá no Recife, onde fixou residência definitiva, o Bispo Dom Berto reuniu um magote de cachacistas militantes e biriteiros juramentados e elegeu-se para o cargo maior, não de nossa seita, mas de uma que acabara de fundar: a Igreja Católica Apostólica Sertaneja, passando a assinar-se Papa Berto I, denominação alusiva ao Papa Bento XVI, recém-consagrado Sumo Pontífice, no Vaticano.
Concretizava, assim, o secreto desejo de fundar sua seita, passando seus fiéis a apregoaram aos quatro cantos do mundo: Luiz Berto é PICAS - Papa da Igreja Católica Apostólica Sertaneja.
Pensei: eu, mentor da seita, fui alijado pelo Sumo Pontífice, saindo a troco de pé na bunda! Novamente, meus pensamentos se mostraram deveras enganados.
Astuciosamente, ou salomonicamente, o Papa Berto I, usando de toda sua sapiência, achou um jeito de agraciar-me com irresistível e compulsório cala-a-boca: nomeou-me Cardeal!
Fiquei a matutar: Luiz Berto é muito presepeiro e aprontador, reuniu no Recife uma grande quantidade de fiéis, tem saco para aguentar essa turma de beberrões, de dia e de noite. Nada mais justo que assuma esse cargo maior da Igreja Sertaneja, até porque, em seu caso, duma seita nova, a ICAS. Dessa vez, refleti com clarividência, senão, vejamos!
Em substituição ao O Gole, o Papa Berto I fundou o Jornal da Besta Fubana - JBF, virtual, assumindo inteiramente o encargo de editá-lo, assim como o de arcar com todas as despesas decorrentes de sua assinatura na Internet: www.luizberto.com. Pródigo homem esse Papa! E mais: concedeu-me nele privilegiado espaço, onde assinei A Coluna de Raimundo Floriano, até o dia 10.10.16, com quase 500 matérias publicadas. Isso fez de mim um escritor.
Preciso falar-lhes um pouco do título desse jornal.
Em 1984, o escritor Luiz Berto ficou famoso no mercado editorial com o lançamento do seu livro O Romance da Besta Fubana, do qual tive a honra de ser o revisor gramatical e ortográfico.
A Besta Fubana é entidade fantástica do imaginário nordestino e figura principal desse romance que é, no dizer do autor, “descrição histórica, científica e literária da instauração da República Rebelada dos Palmares, no ano pomposo de 1953, com relato pormenorizado e circunstanciado das causas, pessoas, sucedências e consequências, em ordem cronológica e estilo acessível”.
Tal livro deu-lhe muitos prêmios e valeu-lhe uma temporada cultural de 6 meses nos Estados Unidos, com realização de palestras no Canadá.
Voltemos à Igreja Sertaneja e ao Jornal da Besta Fubana.
O jornal reúne, dentre seus colunistas e comentaristas, grande parte do Alto Clero da Igreja Sertaneja, bem como a nata da intelectualidade nordestina.
Para se ter uma ideia, veja-se, na foto ao final deste capítulo, a quantidade de expoentes da cultura atual no cenário literomusical nordestino e brasileiro presentes a evento na Academia Passa Disco da Música Nordestina.
Direi um pouco de cada um deles.
Jessier Quirino - Cardeal - Arquiteto, escritor, poeta, compositor, colunista do JBF e Imortal da Academia Passa Disco da Música Nordestina.
João Veiga - Cardeal - Médico, escritor e colunista do JBF.
Luiz Berto - Papa - Professor de Matemática, escritor, editor do JBF e Imortal da Academia Passa Disco da Música Nordestina.
Adelmo Nobre - Cardeal - Comerciante, pesquisador musical e comentarista do JBF.
Paulo Carvalho - Cardeal - Médico, pesquisador cultural, fotógrafo, colunista do JBF e Imortal da Academia Passa Disco da Música Nordestina.
Evilácio Feitosa - Cardeal - Médico, poeta e colaborador do JBF.
Natanael Guedes - Cardeal - Artista plástico e colunista do JBF.
Joselito Nunes, Zelito - Cardeal - Advogado, escritor, poeta, pesquisador da cultura popular, colunista do JBF e Imortal da Academia Passa Disco da Música Nordestina.
Irah Caldeira - Prioresa - Compositora, cantora, forrozeira e Patrona de Luiz Berto na Academia Passa Disco da Música Nordestina.
Xico Bizerra - Cardeal - Bancário, compositor, radialista, colaborador do JBF e Patrono da jornalista Lina Fernandes na Academia Passa Disco da Música Nordestina
Raimundo Floriano - Cardeal - Trombonista, escritor, discófilo, pesquisador musical, colunista no JBF e Imortal da Academia Passa Disco da Música Nordestina.
Irah Caldeira não é a única representante do sexo feminino em nosso grupo. No Recife, por exemplo, temos a Papisa Aline, mulher do Papa Berto I e coeditora do JBF, e a Madre Superiora Neide Santos, agitadora cultural. Em Florianópolis (SC), a Madre Superiora Ana Cristina Arruda Laskos, balsense, minha conterrânea e afilhada literocultural, campeã brasileira de natação e casada com João Renato Laskos, gente grande dos Correios, encontra-se empenhada na implantação do Convento Diocesano Catarinense.
Há uns 26 anos, cumprindo recomendações médicas, estou compulsoriamente afastado da boa cachacinha que deu origem à ideia de criação da seita, consumindo apenas refrigerante diet.
Em compensação, convivo com pessoas desse quilate, com o talento das quais a Igreja Sertaneja tem-se expandido, arrebanhando a cada dia mais fiéis: cantores, músicos, escritores, poetas, compositores e escribas, além de boêmios e seresteiros, no Brasil e no Exterior, o que se comprova nos acessos mundiais ao JBF!
No primeiro semestre deste ano de 2016, Luiz Berto acenou com uma novidade: parece que embala a intenção de acabar com a ICAS - Igreja Católica Apostólica Sertaneja.
Caso isso se assuceda, o que só tenho a lamentar, esse movimento cultural não expirará de todo: permanecerei aqui em meu Cardinalato, na continuidade perene da Igreja Sertaneja, e na edição deste Almanaque, pelo tempo que Deus me permitir.
De pé: Jessier Quirino, João Veiga, Luiz Berto, Adelmo Nobre,
Paulo Carvalho, Evilácio Feitosa, Natanael Guedes e Zelito Nunes
Sentados: Irah Caldeira, Xico Bizerra e Raimundo Floriano