Arnaldo, quarenta e cinco anos, funcionário público federal, era um homem muito estressado. Na repartição onde trabalhava, eram comuns suas respostas grosseiras aos subalternos e até aos seus colegas de cargo. Por diversas vezes, foi visto enraivecido, rebolando no chão pilhas de processos, numa demonstração de desprezo pelo serviço que fazia.
Os processos que recebia e nos quais tinha que colocar despachos de encaminhamento à chefia, viraram uma rotina que mexia com seus nervos.
Ele e a esposa Célia sempre foram funcionários públicos federais, mas em repartições diferentes. Os dois filhos do casal estavam com dez e doze anos. Não tinham empregada doméstica, e comiam de marmita, há vários anos. Levavam uma vida metódica e pacata. Ele controlava as despesas da casa e organizava tudo na ponta do lápis. Não faziam gastos supérfluos. A esposa, para galgar um cargo melhor dentro do serviço público, resolveu fazer o curso de Direito. Em casa, Arnaldo era sobrecarregado de afazeres domésticos e assistência aos filhos.
Chegou o grande dia da formatura de Célia. Foram quatro anos de luta, sono atrasado, trabalhos em grupo e pouca assistência aos filhos. A formatura foi esperada com ansiedade por Célia, Arnaldo, filhos e familiares dos dois lados do casal. Arnaldo, eufórico, não cabia em si de contentamento, em ver “sua” Célia bacharela em Direito. Novos horizontes se abriam para o casal. Com certeza, Célia logo faria um concurso público para um cargo de nível superior, e sua aprovação seria certa, pois vivia para o trabalho, filhos, marido e para os estudos. Arnaldo sentia-se realizado. Dois filhos já crescidos, estudiosos e sadios, a esposa formada em Direito, e ele, funcionário do INPS. Formado em Ciências Contábeis, aguardava a ascensão funcional, que na época existia, para mudar do cargo de Agente Administrativo para Auditor Fiscal. E agora a perspectiva da “sua” Célia subir muito na vida. Cheio de vaidade, não se cansava de comentar com as pessoas amigas:
“A minha Célia vai ser uma grande Procuradora, Promotora ou Juíza”!
Dois meses depois da formatura de Célia, Arnaldo chegou à repartição visivelmente contrariado, vermelho de raiva. Mal cumprimentou os colegas, e sentou-se ao birô, resmungando impropérios. Os colegas notaram logo que ele havia voltado àqueles dias de antigamente, em que pegava no arranco, de cinco em cinco minutos. Todos os colegas perceberam que alguma coisa muito séria estava acontecendo com ele. Afinal, a recente formatura da esposa tinha dado outro ânimo à sua vida, e ele passara a ser sempre bem-humorado. Queriam ajudar, conversar com ele, mas não havia chance. Silêncio total na sala. Como se estivesse fechado em um casulo, Arnaldo se limitou a carimbar os processos de cabeça baixa, recusando até o cafezinho, que era o seu fraco.
Algumas horas depois, o chefe chegou, cumprimentou todos os funcionários e se dirigiu ao seu gabinete. Arnaldo não respondeu nem levantou a vista. Simplesmente, ignorou a entrada do Dr. Eduardo, um homem extremamente educado.
O Presidente do Órgão notou o comportamento estranho de Arnaldo, e pediu à Secretária que o chamasse até o Gabinete.
Imediatamente, Arnaldo se viu diante do chefe, que lhe perguntou se estava passando por algum problema.
A resposta veio rápida:
– Estou sim, Dr. Eduardo! Estou desesperado! Quando eu pensava que agora as coisas iriam melhorar, a mulher formada em Direito e os meninos já com 10 e 12 anos, recebi uma notícia que me tirou de tempo! Minha Célia me comunicou que está grávida! O caçula já com 10 anos!!! Não posso suportar uma irresponsabilidade dessa! Estou até sem falar com ela, de tanta indignação!
Ironicamente e com o bom humor que lhe era peculiar, o chefe perguntou:
– A doutora Célia disse quem é o pai?
Arnaldo gaguejou, e viu o papel ridículo que estava fazendo…