Botija com moedas de ouro e prata
Preparado como em todas as noites, o ambiente era convidativo. Uma área de aproximadamente 200 metros quadrados, varrida caprichosamente com vassourinhas – como árvores tinha apenas dois belos ipês amarelos, floridos de tal forma, que a ausência da folhagem permitia aos sentados, olhar a lua e contar estrelas.
Toras de árvores improvisadas como tamboretes, arrumadas involuntariamente por quem não entendia nada de palcos ou teatros, formavam e davam a impressão de uma arena. Repleta de espectadores – meninos e meninas, e duas ou três velhotas que ali ficavam esperando a chegada do sono.
Banhado e cheirando a açucena, Vovô Camilo arrumou seu tamborete com assento de couro de bode, que trouxera da camarinha – guardava, para outras pessoas não colocarem a bunda no que era somente dele – e colocou num local onde pudesse olhar os rostos das crianças e permitir que todas lhe vissem e ouvissem contando suas estórias.
Fez um pigarro leve seguido de outro mais forte, para temperar a garganta, enquanto acendia o cachimbo Bertoldi que ganhara da filha Mariazinha quando completou 60 anos de vida. Estava pronto para começar mais uma das estórias que engabelavam a criançada nas noites de um lugar onde não havia outro tipo de lazer – até fazê-las dormirem.
– “Era uma vez um fazendeiro muito rico, dono de muitas terras e essas com muitas vacas e cavalos. Os muitos animais eram cuidados por vaqueiros que vinham de outros lugares, pois a Fazenda “Boa Sorte” não tinha gente preparada.
Nem todos os vaqueiros se davam bem. Alguns nem se falavam, e, quando conduziam os bois e os cavalos, apenas faziam o chicote estalar. Entre os vaqueiros, existia um tal Bartolomeu, que viera de Goiás, recomendado por uns amigos de Moreira, proprietário da Fazenda Nossa Senhora da Boa Sorte.
Bartolomeu era estranho. Falava pouco e tinha o hábito de responder sim ou não com um simples aceno com a cabeça. Em casa era diferente. Falava muito, embora só tivesse a mulher Zilda para conversar – aproveitava, de noite, para falar tudo que não falava durante o dia, na fazenda.
Os companheiros de trabalho tentaram descobrir o motivo que tornava Bartolomeu uma pessoa arredia e calada. Certo dia, conseguiram descobrir que ele tinha um segredo. Passaram a vigiá-lo. Aos domingos e feriados, quando ganhava folga como Vaqueiro, Bartolomeu saía de casa com uma enxada no ombro e voltava sempre tarde. Não era dono de roça, nem trabalhava como agricultor para ninguém. A desconfiança cresceu ainda mais.
Não demorou muito e os companheiros conseguiram descobrir que Bartolomeu não viera de Goiás apenas para trabalhar como Vaqueiro. Havia alguma coisa que eles queriam descobrir.
Num domingo, novamente de folga, Bartolomeu saiu de casa e não demorou muito estava de volta. Ofegante, com um saco nas costas. Procurou a mulher Zilda, e determinou que ela se arrumasse e colocasse tudo que tinha de valor dentro de dois sacos, enquanto ele preparava dois jumentos com cambitos e caçuás. Quando a noite caiu, Bartolomeu “fugiu” com a mulher, levando os dois animais, algumas peças de roupa e bastante água.
Na segunda-feira o Vaqueiro não apareceu na fazenda. A procura foi em vão – dias depois descobriram que Bartolomeu havia encontrado o que viera procurar quando saiu de Goiás: uma grande botija cheia de valiosas moedas de prata e algumas mais de ouro.”
Somente quando Vovô Camilo acabou de contar a estória, foi que percebeu que todos os meninos e meninas estavam dormindo sentados.
A casa mal assombrada do povoado Pedras Verdes
Construída numa área elevada pouco mais de um metro do nível local, a residência da família Silva Costa teve seus momentos áureos na época do domínio da cana de açúcar. Era ali que muitos donos de engenhos do lugar se reuniam durante a noite para acertar contas, conhecer os lucros que estavam tendo e até para negociar a venda de alguns poucos negros escravos.
Há quem afirme que, em meados do século XIX, por conta do descobrimento da sonegação de impostos, o Governo resolveu fiscalizar com mais veemência, provocando, entre outras coisas, o desinteresse dos canavieiros pelo plantio e colheita da matéria prima (cana de açúcar). Muitos proprietários de terras resolveram mudar para centros urbanos mais desenvolvidos, onde certamente poderiam investir noutros negócios.
E assim foi feito. No povoado Pedras Verdes (onde diziam que havia minas de turmalinas – o que teria gerado o nome de Pedras Verdes), a casa dos Silva Costa chamava a atenção de quem por ali passasse, mesmo com a rodovia passando ao lado, numa distância de 220 metros. De longe se avistava o casarão. Um verdadeiro fascínio, quando belo e habitado.
Os proprietários foram embora e os poucos escravos desapareceram, tentando viver a liberdade noutro lugar. Sem habitante, sem cuidado e manutenção, a deterioração chegou a galope. Pássaros, cobras, urubus, corvos, raposas e outros tantos animais fizeram dali a sua moradia. Alguns cavalos que serviam aos proprietários, sem alimentação e sem cuidados, acabaram morrendo de fome e as carcaças tornaram o ambiente lúgubre e de um fedor insuportável.
Rápidos e levados pelo vento, os boatos ganharam a vizinhança, dando conta de que a casa era mal assombrada e em noites de lua cheia se escutava gemidos de escravos, uivos de raposas, sobrevoos de corujas – tudo provocado por uma forte ventania que chegava naquela casa construída um pouco mais alta do nível do chão.
Soube-se, também, que havia um sótão no interior da casa, e que lá vivia uma velha com duas cabeças, que fora ali aprisionada para não ser vista por ninguém. Teria morrido de fome e sede – e agora vivia aparecendo para cobrar atenção dos proprietários.
Verdade ou não, em noite de lua cheia nenhum passante se atrevia a andar devagar naquela estrada, de onde diziam avistar luzes incandescentes e ouvir muitas vozes – que afirmavam ser dos antigos proprietários negociando preços da matéria prima e a venda de escravos.