A CHUVA LUMINOSA
Humberto de Campos
— Maravilhoso colar este seu, senhora Viscondessa; é pena que dê, aos meus olhos, uma sensação de tragédia, embora de linda tragédia!
As senhoras voltaram-se, todas, para a Viscondessa de São Germano, e admiraram. Emergindo do vestido solferino, graciosamente decotado, o seu colo parecia mais alvo do que nunca; e o que realçava ainda mais essa alvura de leite era a graça de um colar de rubis que lhe volteava o pescoço de linhas puríssimas, dando a impressão de um crime sinistro, horrendo, brutal, que lhe fizesse florescer a garganta de neve com um vivo círculo de gotas de sangue.
— É lindo, mesmo! — confirmou o general Tasso Fragoso, assestando na jovem senhora o seu fortíssimo "pince-nez" de míope.
— É um deslumbramento! — asseguraram, ao mesmo tempo, o senador Azeredo e a Baronesa de Pereira Alves.
Percebendo, perspicaz, a tortura a que o seu galanteio estava submetendo a beleza honesta da Viscondessa, o almirante Ribas resolveu correr em seu auxílio, arrancando-a daquela deliciosa e, ao mesmo tempo, angustiosa situação. E tentou:
— As pedras preciosas, aliás, foram atiradas à terra para punição e glorificação das mulheres.
As senhoras olharam-no sorridentes, na certeza de mais um conto oriental do velho marinheiro, e ele; compreendendo o que aqueles olhos lhe pediam, começou, acariciando o rosto escanhoado e cor de rosa, coroado por uma fina cabeleira de prata:
— Antes do Dilúvio e do Pecado Original, os astros que ornavam o céu tinham, cada um, a sua cor peculiar. Sírios era verde, como as águas do oceano. Saturno era de um azul pálido, como os olhos da Sra. condessa de Souza Furtado. Marte era vermelho como o sangue. Júpiter, de um amarelo vivo. Netuno, roxo. Urano, azul, forte. O Sol, cor de púrpura. E a Lua e Vênus, alvas como a inocência.
— Devia ser lindo, o céu! — comentou, encantada, a Baronesa.
O general Tasso Fragoso aparteou, erudito, contando que, de Marte, segundo Flamarion, ainda se viam dessas paisagens celestes, e o almirante continuou:
— Resplendente de astros de todas as cores, o céu era, em verdade, um deslumbramento.
Endireitou-se na grande "maple" tauxiada de prata, e contou:
— Uma tarde, vinha o Onipotente por uma das alamedas do Paraíso, quando se lhe deparou um quadro revoltante: abraçados, trêmulos, conscientes do próprio crime, Adão e Eva escondiam-se, horrorizados de si mesmos, entre as árvores enormes daqueles primeiros dias da Criação. Compreendendo, na sua sabedoria, o que havia sucedido às duas fragilíssimas criaturas a que pretendera conceder a graça da imortalidade, trovejou o Senhor que eles abandonassem, de pronto, os limites do Éden. Súplices, os réprobos imploraram perdão, pedindo clemência. A resposta foi, porém, uma ordem severa, brutal, imperiosa, para que o anjo Gabriel manejasse a sua espada de chama. E, enquanto isto acontecia, deu-se, de súbito, o milagre deslumbrante: a um gesto do Senhor, os astros todos começaram a lançar sobre os perseguidos uma chuva de fogo, como aquela que destruiu, mais tarde, Gomorra e Sodoma, a qual, desfeita em gotas de todas as cores, em pingos luminosos de todas as cambiantes, fustigavam, numa apoteose terrível e magnífica, a sublime fraqueza dos dois pecadores!
As senhoras fitavam, mudas e encantadas, o delicioso narrador, e este continuou:
— Essas gotas de fogo, tombadas na terra poluída pelo pecado, coagularam-se, cristalizaram-se, consolidaram-se.
Firmou as mãos no apoio da "maple" e, fazendo menção de erguer-se, concluiu:
— E apareceram na terra, minhas senhoras, as ametistas, os diamantes, os topázios, as opalas, os berilos, as esmeraldas, as safiras, as turmalinas, os rubis, essas gotas de fogo, em suma, que são, pelo desejo que vos despertam e pelo realce que vos dão à beleza, a vossa glória e o vosso castigo!
E levantou-se, entre palmas.