Xexéu – o pássaro brasileiro que imita tudo
Era uma rua antiga no bairro. Bem antiga e importante, por que servia de parâmetro indicativo para muita gente.
Tipo: fica próximo da Rua Jambeiro!
Era uma referência, inclusive para os carteiros dos Correios. Nessa rua ficava a casa 38. Casa da Dona Amelinha, a mais antiga moradora da rua e do bairro. Chegara ali por volta dos anos 50 e viu progredir várias gerações da sua árvore genealógica e de outras famílias. Seu Gonzaga e Dona Amelinha, era o casal proprietário da casa 38.
Antes que ali chegassem Seu Gonzaga e Dona Amelinha, que vieram da Vila Santa Quitéria, uma espécie de condomínio fechado (nos dias de hoje) e casas contíguas, a Rua Jambeiro fora bastante arborizada e, claro, entre as árvores uma porção de jambeiros. Daí o nome da rua, que, na verdade, era oficialmente denominada de Rua Presidente Prudente de Moraes. Mas o povo resolveu chamar definitivamente de Rua Jambeiro.
Mudar pra quê?
Durante anos, Seu Gonzaga manteve instalada uma campainha afixada na porta frontal da casa, com o objetivo de facilitar o atendimento a quem chegava – devido o tamanho da casa – para alguma visita. Também durante anos, na alameda central que dividia a Rua Jambeiro em duas, existiu um jambeiro que, sem qualquer explicação, produzia mais jambos que os demais. E, também floria mais que o normalmente esperado. Ficava na frente da casa, dividindo a rua, aquele tapete róseo em toda a época da floração.
Eis que, chegou o dia da volta eterna de Seu Gonzaga. Dona Amelinha enviuvara, e, praticamente, passou a morar só, naquele casarão. Os filhos e netos pouco vinham visita-la. Era uma solidão enorme. Não demorou muito, e até o jambeiro secou, envelheceu e quebrou.
Inexplicavelmente, durante anos e quase todos os dias, sempre por volta das 10 horas, a campainha da casa 38 tocava. Tocava repetida e insistentemente. Dona Amelinha levantava da velha cadeira de balanço, caminhava demoradamente para atender o toque da campainha. Abria a porta e não encontrava ninguém.
E, não havia ninguém, mesmo. No telhado da casa, pousado num velho galho seco do antigo jambeiro, um xexéu cantava todo dia, imitando a campainha que, durante anos ouviu tocar a aprendeu. Demorou para Dona Amelinha perceber. Por anos, achava que Seu Gonzaga chegava para leva-la junto.
Feijão com nada
A única panela fazendo a única comida
Chove. Chove? Chove, chuva! Chove sem parar.
Ainda que não chovesse, o sertanejo se “armava” com uma desgastada enxada e, sem pau-de-arara, ônibus, trem, metrô ou vlt, caminhava todo dia para o “escritório roçal”. O objetivo sempre foi produzir. Produzir algo relevante. Produzir muito do que você – que, sem enxada, vai navegando no carro importado, na boa estrada e no ar refrigerado – vai comer. Feijão, batata, aves e carnes.
Não. Isso não é o toma-lá, da-cá. Essa é apenas uma das misturas infames que os ditos humanos impõem uns aos outros: a desigualdade social.
Muitos desses, que produziram e continuarão produzindo o que todos vão comer, ao final da vida terrena são carregados para a última morada numa rede velha rasgada, enquanto outros vão num caixão de ipê transportado numa limusine.
Haverás de perguntar: que diferença faz, se os dois morreram?
Não. Não falamos da morte nem do pós-morte. Falamos do usufruto e da vida que os dois levam antes de caminharem para o jazigo.
E aí esquecemos tudo, e vamos ao feijão. Fava rajada, feijão sempre verde, feijão carioquinha, feijão mulatinho e tantos outros feijões temperados com paio, charque, linguiça calabresa, toucinho, pé de porco, costelinha de porco – mas isso é para você. É na sua mesa.
Aquele que planta, cuida e colhe está mesmo é comendo feijão com nada. Acrescenta apenas o sal – o que já alguma coisa.