AS BRASILEIRAS: Maria Lacerda de Moura
José Domingos Brito
Maria Lacerda de Moura nasceu em Manhuaçu, MG, em 16/5/1887. Escritora, professora, jornalista, ativista política e uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil. Destacou-se também na luta pelas reformas educacionais e campanhas nacionais de alfabetização.
Teve os primeiros estudos em Barbacena, onde foi diplomada professora pela Escola Normal Municipal, em 1904. Foi diretora do Pedagogium de Barbacena e teve atuação destacada na Campanha Barbacense de Alfabetização. Não era bem-vista pela igreja local, devido ao fato de seus pais serem espíritas e anticlericais. Publicou crônicas no jornal da idade a partir de 1912 e teve seu primeiro livro -Em torno da educação- publicado em 1918. Por essa época conheceu o jornalista José Oiticica e teve contatos com as ideias pedagógicas renovadoras de Maria Montessori, Paul Robin, Sebastien Faure e Francisco Ferrer y Guardia. Em 1921 mudou-se para São Paulo e iniciou contatos com o movimento feminista e operário, comandado pelos anarquistas.
Foi convidada para unir-se à Bertha Lutz, líder do Movimento Sufragista, com quem fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, logo transformada em Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922. Por esta época foram conquistados o ingresso de meninas no Colégio Pedro II, o voto feminino e leis de proteção à mulher e à criança. Ainda em 1922 foi presidente da Federação Internacional Feminista, mas logo afastou-se do movimento por considerar que estava muito ligado ao sufrágio feminino. Para ela, a luta pelo direito de voto respondia a uma parcela muito limitada das necessidades femininas.
Colaborou regularmente com a imprensa operária nos jornais A Plebe, O Combate, A Tribuna e o jornal feminista gaúcho O Corymbo. Em 1923 fundou a revista Renascença, publicação cultural divulgada entre setores progressistas. Na revista intensificou suas convicções teosóficas em contato com seu programador visual, o poeta e pintor santista Ângelo Guido. Em 1926 manteve contatos com a obra do anarquista francês Han Ryner, causando-lhe grande impacto e segundo ela mesma "desejo maior de uma purificação interior bem mais alta", dando-lhe "a noção mais alta da liberdade ética... livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais".
No período 1928-1937, viveu numa comunidade agrícola em Guararema (SP), formada por anarquistas e desertores espanhóis, e passou a se destacar na militância política. A convite de instituições educacionais, proferiu palestras no Uruguai e na Argentina, onde manteve contatos com Luiz Carlos Prestes, do Partido Comunista, exilado em Buenos Aires, numa entrevista para o jornal O Combate. Como jornalista tratava de temas ligados ao amor livre, direito ao prazer sexual, divórcio, maternidade consciente, prostituição, combate ao clericalismo, ao fascismo e ao militarismo. Seu posicionamento político era bastante avançado para a época e em muitos aspectos eram semelhantes àqueles das feministas da década de 1960.
Entre 1934 e 1935 publicou dois livros -Clero e fascismo: horda de embrutecedores! e Fascismo: filho dilecto da igreja e do capital- gerando polêmicas no meio político. Em 1935 rompeu com a Fraternidade Rozacruz, com a qual mantinha certa proximidade, ao saber que sua sede em Berlim havia sido cedida aos nazistas e passou a atuar no Comitê Feminino Contra a Guerra. Com o Estado Novo, em 1937, a Comunidade de Guararema foi desmantelada pela repressão polícia, deixando-a na clandestinidade por alguns meses. Voltou a morar em Barbacena, onde tentou retomar a vida de professora e ampliar suas reflexões nas ciências ocultas.
Não suportou o marasmo de uma cidade do interior e mudou-se em 1938 para o Rio de Janeiro. Em 1942 a saúde deu sinais de alerta e passou a levar uma vida mais tranquila participando de um programa na Rádio Mayrink Veiga sobre astrologia. Sua última atividade pública foi uma conferência na Fraternidade Roza-Cruz Antiqua, em 1944, intitulada O Silêncio e veio a falecer em 20/3/1945. Não obstante a intensa vida social, casou-se em 1905 com Carlos Ferreira de Moura; não teve filhos; manteve o casamento até 1925, quando separou-se, mas continuaram amigos até o fim de sua vida. Teve 2 filhos adotivos: um sobrinho e uma órfã carente. De 1926 a 1937, teve como companheiro o francês André Néblind, mentor da Comunidade Guararema, preso e deportado em 1937.
Foi uma política bastante criticada pelos conservadores, mas foi defendida por estudantes de esquerda, intelectuais e escritores, como Raquel de Queiroz. É muito pouco citada na história oficial, incluindo os estudos sobre anarquismo no Brasil e até mesmo na história do feminismo, mesmo tendo escrito 20 livros. Não fosse o extenso trabalho de pesquisa e resgate realizados pela historiadora Miriam Moreira Leite, pouco saberíamos sobre esta feminista diferenciada.
Publicou dois livros: Outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura (2003), um estudo biográfico, e Maria Lacerda de Moura, uma feminista utópica (2005), uma pesquisa historiográfica, além do documentário Maria Lacerda de Moura: trajetória de uma rebelde (2003), que pode ser visto no link https://www.youtube.com/watch?v=pom4W-FW4jo