Usar o cabelo de forma natural pode ser um desafio para quem passou boa parte do tempo alisando, puxando e escondendo os cachos. No entanto, assumir os fios enrolados se tornou uma conquista no universo feminino e um sinônimo de resgate de uma identidade. Com a missão de incentivar e valorizar a beleza negra, há oito anos, Adriana Ribeiro, 41 anos, fundou um salão especializado em cabelos ondulados, cacheados e crespos, sem a utilização de produtos químicos. O intuito é elevar a autoestima de mulheres e crianças.
O encanto pelo mundo da beleza começou quando Adriana ainda era criança. “Minha mãe era cabeleireira e eu sempre a observava e queria ajudá-la. Quando ela participava de cursos de manicure, eu e minha irmã íamos também. Então, fui observando como ela trabalhava e aquilo me atraiu”, conta.
A empresária, então, iniciou a carreira como auxiliar de manicure aos 12 anos. Com 16 anos, ela e a irmã, Maria José da Silva, 47, montaram o próprio salão na garagem de casa, na Candangolândia. “Começamos fazendo unha, mas logo vi que também gostava de montar penteados, maquiar e tirar sobrancelhas.” Lá, elas também realizavam procedimentos químicos, como relaxamento, progressiva e selagem.
Mas havia algo que a incomodava. Adriana não entendia o motivo de tanto preconceito com quem tinha os cabelos cacheados. A empresária conta que, quando criança, sofria discriminação na escola pelo fato de ter os fios enrolados. “Sabemos que, em qualquer lugar, estamos sujeitos a esse tipo de situação. A criança branca sempre vai ser a preferida pelo meio social e, a negra, a excluída. Eu me indignei com isso, e passei a lutar pelo espaço da mulher negra na sociedade”, afirma.
Em 2006, a empresária resolveu estreitar o atendimento e abriu mão das químicas de alisamento e resolveu voltar a atenção para os cabelos cacheados e crespos. O passo a passo para aprender as técnicas de hidratação e de transição capilar não foi fácil. “Na época, não havia cursos direcionados à beleza e ao cuidado dos fios cacheados e crespos. Então, pegava tudo da internet, assistia a vídeos gringos e traduzia por meio de uma plataforma”, relata.
A decisão de Adriana logo incomodou os familiares e amigos. “Muitos me chamaram de louca e falaram que eu ia passar fome. Até porque, eu estava indo contra a maré. Enquanto os salões tradicionais investiam em alisamento, eu deixava os cabelos cacheados e com volume. Era um mercado desacreditado, mas, ao mesmo tempo, tinha pessoas que queriam se libertar desse padrão de beleza, que é o cabelo liso”, diz.
A princípio, atrair as clientes não foi uma tarefa simples, a começar pelo tamanho do espaço para o atendimento (25m²), no Riacho Fundo. Mas a procura de mulheres era tão alta, que logo ela alugou uma nova loja com 50m². “Eu me considero uma profissional chata e exigente. Se eu for uma manicure, maquiadora ou cabeleireira, por exemplo, vou ser a melhor naquilo”, ressalta.
Reviravolta
De três anos para cá, a carreira de Adriana saltou. O salão com área de 50m² se tornou insuficiente para atender o aumento da demanda. Agora, o espaço Afro & Cia Ponto Chic, localizado no Riacho Fundo I, tem 200m², 25 funcionárias e oferece os mais variados procedimentos para mulheres de cabelo cacheado: botox, hidratação, transição capilar, corte e até sala de maquiagem. Ao lado, ela mantém uma loja de cosméticos, com cremes, shampoos, escovas, ampolas de restauração e nutrição, entre outros produtos. “Minhas funcionárias sempre andam bem arrumadas e maquiadas, até porque estamos em um salão de beleza e temos que passar segurança e confiança para as nossas clientes”, diz ela.
Por mês, o instituto de beleza recebe cerca de 600 clientes. Segundo Adriana, a maioria delas estão em processo de transição, ou seja, querem se livrar dos alisamentos e assumir o cabelo natural. “A mulher chega com muitos medos e insegurança, por conta dos achismos e da opinião alheia. É uma etapa difícil, justamente pelos julgamentos das pessoas. Mas o nosso trabalho não é apenas fazer os procedimentos, mas, sim, ensinar a cliente sobre a questão do empoderamento e o quanto ela se liberta ao deixar os fios cacheados”, conta.
Enfrentar a transição capilar foi o caso da administradora de empresas Nhajara Louzeiro, 30. Desde os 12 anos, ela costumava alisar os cabelos e não cogitava a ideia de deixá-los naturais. Em fevereiro deste ano, Nhajara viajou para a praia e optou por não fazer nenhum procedimento. “Durante esse período de férias, eu comecei a ver como meu cabelo era bonito cacheado. Achei aquilo diferente, até que uma amiga me indicou a Adriana”, conta.
A administradora iniciou o processo de transição. No começo, teve de lidar com as barreiras e até achou estranho quando se olhou no espelho pela primeira vez com os cabelos cacheados. “Não me arrependo. Não foi fácil tomar a decisão, mas hoje me vejo mais bonita, minha autoestima melhorou e sou apaixonada pelos meus fios”, frisa.
Incentivar
Adriana também criou o projeto Mães que Curam. O objetivo é ensinar as mães a cuidarem do cabelos dos filhos. “Muitas vezes, a mãe acaba tendo dificuldades de tratar do cabelo do filho, por ser crespo ou cacheado. Nisso, ela fala que é um cabelo ruim ou duro. O primeiro passo é ensiná-la a não proferir esse tipo de vocabulário, como se fosse uma consultoria. Se a criança escuta isso na rua, vai achar que é normal e isso pode gerar graves consequências no futuro”, destaca.
No YouTube, a empresária fundou um canal e gravou um workshop gratuito para as mães. “Ensino sobre como elas devem pentear, hidratar e lavar o cabelo das crianças. Quando a criança crescer, tudo bem, ela tem a opção de escolher qual estilo vai querer. Mas o importante é ela se aceitar e se achar linda”, conclui.
*Estagiária sob supervisão de Rosane Garcia
"Muitos me chamaram de louca e falaram que eu ia passar fome. Até porque, eu estava indo contra a maré. Enquanto os salões tradicionais investiam em alisamento, eu deixava os cabelos cacheados e com volume. Era um mercado desacreditado, mas, ao mesmo tempo, tinha pessoas que queriam se libertar desse padrão de beleza, que é o cabelo liso”
Adriana Ribeiro
Especial
Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/ historiasdeconsciencia.