Anos atrás, um pobre homem, completamente embriagado, pisava torto numa rua de grande movimento em Natal e morreu atropelado por um ônibus.
Sem documentos, o corpo foi conduzido ao IML, e lá permaneceu à espera de alguém que fizesse sua identificação.
O caso foi noticiado no programa de rádio “Patrulha da Cidade” e logo se espalhou no Bairro de Mãe Luiza.
Enquanto isso, Geraldo, vendedor ambulante, que se dava ao feio vício da embriaguez, saíra para trabalhar e há dois dias não pisava em casa.
Ouvindo a “Patrulha da Cidade,” Antônia, sua mulher, teve um mau pressentimento e saiu em disparada, até o IML, para verificar se o corpo que ali se encontrava era o dele.
O morto ficara com a face desfigurada, mas Antônia o identificou, através de alguns sinais que ele tinha nas costas. Sem dúvida, o defunto era Geraldo, seu trabalhoso marido, cachaceiro contumaz e irresponsável.
Há 15 anos, Geraldo e Antônia eram casados e tinham dois filhos, de 14 e 13 anos.
Foi providenciada a compra do caixão, e o corpo foi velado num salão pertencente à casa funerária “Nossa Senhora da Guia – Sua morte é nossa Alegria”.
Os amigos e parentes choraram muito, lamentando a partida precoce de Geraldo, bom de prosa e de copo. O falecido era ótimo amigo, embora fosse péssimo marido e pai.
Durante o velório, a viúva estava lívida e controlada, contendo as lágrimas. Mantinha sua dignidade ao lado do falecido, sem dar escândalo. Seu olhar era parado, como se a ficha ainda não tivesse caído. Essa reação é comum, nos casos de morte repentina e trágica de alguém.
Ao mesmo tempo em que o velório acontecia, lá na cadeia pública da cidade, um outro cachaceiro, que tinha ido em cana na noite anterior, estava sendo solto. Dirigiu-se para casa, mas, ao descer do ônibus, dois conhecidos o abordaram, avisando que a sua casa estava fechada, e estavam todos no seu velório. Seu sepultamento seria à tarde. Esse homem era Geraldo.
Achando que se tratava de uma brincadeira de mau gosto, Geraldo foi até sua casa, encontrando-a, realmente, fechada. Como sempre perdia a chave nas carraspanas que tomava, a mulher era quem lhe abria a porta, quando chegava em casa.
Revoltado com a falsa notícia de que tinha batido as botas, Geraldo foi depressa ao local do velório, para desfazer o engano. No íntimo, sentia-se gratificado, pois ainda pretendia viver muito e tão cedo não iria prestar contas ao Criador.
Ficou sabendo que quem estava no caixão era um bêbado, que morrera atropelado e o rosto ficara irreconhecível.
Mesmo sem dizer nada, Geraldo assumiu a culpa dessa confusão, pois há dois dias, não pisava em casa. Por isso, sua mulher ficou certa de que o homem atropelado era ele. Ainda por cima, ela identificou o corpo, por causa de alguns sinais, idênticos aos seus.
Furioso, o homem adentrou ao salão, onde o defunto estava sendo velado e chegou a agredir a ex-quase-viúva, fisicamente. Os amigos o contiveram e os parentes levaram Antônia dali, para a casa de seus pais.
Geraldo não se conformava com o fato de ter sido confundido com outro homem, que só podia ser algum “macho” da mulher.
A ex –quase-viúva se refugiou na casa dos pais, temendo se encontrar frente à frente com o ex-quase-defunto, seu violento marido. Jurou que nunca mais voltaria para Geraldo, de quem há 15 anos, juntamente com os filhos, só recebia maus-tratos. Ela sempre manteve a casa, com o dinheiro das costuras que fazia para fora. O dinheiro de Geraldo só servia para ele tomar de cachaça.
Antônia não parava de chorar, lamentando que o defunto que velara não tivesse sido seu marido. O traste continuava vivo.
Depois que o IML levou o defunto de volta, Geraldo e os pinguços, companheiros de copo, foram comemorar com muita cachaça a sua ressurreição.