DO LIVRO DO JUMENTO AO PARLAMENTO
A GRANDE SELEÇÃO
Raimundo Floriano
A SELEÇÃO BALSENSE DE 1956
De pé: Osmar Coelho - Noroel - Solino - Sato - Dico - Jônathas - Ary -
Valentim - Oliveiros - Morais
Agachados: Joãozinho Botelho - Gemi - Marabá - Lóia - Odílio - João Pedro
A rivalidade no futebol entre Balsas e Carolina podia ser comparada, em proporções muito maiores, à que hoje existe entre Brasil e Argentina.
Com uma diferença: Balsas sempre foi freguesa de Carolina. Freguesa de caderno. Todos os anos, a história se repetia, em dolorosa e vexatória rotina: no jogo de ida, em junho, durante os festejos de Santo Antônio, a Seleção Carolinense deslocava-se para Balsas e descia a ripa; no jogo de volta, em outubro, nos festejos de São Pedro de Alcântara, a Seleção Balsense dirigia-se para Carolina e entrava na taca.
Houve uma e vez em que, devido a problemas no sistema de comunicação entre as duas cidades, os balsenses chegaram a comemorar uma tão ansiada porém falsa vitória. Meu irmão José Albuquerque e Silva, hoje bancário aposentado, poeta e cantor, mais conhecido como Carioquinha das Meninas, que presenciou o episódio, assim o relata:
“Lá pelos idos da década de quarenta, dentre os acontecimentos esportivos mais importantes do Sul do Maranhão, sobressaíam os confrontos futebolísticos entre as cidades de Balsas e Carolina.
“O amadorismo era integral e puro. Não havia mordomias e não se falava de salários, nem de luvas, nem de bichos. A recompensa do atleta limitava-se à vitória, e a derrota era uma desonra para a cidade vencida.
“Não havia técnico para complicar, nem médico para justificar. Em Balsas, o futebol era comandado por meu tio Cazuza, ao passo que, em Carolina, pontificava o esforçado Dr. Ruy.
“Por volta de 1940, foi organizado em Balsas o mais poderoso escrete de todos os tempos, e nos arrancamos para quebrar a castanha dos pretensiosos carolinenses em seu próprio terreiro. Ainda menino, não assisti ao primeiro jogo, realizado em Carolina. Lá pelas seis da tarde do dia do jogo, o Parsondas Coelho, nosso telegrafista, matraqueou insistentemente no seu velho morse na tentativa infrutífera de saber o resultado. As monstruosas pilhas de sulfato de cobre estavam arriadas e tivemos que recorrer ao Montano, o mais conhecido medium de nossa cidade. Através dele, ficamos sabendo de nossa vitória, pelo placar de 3 X 1. Enchemo-nos de alegria e de orgulho, logo desfeitos, pois, restabelecida a comunicação telegráfica, verificamos que o espírito, informando o escore, não mencionou o time vencedor, ficando a nossa vitória por conta de uma patriotada do Montano.
“O jogo decisivo foi em Balsas e, dessa vez, tio Cazuza tinha uma arma infalível para derrotar os arrogantes carolinenses: o Conradinho. O desinfeliz Conradinho, no esplendor dos seus dezessete anos, era um moleque trigueiro, atarracado, de estatura mediana, cabeça de coco seco, ombros de xavante, musculatura avantajada, fortes pernas arqueadas. Seu chute, com o pé ou com a cabeça, era violento, certeiro, mortal. Era um driblador emérito e um individualista terrível. Quando arrancava para o gol como um possesso, era incontrolável e não deixava para ninguém. “Comia” toda a defesa adversária e entrava com bola e tudo.
“No dia da grande revanche, depois de um lauto almoço, nossos atletas foram levados para a loja de meu tio Cazuza, que funcionava como ponto de reunião e como vestiário. Já uniformizados, e ouvidas as últimas recomendações, iniciavam a longa caminhada até o campo de futebol, quando o Conradinho chamou meu tio à parte, queixando-se de uma tremenda dor de cabeça. Meu tio procurou tranqüilizá-lo e administrou-lhe uma Cafiaspirina. Jogadores à frente e torcedores logo em seguida, todos vibravam de alegria e de entusiasmo, prelibando a vingança contra o tradicional inimigo. Somente o Conradinho seguia sorumbático e cabisbaixo.
“Na hora do toss, nosso herói mantinha o pescoço encolhido, como se quisesse esconder a cabeça entre os ombros arqueados para a frente.
“Dada a saída, os carolinenses vieram logo para cima de nós. Seu time tinha disciplina tática e era bem arrumadinho num WM impecável. O infernal ataque “costurava” à vontade, e tome porrada contra nossa meta, bravamente defendida pelo Preto do Zé Valério.
“Lá na frente, nossos atacantes penavam tanto quanto nossa defesa. Conradinho que, a princípio, corria de lá para cá e daqui para lá como uma barata tonta, já não tinha mais pernas. Eventualmente acionado por um chutão da nossa defesa, não “pegava” na bola. Nós não conhecíamos esse negócio de regra três, e, assim, o Conradinho teve que se agüentar até o final, posto que futebol, naquele tempo, era “jogo para homem”. Encerrada a partida, amargamos uma derrota de 2 x 1, e a taça foi para Carolina.
“Ninguém soube dizer o que aconteceu com nosso salvador da pátria. Somente 57 anos mais tarde, ao relembrarmos o sucedido, explicou-me meu engenhoso irmão Pedro Silva que o Conradinho era bom de bola somente nas peladas, e que as chuteiras, que lhe foram impostas, funcionaram em seus pés como peias para burro.”
E os anos foram-se passando, sem novidade alguma, até que veio a Copa do Mundo de 1954, na Suíça, quando a Seleção Húngara encantou o planeta com seu magnífico e arrasador futebol. Aquele timaço, com estrelas do porte de Bozsik, Kocsis, Hideghuti e Puskas, fora medalha de ouro nas Olimpíadas de 1952 e, no Mundial, atropelou todos os adversários, só perdendo na final, para a Alemanha Ocidental, a quem vencera na 1ª fase por 8 x 0. Daí para a frente, todos procuraram seguir aquele exemplo e se adaptar a uma nova filosofia de organização e planejamento.
Balsas não ficou atrás. Em 1956, imbuída de firmes e benéficos propósitos, deu início à tão almejada reação.
Para começar, foi formada uma Comissão Técnica. Dela participara o advogado Esmaragdo de Sousa e Silva, meu primo, o dentista Orlando Medeiros e o também dentista Osmar de Araújo Coelho, que acumulou as funções de técnico.
Para o combate dos Festejos, desencadeou-se uma preparação verdadeiramente húngara, com treinamento intensivo, condicionamento físico, assistência médica, táticas, concentrações e palestras nas quais se procurava levantar o moral de todos os jogadores, tão depreciado pelos sucessivos fracassos.
E os carolinenses vieram! Calmos, confiantes, donos do pedaço! Dessa vez, no entanto, receberam duas belas cipoadas!
No primeiro jogo, o placar foi de 2 x 1, com gols dos balsenses Lóia e Marabá. Aristides marcou para os carolinenses. Esse Lóia é o mesmo Luiz Rocha, que mais tarde se elegeu deputado estadual, deputado federal, governador do Estado e, por fim – glória maior – prefeito de Balsas. Marabá, com um vigoroso pelotaço, causou a fratura da mão direita do goleiro titular de Carolina, o excelente João Jácome, que, ao desviar a bola para escanteio, sacrificou sua integridade física.
No segundo jogo, a contagem foi a que mais se considera definitiva no esporte: 1 x 0, gol de João Pedro.
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Hoje, as conquistas se alternam, ora de um lado, ora do outro. Mas, na memória de todos, ficou gravada aquela maravilhosa seleção, que ora tenho a satisfação de apresentar aos que não a viram, imbatível, atuar nos gramados sul-maranhenses.
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