Manifestação de desagravo ao governador Costa Rego, comandada por Demócrito Gracindo (pai do ator Paulo Gracindo) em 1926. (Foto: Arquivo Paulo Cajueiro)
Pedro da Costa Rego foi o 15º Governador das Alagoas na época da Velha República. Austero, elegante, inteligente, duro em suas ações e cobranças administrativas. Culto, gostava de literatura e música, tinha O Príncipe de Maquiavel em sua cabeceira. No seu governo foi criado o Departamento de Viação e Obras públicas, hoje D.E.R. Construiu a estrada Maceió – Penedo, entre suas grandes realizações. Era um homem rigoroso, mas sensível, gostava de coisas finas e arte; música, teatro, inclusive viajar.
Em uma dessas viagens, conheceu Mademoiselle Sigaud, bonita artista cheia de charme e de salamaleques na cama. A francesa impressionou nosso Governador, que convidou sua nova musa a visitar Alagoas. Mlle. Sigaud adorou o mar de Maceió. Ficou estabelecida de cama e mesa na Rua Silvério Jorge, bem perto da praia da Avenida da Paz, onde pelas manhãs não dispensava seu banho salgado, como se chamava o banho-de-mar naquela época.
No dia 15 de dezembro de 1926, segundo ano de governo, depois de algumas partidas no Jaraguá Tênis Clube, o Governador Costa Rego dirigiu-se à casa da Rua Silvério Jorge, onde sua amiga Mlle. Sigaud lhe esperava. Após um laudo jantar, ficou a ouvir Mozart bem tocado pela anfitriã, fumando charuto, seu grande prazer. Nessa noite recebeu seu amigo Adalberto Marroquim para conversas sobre política, administração e coisas da vida; sentados tomando fresca na varanda dos fundos.
Mal sabia o Governador que Felismino, um dos seus guardas pessoais, havia sorrateiramente entrado no quintal da casa vizinha e se posicionado numa mangueira mais próxima, sentado em um troncudo galho, de onde se avistava o governador conversando com seu amigo. Estava ali segurando um fuzil para matá-lo; corrompido e contratado por um inimigo político.
Felismino era um caboclo corpulento, estatura média, quarenta anos. Tinha sido colocado na Guarda Civil por recomendação de um amigo. Felismino passou a fazer parte da guarda pessoal do governador Costa Rego. Por ter essa facilidade em estar constantemente com sua excelência, foi contratado para matá-lo, em troca de dez contos de réis que o mandante entregaria depois do serviço feito.
Era nesse dinheirão que Felismino pensava quando resolveu dar o tiro fatal com seu fuzil. Para isso precisou tomar uma melhor posição no tronco da mangueira. Quando se moveu, balançou alguns galhos, o movimento brusco na árvore, despertou a atenção de vários gansos da casa do vizinho (Dr.Ezequias da Rocha – depois Senador da República). Os gansos ficaram indóceis, correram para baixo da mangueira e passaram a fazer maior zoada com suas roucas cantorias, com seus trinados, como de estivessem dando um alarme ininterruptamente. A cantoria dos gansos chamou a atenção de todos da casa da francesa. Alguns guardas correram, reconheceram Felismino quando se evadia, fugia dentro da escuridão da noite.
“Mais uma vez os gansos salvaram a humanidade. A primeira no Capitólio de Roma, agora, na Rua Silvério Jorge.” Assim foi comentado debochadamente nas rodas dos intelectuais boêmios no Bar Colombo, na Rua do Comércio.
Felismino foi denunciado. Depois respondeu a inquérito supervisionado pelo Secretário do Interior Dr. Ernande Basto (figura alagoana notável, casado com Dona Moema Cavalcante, matrona da Barra de São Miguel). Felismino confessou o crime e a grande bomba: o mandante ter sido o filho do ex-governador Fernandes Lima, o deputado Fernandes Lima Filho.
O atentado teve uma enorme repercussão no Estado e em todo o país. Várias manifestações de apoio ao governador Costa Rego foram realizadas durante a semana.
No dia 23 de dezembro, houve um desagravo, uma multidão defronte a Catedral. O bispo Dom José Maurício rezou uma missa com a presença de todas as entidades de classe e a elite alagoense.
Depois da missa formou-se um cortejo pela Rua do Sol até ao Palácio dos Martírios. Uma multidão ouviu discursos de desagravo, iniciado pelo presidente da Academia Alagoana de Letras, Demócrito Gracindo (pai do ator Paulo Gracindo) que emocionado esbravejou: “Não é a boca de ouro da lisonja, nem mesmo a palavra inflamada da paixão partidária que ouvis; é o comércio que paga imposto, o operário humilde que não aprendeu a mentir, o pescador indômito…..” Discurso aplaudidíssimo pelo povo na praça e as autoridades assistindo na sacada de palácio.
Na terça-feira (28) houve a reconstituição do crime. No local estavam presentes autoridades, jornais de todo o Brasil e agencias internacionais. Assistiram como convidados, o Dr. Exequias da Rocha e todos os vizinhos que se concentraram na casa da amante do Governador na Rua Silvério Jorge 290. A casa tornou-se famosa, entrou para a história política e da fofoca como o a casa da amante francesa do Governador Costa Rego.
Passaram-se alguns anos, até que em 1937, o Capitão Mário Lima, do Exército Brasileiro, casado com Dona Zeca, pai de dois filhos Rosita e Betuca, alugou essa casa e posteriormente a comprou, financiada pela Caixa Econômica. Dona Zeca, numa linda manhã de sol, no dia 27 de fevereiro de 1940, dois dias antes do carnaval, deu à luz ao terceiro filho, uma sorridente, corada e encantadora criança.
Assim, eu nasci na famosa casa, onde morei na minha infância, juventude e grande parte de minha vida. Ela é um pedaço de mim, faz parte, está incorporada a meu ser.
Fui concebido, gerado, nascido, criado, com muito amor e carinho, na casa da amante francesa do Governador, na Rua Silvério Jorge 290, bairro boêmio de Jaraguá.