13 de janeiro de 2021 | 05h07
Uma das maiores cantoras brasileiras, Dalva de Oliveira foi pioneira em outra área. É dela a voz na primeira dublagem nacional, interpretando Branca de Neve, na animação de 1937 – enquanto seu príncipe ganhou a entonação do cantor Carlos Galhardo. Foi o início da profissão no Brasil. Além do cinema, a partir do surgimento da TV, nos anos 1950, a dublagem ganhou também espaço na telinha das casas, por uma determinação do então presidente Jânio Quadros, em 1961. Assim, todo o material que vinha de fora deveria ser dublado. Ao longo das décadas, o mercado no País se consolidou, e revelou nomes e vozes marcantes. Agora, afetados também pela pandemia, os dubladores voltaram a trabalhar, mas grande parte deles adaptou sua casa para poder continuar na ativa, sem precisar ir aos estúdios.
Trata-se de uma área repleta de curiosidades. Afinal, sempre há um personagem que agrada mais por causa de sua voz – e o espectador faz tudo para descobrir quem é o dono dela. Não deixa de ser surpreendente saber, por exemplo, que o centenário Orlando Drummond é reconhecido até hoje por fazer a voz do cachorro Scooby-Doo. Ou então Isaac Bardavid ser o incrível Wolverine (Hugh Jackman), da franquia X-Men. Outro também antigo na área é o ator Lima Duarte, que deixou sua marca em desenhos dos anos 1960, como Manda-Chuva, da Hanna-Barbera.
Destaque do momento, o ator Jorge Lucas é o responsável pela voz de Joe Gardner, protagonista da animação Soul, da Disney+, e que, no original, ganhou a interpretação de Jamie Foxx – o ator americano, aliás, é um dos nomes dublados constantemente pelo próprio Lucas. “No caso de Soul, havia uma forte indicação de que eu faria o personagem, mas foi realizado um teste de amostragem de voz para saber se realmente havia harmonia, não só de timbre quanto de interpretação”, diz o dublador. Com mais de 25 anos de carreira, Lucas deu voz a diversos astros, como Vin Diesel, Ben Affleck e Johnny Depp. Claro que sempre existe algum mais trabalhoso. “A RuPaul”, revela Lucas. “Sempre é trabalho de composição e naturalidade muito difícil, pois não se pode cair no estereótipo óbvio, além de ser um mito.”
E Soul vem conquistando crítica e público, já somando premiações, tendo o Oscar como perspectiva. Para Lucas, isso até dá a impressão de que “eu também estou concorrendo”, diverte-se. Para ele, ganhar o maior prêmio do cinema será a demonstração de se render à beleza, à força e à sutileza de uma animação, ainda mais “sendo protagonizada por um personagem preto, e raros são os Oscars concedidos aos meus colegas pretos, além de ser uma constatação de que as animações são e devem ser mais respeitadas”, diz.
Outro nome que tem sua voz ligada a diversos personagens famosos é da dubladora Mabel Cézar. É dela a voz da Minnie; da Princesa Leia (Carrie Fisher), de Star Wars; da atriz Tisha Campbell-Martin, de Eu, a Patroa e as Crianças; da Jessie, de Toy Story; entre tantas outras. No mercado há 26 anos, Mabel tem inúmeras histórias para contar. Ela é do tempo em que os atores-dubladores ficavam juntos no estúdio para gravar, coisa que a tecnologia alterou. Entre seus trabalhos mais queridos, dublar Toy Story e dar voz à divertida Jessie foram para ela um presente. “Eu tinha pouco tempo de carreira, pois o Toy Story 2, quando a Jessie entra em cena, foi lançado em 1999 e eu entrei na (produtora) Herbert (Richers) em 97”, conta Mabel, lembrando que, de um filme para o outro da franquia – até o Toy Story 4 –, houve uma distância, o que a fez ter de recordar como fazer a voz da personagem. “Tenho sempre que rever um pedacinho do desenho ou então ‘chamar’ a minha palavra-chave que é o ‘irrraaaaa, é você, é você, cowboy’. Aí coloco a mandíbula no lugar, que me traz a voz e o espírito dela”, explica.
Certamente, você já ouviu a voz dele. Pode ser com a cara de Jude Law, Jake Gyllenhaal, da Zebra de Madagascar ou do cãozinho de A Dama e o Vagabundo. Para o dublador Felipe Grinnan, esses são todos seus “filhos”, pelos quais tem imenso carinho. Ele explica que uma mágica se faz quando consegue convencer o público de que aquela voz está mesmo saindo da boca do ator na tela. Isso se dá quando o dublador, diz Felipe, acompanha a respiração, as pausas do personagem, e tudo isso junto faz com que o público veja um Tom Cruise ou uma Jennifer Lawrence “falando em português”.
Mas é justamente nesse trabalho perfeito que mora a dubiedade da dublagem. “Quando essa magia acontece, as pessoas saem comentando sobre as belas cenas ou os atores maravilhosos, mas poucas vão pensar como a dublagem foi bem executada, com um dublador perfeccionista”, afirma Felipe. Por isso mesmo, para ele, um filme muito bem dublado é aquele “em que a dublagem não aparece, os louros ficam para o ator, o diretor, os roteiristas. Nesse ponto, é um pouco cruel”.
Existem alguns personagens que não são fáceis de dublar. Que o diga Claudio Galvan, que faz a voz do Pato Donald. “Sim, o Donald tem uma emissão bem diferente e difícil, pois não é um som que vem normalmente pelas cordas vocais, mas, sim, de uma combinação de ar que é expelido pressionado na parte de dentro da bochecha, e isso faz com que a articulação das palavras seja bem difícil”, revela.
Mas não é o único. Ele lembra que, para dublar a animação Megamente, teve bastante dificuldade, pois o personagem fala muito, “com variações de temperamento e vozes, por isso demoramos bastante tempo para obter um bom resultado, mas valeu a pena, porque Megamente é um daqueles que jamais serão esquecidos, se tornou um clássico”.
Voz de Leonardo DiCaprio em alguns filmes, Danton Mello lembra, com carinho, sua dublagem do cãozinho Max, da animação Pets, em que conseguiu impor uma personalidade diferente da do original. Ele lembra de sua emoção com o filme, que “tem uma coisa bonita, quando surge a criança”. Danton conta que, quando estavam nas últimas cenas, em que Max acompanha a criança até a escola, “me veio a imagem das minhas filhas, que foram embora para Nova York, e a voz embargou, não conseguia prosseguir”, revela o dublador e ator. “Os filhos vão para a vida, né? É louco.”
Cantora emprestou sua voz, uma das mais cultuadas da era do rádio no Brasil, para a personagem central da animação clássica da Disney, Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937. No estúdio, dividia o microfone com o também cantor Carlos Galhardo, que dublou o Príncipe. Mas Dalva não cantou as músicas da animação.
Ator é um dos nomes que ajudaram a fazer a história da dramaturgia brasileira. Mas não se limitou a atuar, sendo um dublador reconhecido. Nessa área, foi responsável por dar voz a personagens de animações de Hanna-Barbera, como o Manda-Chuva, Catatau (do Zé Colmeia), Dum Dum (do Tartaruga Touché) e Pepe Legal.
Conhecido pelo Seu Peru, da Escolinha do Professor Raimundo, o dublador tem sua voz eternizada em personagens como Scooby Doo, Alf (O ETeimoso), Popeye, e Vingador (em Caverna do Dragão). “Ser dublador é emprestar emoção a uma cena onde você não está presente fisicamente”, disse o ator ao Estadão quando de seu centenário.
Com seu timbre de voz singular, o ator é o Wolverine nacional, dublando o personagem vivido por Hugh Jackman. Entre outras dublagens, fez o Tigrão (Ursinho Pooh), Obi-Wan Kenobi (Alec Guinness, em Star Wars) e Anthony Hopkins em filmes como Thor, e os vilões Esqueleto (He-Man) e Freddy Krueger (A Hora do Pesadelo).