Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 28 de abril de 2024

ME CATIVE (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
 · 
A memória das pessoas parecem
com antigas mesas de trabalho de costura.
Há nas gavetas histórias guardadas
por muito tempo, há sachês de flores secas,
como os doces aromas que lembramos.
Há emaranhados de fios, tesouras que cortaram
sonhos e às vezes alguns alfinetes.
_ Marguerite Yourcenar

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de abril de 2024

VIVER (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz ""Viver é um um rasgar-se e remendar-se..." Guimarães Rosa"


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de abril de 2024

ÁGUA DE BEBER (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ÁGUA DE BEBER

Violante Pimentel

Nasci e me criei em Nova-Cruz, região agreste do rio Grande do Norte, fronteira com a Paraíba.

Uma terra seca e quente, e a cidade não tinha energia elétrica nem água encanada, o que só aconteceu no começo da década de 60.

A água que se usava era salobra e tirada de cacimbões. No sábado pela manhã, chegava o trem com água do Piquiri, água doce, para se beber e cozinhar.

Minha mãe tinha na cozinha uma jarra com capacidade para 150 m3, onde a água de beber era colocada, coada num pano de saco de açúcar vazio, lavado e abainhado por ela na máquina de costura. Essa jarra era sempre coberta com esse pano e sobre ele havia uma tampa feita de madeira. Antes de ser colocada no filtro de barro, a água fervida.

 

 

 

A água de beber era trazida do Rio Piquiri (Canguaretama), no “trem da água”, aos sábados, de manhã cedo. Os carregadores se aglomeravam na Estação Ferroviária, à espera do trem da água, o que lhes renderia alguns trocados.

Nessa ocasião, na Estação Ferroviária, ficava um aglomerado de carregadores de água, com galões feitos com duas latas vazias de querosene Jacaré, já lavadas e desinfetadas, e amarradas com correntes a um pedaço de madeira fornido, que eles carregavam nos ombros. Os carregadores de água davam inúmeras viagens, para abastecer as casas com “água doce, fria, gelada, do Piquiri”. Passavam o dia todo carregando água para os fregueses, mediante pagamento simbólico, pois aquela água e aquele serviço não tinham preço.

Repetindo, na nossa casa, a água de beber era colocada numa jarra de 150 litros cúbicos, coada num pano branco, feito de sacas de açúcar vazias, lavadas e desinfetadas por minha mãe, amarrado na boca da jarra. A água era fervida, antes de ser colocada em dois filtros de barro, para consumo.

Essa água era exclusivamente para se beber e cozinhar. Mas minha mãe enchia um balde com ela, para lavar as nossas cabeças, aos domingos, pois durante a semana o banho completo era com água salgada (salobra). Passávamos a semana tomando banho com água salgada, o que deixava nossos cabelos pegajosos.

No domingo, nossa mãe abria uma exceção, ao encher um baldo de água doce, para lavar nossas cabeças. Havia um grande caneco de alumínio emborcado sobre a tampa da jarra, exclusivamente para ser usado para tirar água doce da jarra.

A cidade era paupérrima, não havia médico nem posto de saúde, e o povo morria à míngua, como aconteceu com meu irmão Galdino, aos sete meses de idade. Era o fim do mundo!!!

Pois bem. Uma parenta de meu pai, idosa, que morava num sítio perto de Nova-Cruz, uma vez por outra era nossa hóspede. Surda igual a uma porta, chegava com uma trouxa de tecidos para costurar na máquina “Singer” da minha mãe e permanecia uma temporada conosco. Falava muito, mas ouvia pouquíssimo. Era uma pessoa agradável e muito querida.

O cuidado que a minha mãe tinha com a água de beber era grande. Somente ela tirava água dessa jarra, inclusive para ferver e colocar nos dois filtros.

Certa noite, já tarde, quando todos já haviam se recolhido para dormir, minha mãe acordou, com o barulho de água correndo dentro de casa.

Levantou-se descalça, para não acordar meu pai, e foi ver o que estava acontecendo.

Dona Lia, minha mãe, teve uma péssima surpresa, que lhe fez adoecer. Encontrou na cozinha, a lamparina acesa em cima da mesa, e a hóspede Lindoca nuazinha, de frente para a “jarra de ouro” de água de beber, calmamente, tomando banho, e tirando água da jarra com o penico que lhe servia durante a noite, para satisfazer às suas necessidades, uma vez que o banheiro ficava fora da casa.

Minha mãe, para suportar o mal-estar que sentiu com essa contrariedade, tomou 40 gotas de Coramina, remédio que não faltava na nossa casa.

A infratora Lindoca não percebeu a presença da minha mãe, por estar de frente para a jarrona d’água, e ser surda.

Minha mãe não acordou ninguém, e suportou essa contrariedade sozinha, sem ter com quem desabafar. Não chamou a atenção da hóspede, pois a água já estava contaminada. Não adiantava dar um escândalo, àquela hora da noite. E ainda mais, “não adianta chorar sobre o leite derramado”, diz o ditado.

Mal amanheceu o dia, com a chegada de Mendonça, o cortador de lenha para o fogão, minha mãe lhe ordenou que secasse a jarra imediatamente, e a tirasse de dentro de casa, levando-a bem pra longe da nossa casa. Desse-lhe o destino que quisesse.

Meu pai nunca soube disso, e minha mãe não teve coragem de repreender a hóspede. Ficou tudo por isso mesmo. Só que a guarda foi reforçada, sempre que Lindoca chegava à nossa casa para alguma temporada.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 25 de abril de 2024

AMIGOS PARA SEMPRE (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

Violante e Raimundo
Uma amizade que já dura 6 anos

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de abril de 2024

O CINISMO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL(

 

O CINISMO

Violante Pimentel

Cinismo, palavra com origem no termo grego kynismos, é o sistema e doutrina filosófica dos cínicos.

Antístenes foi o filósofo fundador da Escola Cínica de Filosofia e mestre de Diógenes de Sinope. Nasceu em Atenas em 445 a.C. e morreu em 365 a.C., aos 80 anos. Antístenes fundou sua escola no ginásio chamado Cinosargos, que em grego significa “cão rápido”.

 

 

Em sentido figurado, o cinismo tem uma conotação pejorativa, pois designa o homem bruto, que não respeita sentimentos, valores estabelecidos, nem convenções sociais.

O famoso escritor britânico Oscar Wilde cunhou uma frase lapidar a respeito do cínico: “Um cínico é um homem que sabe o preço de tudo, mas o valor de nada”.

A origem do cinismo vem da palavra grega kýon (“cão”, em português), pelo fato de Diógenes de Sinope, o filósofo, dormir no local usado como abrigo para cães. O filósofo faria isso para demonstrar seu desacordo com o modo de viver dos homens.

Antístenes acreditava que a virtude era a única coisa necessária para a felicidade e que ela poderia ser alcançada através do autocontrole e da renúncia aos prazeres materiais.

Os cínicos desprezavam as convenções sociais. Desprezavam a riqueza, o poder e o prestígio, considerando-os como fontes de corrupção e sofrimento. Em vez disso, valorizavam a liberdade, a autossuficiência e a honestidade.

Um cínico é alguém que desafia as normas sociais e as convenções estabelecidas. Eles não se importam com a opinião dos outros e não têm medo de expressar suas opiniões de forma franca e direta. São conhecidos por suas atitudes desafiadoras e sua tendência de ironizar tudo.

Embora o ceticismo cínico tenha suas raízes na Grécia Antiga, ainda podemos encontrar traços dessa filosofia na sociedade contemporânea. Muitas vezes, vemos pessoas que desafiam as normas sociais e questionam as convenções estabelecidas. Elas não têm medo de expressar suas opiniões e são conhecidas por suas atitudes irreverentes e falta de polidez.

Portanto, o ceticismo cínico pode ser uma fonte de inspiração e reflexão para aqueles que desejam viver de forma autêntica e verdadeira. Ele nos convida a pensar por nós mesmos e a buscar a virtude em um mundo cheio de ilusões.

O ideal do sábio era a indiferença perante o mundo. A origem da escola do Cinismo remonta aos séculos III e II A.C., com um ressurgimento posterior, nos séculos I e II d.C. Alguns filósofos a classificam como escola socrática, na linha de Sócrates-Antístenes-Diógenes. Outros negam a relação Antístenes-Diógenes, não a consideram uma escola socrática e veem em Diógenes o seu fundador e inspirador.

No contexto contemporâneo, o termo “cínico” é frequentemente usado para descrever pessoas que demonstram uma atitude de desrespeito e deboche em relação às motivações e intenções dos outros. Essas pessoas tendem a ser sarcásticas, irônicas e desdenhosas em suas interações sociais. Cometem erros e são injustas, além de não ter respeito a ninguém, salvo quando por interesse próprio.

O grupo de filósofos associados ao Cinismo tornou-se conhecido por seu comportamento, estabelecendo, assim, uma perspectiva ética. Acreditavam que a felicidade estaria relacionada a uma vida simples, em acordo com a natureza, e sem as complexidades das regras e valores sociais. Os cínicos eram, então, pessoas que desprezavam os ordenamentos sociais e viviam em circunstâncias consideradas degradantes para um grego, assemelhando-se a animais.

O comportamento dos filósofos cínicos apontava para uma distinção filosófica entre os aspectos naturais e os costumes humanos, um problema que permeou todo o pensamento filosófico da Grécia Antiga.

Diógenes representou uma das mais importantes figuras da corrente filosófica do Cinismo. Eram homens simples, nômades, sem família e sem pátria.

Diógenes de Sinope (404 ou 412 AC. – Corinto, 323aC), também conhecido como Diógenes, o Cínico, foi um filósofo da Grécia Antiga.

Diógenes de Sinope foi exilado de sua cidade natal e se mudou para Atenas, onde teria se tornado um discípulo de Antistenes, antigo pupilo de Sócrates. Tornou-se um mendigo que habitava as ruas de Atenas, fazendo da pobreza extrema uma virtude. Diz a História, que ele teria vivido num grande barril, no lugar de uma casa, e perambulava pelas ruas, carregando uma lamparina, durante o dia, alegando estar procurando por um homem honesto. Posteriormente estabeleceu-se em Corinto, onde continuou a buscar o ideal cínico da autossuficiência: uma vida que fosse natural e não dependesse das luxúrias da civilização. Por acreditar que a virtude era melhor revelada na ação do que na teoria, sua vida consistiu de uma campanha incansável para desbancar as instituições e valores sociais do que ele via como uma sociedade corrupta.

Segundo a tradição, Diógenes vivia a perambular pelas ruas na mais completa miséria até que um dia foi aprisionado por piratas para, posteriormente, ser vendido como escravo. Um homem com boa educação chamado Xeníades o comprou. Logo ele pôde constatar a inteligência de seu novo escravo e lhe confiou tanto a gerência de seus bens quanto a educação de seus filhos.

Diógenes levou ao extremo os preceitos cínicos de seu mestre Antístenes. Foi o exemplo vivo que perpetuou a indiferença cínica perante os valores da sociedade da qual fazia parte. Desprezava a opinião pública e parece ter vivido em uma pipa ou barril. Reza a lenda que seus únicos bens eram um alforje, um bastão e uma tigela (que simbolizavam o desapego e autossuficiência perante o mundo), sendo ele conhecido também, talvez pejorativamente como kinos, o cão, pela forma como vivia.

Diógenes é tido como um dos primeiros homens (antecedido por Sócrates com a sua célebre frase “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo.”) a afirmar, “Sou uma criatura do mundo (cosmos), e não de um estado ou uma cidade (polis) particular”, manifestando assim um cosmopolitismo relativamente raro em seu tempo.

Diógenes parece ter escrito tragédias ilustrativas da condição humana e também uma República que teria influenciado Zenão de Cítio, fundador do estoicismo. De fato, a influência cínica sobre o estoicismo é bastante saliente.

É famosa a história de que Diógenes saía em plena luz do dia com uma lamparina acesa procurando por homens verdadeiros (ou seja, homens autossuficientes e virtuosos).

Igualmente famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para Alexandre, disse: “deixa-me ao meu sol!”. Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.”

Normalmente, os cínicos são pessoas debochadas e sarcásticas, que caminham na contra-mão da consideração e do respeito às pessoas de bem e aos bons costumes. Transitam, querendo puxar o tapete de pessoas bem sucedidas.

Quando querem alcançar um intento, são iguais ao cururu. Quanto mais são enxotados, mais insistem, persistem e não desistem.

 

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 12 de abril de 2024

UM FUMO PRETO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

UM FUMO PRETO

Violante Pimentel

Adriano, meu saudoso irmão, funcionário da Petrobrás, estava morando em Aracaju, (Década de 60) e Tereza, a esposa, só tinha a filha Adriane, de seis meses.

Fui com minha mãe e Bernardo meu irmão caçula, de trem, de Nova-Cruz para Recife e lá pegamos um ônibus para Maceió (AL), na ânsia de conhecermos a 1ª neta da minha mãe e minha 1ª sobrinha.

Passamos quinze dias na casa de Adriano e Tereza, para matar a saudade, e curtir a filhinha deles.

Voltamos de ônibus até Recife e ali tomamos o trem de volta para Nova-Cruz. Na altura de João Pessoa, Seu Júlio, um ferroviário amigo de meus pais, seguiu viagem nesse trem e ao nos ver, se dirigiu à minha mãe muito comovido, e falou:

– Que pena, Dona Lia, a velhinha ter morrido!

Surpresa, minha mãe perguntou:

– Quem?

– Dona Júlia, sua sogra! Respondeu o homem.

Ficamos mudas, diante da triste notícia. Seu Júlio se desculpou, ao ver que nós ainda não sabíamos do ocorrido. Dona Júlia era minha avó paterna, a quem eu era muito apegada, a ponto de dormir com ela todas as noites. As casas eram vizinhas. Ela na cama e eu na rede. Meu avô, Seu Bezerra, já havia morrido.

Daí em diante, a viagem foi um mar de lágrimas e tristeza.

Nesse tempo, Nova-Cruz não tinha luz elétrica nem água encanada, e, muito menos, telefone.

Chegamos à Estação Ferroviária por volta das oito horas da noite. Encontramos a nos esperar, Francisco (meu pai) e Eulina (minha tia). Os dois de luto: Meu pai com um fumo preto no bolso da camisa (um quadrado de tecido preto que os homens usavam em sinal de luto), e a minha tia de vestido preto. Há quatro dias, minha avó Júlia havia sido sepultada.

A notícia da morte da minha avó Júlia marcou, para sempre, a alegria da nossa viagem a Maceió. Foi uma noite de tristeza e choro. Toda a alegria que vivemos durante nossa permanência em Maceió, em visita ao meu saudoso irmão Adriano, esposa Tereza e minha sobrinha Adriane, que estava com seis meses, de repente desapareceu.

Sentimos uma pena horrível de não termos participado do funeral da minha querida avó Júlia, que morreu de repente, de um edema pulmonar, aos 73 anos.

Foi um retorno muito triste.

Faça chuva ou faça sol, a cor do luto foi, por muito tempo, a preta. A tradição que perdurou por décadas dizia que, para estar adequado ao contexto fúnebre, a cor preta deveria ser usada nas vestimentas quando alguém morria. Atualmente deixado de lado, mas não completamente, o costume teve início em uma das famílias mais influentes da história – a realeza britânica.

Usamos luto durante seis meses. Mas a saudade permanece até hoje.

Pois bem. Os velórios do Ocidente tem o preto como predominância nos visuais. Embora Holywood ainda pareça tentar preservar esse costume, as vestimentas pretas não são mais o “uniforme dos cemitérios”, principalmente no Brasil. A cor preta é a que mais absorve calor. Permanecer por horas, sob o sol e em um país tropical, é uma tarefa que exige esforço. Somado à tristeza pela perda de um ente querido, o desconforto do luto é imenso.

 

 

 

 

A história do luto começou com a rainha Vitória, uma das monarcas de maior importância da história do Reino Unido, que viveu de 1819 a 1901. Durante esse tempo, a Inglaterra vivia a difusão do Romantismo, movimento artístico e social que, entre as pautas, defendia a revalorização da estética.

Em 1861, a morte do amado marido da rainha Vitória , o príncipe Albert, surpreendeu o mundo. Com apenas 42 anos, Albert estava doente há duas semanas antes de finalmente dar seu último suspiro. Sua viúva permaneceria no trono por mais cinquenta anos, e sua morte empurrou a rainha para uma dor tão intensa que mudou o curso do mundo. Pelo resto de seu reinado, até 1901, a Inglaterra e muitos outros lugares adotaram práticas funerárias e de morte incomuns, todas influenciadas pelo luto público de Victoria pelo falecido príncipe Albert. Graças à rainha Vitória, a dor e o luto tornaram-se bastante na moda.

Embora a rainha Vitória usasse vestidos de luto pretos pelo resto de sua vida após a morte de Albert, a maioria das pessoas não usava crepe por tanto tempo. No entanto, havia certos protocolos que tinham que ser seguidos para trajes de luto.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 09 de abril de 2024

A VASSOURADA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
A VASSOURADA
Violante Pimentel
 
 

Na campanha política para Presidente da República, em 1960, o então candidato Jânio da Silva Quadros tinha como símbolo da sua campanha uma vassoura. Nos comícios, subia ao palanque com uma vassoura na mão. Dizia que com a vassoura, seria varrida a bandalheira e a corrupção do País.

A vassoura, portanto, tornou-se a marca registrada da campanha de Jânio da Silva Quadro (UDN) contra o Marechal HenriqueLott (PSD).

No interior nordestino , os “janistas” tinham, cada qual a sua vassoura, usada nas passeatas e comícios, para insultar os adversários, partidários do Marechal Henrique Lott.

Em algumas cidades, durante a campanha a bagunça foi grande. Os eleitores que apenas assinavam o nome, não compreendiam o sentido da vassoura, nem os discursos de Jânio transmitidos pelo rádio. Então, começaram os insultos e, o que era pior, as vassouradas, durante as passeatas e comícios. A vassoura tornou-se uma arma perigosa nas mãos das pessoas ignorantes. Em Nova-Cruz (RN), o comércio de vassouras prosperou. A campanha tomou proporções alarmantes, e as vassouradas eram dadas indiscriminadamente, chegando a provocar ferimentos em algumas pessoas.

Lourdes, uma moradora da nossa rua, mulher ignorante e agressiva, resolveu ser “janista”, e passou a varrer a calçada de sua casa de manhã, de tarde e de noite, para insultar quem passava. Usando a vassoura como estandarte, agrediu o ex-marido com uma vassourada, e o acertou na fronte. Por um triz, o homem não morreu. Semianalfabeta, Lourdes não entendia de nada, principalmente de política. Mas tornou-se especialista em vassouradas. Não perdia passeatas e comícios, cantava todos os jingles e era uma entusiasta da campanha da vassoura.

Os carros de som, com seus incansáveis alto-falantes, invadiam as ruas das cidades com marchinhas (jingles), que o povão logo aprendeu a cantar.

Algumas delas:

“ Varre, varre, varre vassourinha, varre a corrupção”;

“Jânio vem aí / não demora não / ele vem aí / com uma vassoura na mão”;

“Varre, varre, varre, varre vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado! .Jânio Quadros é a esperança de um Brasil moralizado/ Alerta meu irmão, vassoura, conterrâneo/ Vamos vencer com Jânio!”

 

 

Jânio Quadros chegou à presidência da República de forma muito veloz. Em São Paulo, havia exercido sucessivamente os cargos de vereador, deputado, prefeito da capital e governador do estado. Tinha um estilo político excêntrico e um vocabulário exótico, que chegava a ser hilário. Para parecer popular, enchia os bolsos de sanduíches para comer nos comícios.

Foi eleito Presidente da República em 3 de outubro de 1960, pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL, para o mandato de 1961 a 1965, com 5,6 milhões de votos – a maior votação até então obtida no Brasil. Venceu o Marechal Henrique Lott de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos. Porém, não conseguiu eleger o candidato a vice-presidente de sua chapa, Milton Campos (naquela época votava-se separadamente para presidente e vice). Quem se elegeu para vice-presidente foi João Goulart, do partido da oposição.

Jânio Quadros assumiu a presidência em 31 de janeiro de 1961, em Brasília, que ,pela primeira vez, foi palco de uma posse presidencial.

O governo de Jânio Quadros perdeu sua base de apoio político e social, a partir do momento em que adotou uma política econômica austera. Adotou medidas drásticas, restringindo o crédito, congelando os salários e incentivando as exportações.

Mas foi na área da política externa que o presidente Jânio Quadros acirrou os ânimos da oposição ao seu governo. Jânio nomeou para o ministério das Relações Exteriores Afonso Arinos, que se encarregou de alterar os rumos da política externa brasileira. O Brasil começou a se aproximar dos países socialistas. O governo brasileiro restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética (URSS).

Num gesto considerado tresloucado, Jânio condecorou, no dia 19 de agosto de 1961, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, Ernesto Che Guevara, o guerrilheiro argentino que fora um dos líderes da revolução cubana, e era ministro daquele país. Entretanto, segundo conta a História, essa condecoração foi um agradecimento a Ernesto Che Guevara, por ter atendido a seu apelo e libertado mais de vinte sacerdotes presos em Cuba, que estavam condenados ao fuzilamento, exilando-os na Espanha. Jânio fez esse pedido de clemência a Guevara por solicitação de Dom Armando Lombardi, Núncio Apostólico no Brasil, que o solicitou em nome do Vaticano.

A outorga da condecoração foi aprovada no Conselho da Ordem por unanimidade, inclusive pelos três ministros militares.
A repercussão desse gesto foi a pior possível, sendo, ainda segundo a História, a causa principal da perda de mandato de Jânio. Os problemas começaram na véspera, com a insubordinação da oficialidade do Batalhão de Guarda. Amotinada, se recusava a acatar as ordens de formar as tropas defronte ao Palácio do Planalto, para a execução dos hinos nacionais dos dois países, e a revista. Só a poucas horas da cerimônia, já na manhã do dia 19, conseguiram os oficiais superiores convencer os comandantes da guarda a se enquadrar.

Na imprensa e no Congresso, começaram a surgir violentos protestos contra a condecoração de Che Guevara. Alguns militares ameaçaram devolver suas condecorações em sinal de protesto. Em represália ao que foi descrito como um apoio de Jânio ao regime ditatorial de Fidel, nesse mesmo dia, Carlos Lacerda entregou a chave do Estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Verona, diretor da Frente Revolucionária Democrática Cubana, que se encontrava viajando pelo Brasil em busca de apoio à sua causa.

No dia 21 de agosto de 1961, Jânio Quadros assinou uma resolução que anulava as autorizações ilegais outorgadas a favor da empresa Hanna e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares pressionaram Jânio Quadros a renunciar:
Diz o texto da renúncia:

“Forças terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da minha autoridade……………………………………”

Brasília, 25-8-61.

a) J. Quadros

E assim terminou o mandato de Jânio Quadros, que só durou sete meses. 56 anos se passaram, e o País encontra-se hoje mergulhado na maior crise política da História.

Não há vassourada que dê jeito…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de abril de 2024

O GATO E A ONÇA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

O GATO E A ONÇA

Violante Pimentel

 

Essa fábula é muito antiga, do tempo em que os bichos falavam. É escarrada e esculpida a realidade em que vivemos.

O Gato era famoso entre os animais pela sua agilidade, e um certo dia, estando à beira de um rio para beber água, lá foi encontrá-lo a Onça, um dos animais mais perigosos e traiçoeiros da floresta.

– Bom dia, mestre Gato; como vai você?

– Vou bem, obrigado, comadre Onça; e você?

– Não ando bem. Ando muito triste ultimamente.

– Triste por que, comadre? Será que eu posso ajudá-la?

– Mestre Gato, você é o único bicho que pode me ajudar. Sinto-me assim, porque ouço sempre falar da sua habilidade para saltar, e eu não sou capaz de fazer o mesmo. Você pode me ensinar a saltar igual a você?

Mostrando-se gentil, o Gato respondeu:

– Ora, comadre, é só esse o seu problema? Não se aborreça! Vou lhe ensinar, sim. Podemos começar agora mesmo!

– Claro que sim, disse a onça muito satisfeita.

Começou então a mais estranha aula desse mundo: O Gato exibia todos os tipos de saltos que podia executar, e a Onça procurava imitá-lo da melhor maneira possível. Saltavam de um lado para outro, subiam nas árvores e de lá pulavam para o chão, davam saltos de altura, de extensão, e o Gato mostrava que era de fato um mestre. Depois de algum tempo, a Onça já estava saltando quase tão bem quanto o professor.

O Gato, solícito, ensinou à Onça todos os seus saltos, e ela aprendeu logo, passando a fazê-los com perfeição.

Mas o plano da Onça era outro. Queria devorar o Gato.

Depois dos saltos que aprendeu com o Gato, a Onça ficou faminta e resolveu atacá-lo. Preparou-se para saltar em cima dele e devorá-lo, mas, o Gato percebeu e foi mais ágil, pulando para trás e driblando os movimentos da Onça, que caiu dentro de uma fossa que transbordava.

Tal qual um jogador de baralho que guarda uma carta na manga da camisa, o Gato guardava consigo um salto secreto que não ensinava a nenhum outro animal, principalmente à Onça. Esse segredo era guardado a “sete chaves”.

Com o salto do Gato para trás, a Onça rolou por terra e caiu numa fossa que transbordava. Desapontada e demonstrando revolta, disse para o gato:

– Ora, Mestre Gato, este salto você não me ensinou!!!

Triunfante, o Gato respondeu:

– Não sou tão tolo assim, que, ao menos, não reservasse um salto secreto para me livrar das suas garras e de sua falsidade!
Nem tudo aquilo que o professor aprendeu na vida, ele ensina aos alunos.

E com outro salto de mestre, o Gato sumiu no mato, deixando a Onça machucada e “a ver navios”.

O instinto animal faz com que ele perceba quem lhe quer bem e quem o rejeita. Da mesma forma, o ser humano também distingue as pessoas que lhe querem bem, daquelas pessoas mesquinhas, fingidas, interesseiras, egoístas e invejosas, que não suportam o sucesso de ninguém. São verdadeiras artistas.

Por isso, a lição transmitida por essa fábula deve ser guardada a sete chaves, contra pessoas falsas e traiçoeiras.

Ficou a lição. Não se deve confiar em Onça. É imprescindível ao Gato que nunca ensine a ninguém sua jogada de mestre.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de março de 2024

A SEMANA SANTA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A SEMANA SANTA

Volante Pimentel

Mais uma vez, estamos vivendo a Semana Santa. Mais uma vez, assistimos a paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, como também de outros Cristos, pessoas desvalidas, que apodrecem nas cadeias, sem defesa, e sem assistência digna.

O que vemos é que o mundo continua sob a opressão dos “poderosos”. Vemos o sofrimento dos mais fracos, com a perseguição e a tortura física e psicológica dos injustiçados.

A perseguição aos injustiçados e a opulência dos maus é chocante. Não se sabe até quando irá essa opressão.

Nossos antepassados, se pudessem voltar à vida, se assombrariam diante do turbilhão de maldades espalhadas pelo mundo atual, onde há um imenso palco, em que se desenrola a Paixão, não de um só Cristo, mas de inúmeros Cristos, que neste País, diariamente, são perseguidos, humilhados, torturados e crucificados.

O profano se sobrepuja às coisas santas. A igreja tornou-se um reduto de políticos, em época de campanha eleitoral, que se misturam aos verdadeiros cristãos.

Os costumes mudaram, mas a corrupção continua predominando.

A “caridade dos poderosos”, nesta Semana Santa, continua nas trevas. Só praticam o mal, perseguindo e desmoralizando pessoas e famílias inteiras.

Hoje, Sexta-feira Santa, não há respeito ao sofrimento de Cristo, salvo nos ritos religiosos. As operações para capturar infratores continuam ininterruptamente, transformando a Semana Santa num período mais do que profano. Um período de maus tratos ao ser humano, sofrimento, perseguição e humilhação.

A volúpia da perseguição vivida pelos podres poderes cada vez aumenta mais, e a mídia se delicia com isto, como se vê a olhos nus nos noticiários televisivos.

Tempos estranhos, estes que vivenciamos.

Mudando o rumo “desta prosa”, tento fixar meu pensamento num tempo distante e feliz, em Nova-Cruz (RN), terra abençoada, onde nasci e me criei, e onde hoje estão sepultados Francisco e Lia, meus inesquecíveis pais e de meus cinco irmãos. Vejo-me no tempo da minha infância e juventude, com a família toda reunida na Semana Santa, período esperado com ansiedade.

Ainda hoje trago na memória o calor humano da família toda reunida em Nova-Cruz (RN), e o clamor dos pedidos de esmolas, feitos por crianças, durante a Semana Santa, principalmente na Quinta-Feira Santa e Sexta-Feira da Paixão:

“ Uma esmolinha, pelo amor de Deus, pra minha mãe jejuar no dia de hoje!”

Esse apelo continua vivo na minha lembrança, e a saudade desse tempo feliz, quando ninguém tinha morrido, continua a mesma.

Hoje, vemos pessoas que podem comprar comida, mas não possuem a liberdade de ir e vir. Vivem sob a tirania daqueles que se sentem poderosos e que se acham no direito de tripudiar, humilhar e perseguir suas presas, na ânsia de crucificar e colocar uma pedra em cima daqueles que não se enquadram na cartilha traçada por eles, ao arrepio da lei.

Na época da minha infância e juventude, em Nova-Cruz, década de 60, na Quinta-Feira Santa e Sexta-Feira da Paixão, as esmolas eram de bacalhau e brote. Nessa época, bacalhau era produto de baixo custo, como também a qualidade era uma só, sem opção de um produto melhor. Na sala da nossa casa, ficavam um saco com brotes e outro com bacalhau, que minha saudosa mãe distribuía com os pedintes.

Na Sexta-Feira da Paixão, havia uma grande preocupação das famílias, de esconder suas galinhas dentro de casa. Os “biriteiros” de plantão costumavam furtá-las dos quintais nessa noite, e transformá-las em guisados, para lhes servir de tira-gosto.

O furto de galinhas, na noite da Sexta-Feira Santa, era uma tradição, fruto da cultura popular nordestina. Geralmente, os “gatunos” eram jovens conhecidos e de boa família, e faziam isso por brincadeira, às vezes compartilhada pelos próprios donos.

As comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma e coco de presente, cujo cheiro e gosto nunca esqueci.

A Semana Santa, para os adeptos da Igreja Católica, era uma época triste e sombria. Para começar, não havia aula durante essa semana. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito. Não se ouvia música profana. Não se chamava nome feio, e quase não havia briga. Era um período de reflexão e esperança de um mundo melhor.

Na Quarta-Feira da Semana Santa, a chamada Quarta-Feira de Trevas, não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois não se tirava leite naquele dia, sob pena de “em vez do leite, do animal jorrar sangue”. Ainda por cima, propagava-se o perigo de ficar entrevado, para aquele que tomasse banho na Quarta-feira de Trevas.

Esses medos faziam parte da crendice popular, nos recantos nordestinos mais atrasados. Mas Frei Damião, em suas Missões, desmistificou esse costume, comum na zona rural.

Na Quinta-Feira Santa , quando se revive a traição de Judas durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza, Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até ser crucificado e morto.

Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem.

Nesse dia triste, eram praticados o jejum de carne e a abstinência de bebidas alcoólicas.

As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.

Os clubes sociais e outros ambientes de entretenimento não funcionavam, em respeito à morte de Jesus Cristo.

O sábado de Aleluia revive a expectativa da Ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus. A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre pela madrugada.

A Páscoa Cristã é uma das festividades mais importantes para o cristianismo. De acordo com o calendário cristão, a Páscoa consiste no encerramento da chamada Semana Santa.

Nos dias de hoje, há diversos judas infiltrados nas multidões e vários Cristos estão vivendo seu Calvário, com uma imensa torcida para que sejam crucificados.

A adoração ao “vil metal”, ou seja, ao dinheiro, se sobrepuja ao sentimento cristão, e as igrejas se tornaram redutos políticos, procurados pelos podres poderes durante campanhas eleitorais.

Quando estava orando no Monte das Oliveiras, num jardim chamado Getsêmani, Jesus disse: “Pai, afasta de mim este cálice!” Isto ocorreu na noite em que Ele foi traído. Antes, Ele havia acabado de celebrar a última Páscoa com seus discípulos, e instituído a Ceia do Senhor, como uma ordem a ser observada por seus seguidores.

Ele partiu para o Monte das Oliveiras como de costume. Ali Ele pediu que seus discípulos vigiassem em oração. Ele se afastou um pouco deles com o objetivo de orar. A Bíblia diz que ali Jesus orou ao Pai intensamente.

Naquele momento, Jesus Cristo estava experimentando um estado de agonia tão extremo, que até o seu suor se transformou em gotas de sangue. O escritor de Hebreus, também descreve que naquele momento Jesus apresentou um grande clamor com lágrimas ao Pai (Hebreus 5:7). Ali ele estava vivendo os momentos finais antes da prisão que resultaria em sua morte. Foi justamente nesse contexto que Ele clamou:

“PAI, AFASTA DE MIM ESTE CÁLICE!”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de março de 2024

EVOCAÇÃO À VASSOURA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLAMNTE PIMENTEL)

 

EVOCAÇÃO À VASSOURA

Violante Pimentel

Jânio da Silva Quadros foi um grande político da UDN (União Democrática Nacional), que exerceu a Presidência da República por apenas sete meses, de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto de 1961.

Durante a campanha política, Jânio, com sua voz empolada e seus jargões inteligentes, proferia fortes discursos de combate à bandalheira política. Usava como símbolo de sua campanha uma vassoura na mão, “para varrer a corrupção do País”.

Nunca se vendeu tantas vassouras nas cidades do interior nordestino, como na campanha de Jânio. Sem falar nas brigas com vassouradas que havia entre as donas de casa que torciam por ele e as adversárias, que torciam pelo Marechal Henrique Teixeira Lott.

O jingle da sua campanha dizia: “Jânio Quadros é a certeza do Brasil moralizado!” Em um curto governo de sete meses, Jânio Quadros tomou grandes decisões como Presidente da República.

A filosofia da vassoura de Jânio tinha um grande compromisso com a moralização pública dos hábitos e costumes brasileiros, sempre defendendo uma educação moral e conservadora.

A vassoura, portanto, foi o elemento-símbolo da campanha presidencial de Jânio Quadros, pois ele pretendia “varrer” a corrupção do país.

O jingle “varre, varre vassourinha/varre toda a bandalheira” tornou-se um sucesso na época.

Com seu vice-presidente João Goulart (1918-1976), oriundo do PTB, Jânio formou a chapa denominada “Jan-Jan”.

Foi o 22º Presidente do Brasil, e sucessor de Juscelino Kubitschek (1902-1976).

Começou a carreira política elegendo-se vereador, e posteriormente, prefeito, governador e deputado federal pelo estado de São Paulo.

Estes cargos foram primordiais para adquirir popularidade entre os paulistas e, mais tarde, assumir o cargo de Presidente da República.

Casou-se com Eloá Quadros em 1942 e teve uma filha, Dirce Maria Quadros, que seguiu a carreira política. Sua filha foi eleita deputada federal pelo PSDB, de 1987 a 1991.

Político inesquecível, com o patriotismo à flor da pele, sua fabulosa inteligência e sua verve irônica, Jânio Quadros tinha como meta varrer o lixo político do Brasil e acabar com a corrupção.

Foi um líder carismático das massas. Usava ternos escuros e tentava aproximar-se cada vez mais do povo, mantendo assim a sua popularidade.

Seus propósitos continuam em aberto, e o nosso País espera, desesperadamente, que a corrupção tenha fim, o que não deixa de ser uma utopia.

Sua intenção era a melhor do mundo, mas de boas intenções o inferno está cheio, como diz o ditado.

Jânio Quadros ascendeu à presidência do Brasil em 1961, eleito com 5,6 milhões de votos e apoiado pela UDN (União Democrática Nacional). Esse partido era de centro-direita e aliado com as políticas dos Estados Unidos. Teve como adversário político derrotado, o Marechal Henrique Teixeira Lott (1894-1984).

O cenário do Brasil era de crise, pois o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) deixou o país com a economia desestruturada, e com a inflação e a dívida externa maiores.

“Tão graves como a situação econômica e financeira, se me afigura a crise moral, administrativa e político-social em que mergulhamos”, afirmou Jânio em seu discurso de posse como Presidente da República.

Para conter esses problemas, Jânio Quadros congelou salários, desvalorizou a moeda nacional e restringiu o acesso de fundos de crédito, como tentativa de equilibrar a economia.

Quanto ao cenário externo, o mundo vivia a Guerra Fria (liderada pelas duas superpotências mundiais, EUA, capitalista, e a URSS, socialista). Desse modo, Jânio permaneceu numa posição neutra e, muitas vezes, sendo pragmático e privilegiando os interesses econômicos.

Apesar de conservador e anticomunista, essa posição não refletiu na política externa de Jânio Quadros. Aproximou-se de nações socialistas como Cuba, China e URSS.

Embora possuísse certa inclinação autoritária, Jânio auxiliou na consolidação do regime democrático no país, atacando várias vezes a elite, em defesa das camadas populares.

Depois de eleito, Jânio extrapolou o limite de tolerância dos adversários, com proibições absurdas.

Seguindo essa linha, suas ações foram um tanto retrógradas, como:

– proibição do uso de biquínis nas praias;
– proibição das rinhas de galo;
– proibição de uso de lança-perfume .

Isso demonstrou fragilidade nas metas do plano político proposto, afastando a população, e com o tempo, o presidente foi perdendo a popularidade.

Como Presidente da República, em 1961, participou da entrega da medalha “Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul”, a mais alta condecoração do governo brasileiro, a Che Guevara (1928-1967), líder do movimento socialista na América Latina. Esse gesto provocou críticas da direita brasileira e concorreu para que fosse forçado a renunciar, “por forças terríveis”, como ele disse, sendo substituído pelo vice-presidente João Goulart.

Após perder o apoio dos militares e com a pressão de Carlos Lacerda (1914-1977), líder da UDN, Jânio renunciou no dia 25 de agosto de 1961.
Foi o primeiro Presidente do Brasil a renunciar.

Numa carta ao Congresso Nacional, Jânio declarou a pressão que estava sofrendo por “forças terríveis”, fator determinante para justificar sua renúncia.
Trechos da Carta de Renúncia de Jânio Quadros:

“Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções nem rancores.

Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.

Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior.

Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.

Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.”

Com a volta da Democracia, em 1985, Jânio Quadros foi eleito prefeito de São Paulo, derrotando o então senador Fernando Henrique Cardoso.

Frases célebres e hilárias de Jânio Quadros:

• “Bebo-o porque é líquido, se fosse sólido comê-lo-ia.”

• “O PMDB é uma arca de Noé, sem Noé e sem a arca.”

• “Intimidade gera aborrecimentos ou filhos. Como não quero aborrecimentos com a senhora, e muito menos filhos, trate-me por Senhor.”

• “Aprendi no berço com minha mãe, que não há homem meio honesto e meio desonesto. Ou são inteiramente honestos ou não o são.”

• “A inflação dissolve o dinheiro, avilta os tesouros, compromete o crédito, perturba a produção, paralisa as obras, dessora os governos, depaupera os particulares, fermenta as revoluções.”

• “Neste país, milhões e milhões de homens trabalham, trabalham para uns poucos comerem, come¬rem.

Em um de seus polêmicos discursos , disse Jânio Quadros:

“No Brasil, há dois tipos de pessoas:

Aquelas que comem e não trabalham, e aquelas que trabalham e não comem.

Se essa premissa fosse verdadeira, Deus teria feito as primeiras sem braços e as segundas sem bocas.”

Jânio da Silva Quadros nasceu em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, no dia 25 de janeiro de 1917 e faleceu em São Paulo, em 16 de fevereiro de 1992, com 75 anos.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 18 de março de 2024

O PEDIDO (CONTO DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

O PEDIDO
Violante Pimentel
 

 

Malvino era um fazendeiro rico e avarento, que só se preocupava em juntar dinheiro.

Para isso, usava um antigo cofre que tinha em casa, cujo segredo a esposa Damiana sabia, mas nunca teve coragem de mexer.

Não gostava de luxo nem de vaidade. Não admitia que se gastasse dinheiro com coisas supérfluas. A esposa e as duas filhas não pegavam em dinheiro para alimentar a vaidade feminina. Cabelos escovados e unhas feitas, o fazendeiro somente permitia nas festas de Natal e Ano Novo.  A casa, onde a família morava, não era forrada, e o piso era d elajota.

Aparentemente, Malvino trabalhou pesado a vida toda e não queria ver ninguém usufruir das suas conquistas, nem mesmo a esposa e filhas. Gostava de dizer que filho de pai rico, quando o pai morre, acaba com tudo; e que viúva rica só serve para atrair cabra safado e aproveitador. O plano dele era esse: levar tudo com ele no caixão.

Uma vez por outra, dizia para Damiana:

“Quando eu morrer, quero levar todo o meu dinheiro comigo no caixão. Quero ter toda a minha fortuna, após a morte”!

Claro que isso soava bastante rude e egoísta para toda a família, especialmente para a esposa.

Damiana chegou a conversar com o padre sobre o pedido do marido, e ele lhe disse que não levasse isso a sério.

Anos depois, Malvino adoeceu, passando a sofrer de hipertensão e diabetes. Depois, o quadro se agravou e ele foi a óbito.

A esposa, então, sentiu-se na obrigação de concretizar o seu desejo. Depois de pensar muito, encontrou uma forma genial de conciliar as coisas, sem se prejudicar.

Na hora em que o caixão seria fechado, gritou: “Esperem um minuto”!

Um dos familiares disse: “Espero que você não seja louca de colocar toda a fortuna no caixão”.

A mulher, chorando, respondeu:

“Eu prometi a ele. Sou cristã e irei cumprir o meu juramento”!

Os amigos e familiares ficaram indignados com a situação.

Damiana, então, tirou do sutiã um cheque e pôs sob a cabeça do defunto. E explicou, baixinho, aos familiares:

– Ele vai levando, no caixão, um cheque nominal, cruzado, assinado por mim, no valor de todo o dinheiro que ele deixou no cofre. Amanhã, irei depositar o dinheiro no banco.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de março de 2024

FATO E VERSÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

FATO E VERSÃO

Violante Pimentel

 

Estamos vivendo a era da mentira e das versões. Cada dia há mais versões para prejudicar políticos, principalmente quando se trata de pessoa querida pela banda decente do País. Sou do tempo em que o Direito era respeitado e que o estudante de Direito acreditava nas instituições.

 

S

 

As mudanças que tem havido no cenário político fazem a mesma trajetória do besouro “rola-bosta”, muito conhecido no interior nordestino.

Quando não havia energia elétrica em Nova-Cruz (RN), nem água encanada, a ornamentação noturna dos dormitórios contava sempre com um pinico, ou para usar uma palavra mais “chique”, urinol. Vez por outra, aparecia um besouro rondando o pinico, e se este estivesse ocupado, o besouro rodava, rodava, até se atolar dentro do pinico, na urina ou coisa parecida. Era o famoso besouro “rola-bosta”. Assim acontece com as pessoas, principalmente os políticos. Rodam, rodam, e se atolam no pinico cheio.

E é a lama que destrói quem se mete na política. Os coveiros estão a postos, para sepultar reputações de pessoas de bem.

Repito. Estamos vivendo a era das versões. O importante não é o fato, mas as versões que dão ao fato. Há pessoas que, por isso, pegam má fama e morrem com ela.

Não há coisa pior neste mundo do que língua grande. Por causa disso, há pessoas que pegam uma fama infundada e carregam até o fim da vida. É a versão suplantando o fato. A fama decorre da versão e não do fato.

Depois que a fama se espalha, é difícil o difamado se reabilitar perante a opinião pública, porque tem sempre a turma que torce pela desgraça alheia, principalmente quando se trata de adversário político.

O “crime impossível” previsto no art. 17 do Código Penal Brasileiro, é letra morta, quando é para defender o homem de bem, que nunca praticou crime de responsabilidade ou corrupção, e nunca esteve preso.

O Código Penal Brasileiro estabelece:

“Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”

Portanto, podemos comparar qualquer minuta anônima e incompleta, sem continuação, seja qual fosse a finalidade, ao “crime impossível”, previsto no art. 17 do Código Penal Brasileiro. Ambos envolvem a não consumação do delito.

Uma minuta anônima e inacabada não tem validade jurídica. É apenas um rascunho, que qualquer espírito do mal pode fazer para incriminar alguém. Nunca, jamais, em tempo algum, essa minuta poderá surtir efeito, nem ser considerada como tentativa de golpe. É mais lógico que ela seja considerada um Crime Impossível.

“Para os amigos, tudo. Para os inimigos, a letra fria da lei”, se for para derrubar um cidadão de bem.

A torcida do mal é bem maior do que a torcida do bem.

Há pessoas que sonham em ver a queda de alguém. Odeiam gratuitamente e não poupam ocasião de se insurgir sobre alguém, por inveja ou preconceito, até mesmo contra a naturalidade. Como acontece com a luta do nordestino contra o resto do Brasil.

Já se cogitou até em excluir o Nordeste do mapa do Brasil, assim como algumas figuras caricatas, não nordestinas, criticam e zombam da TAPIOCA COM CARNE DE SOL NORDESTINA, DA SANFONA DE LUIZ GONZAGA e por aí vai. Não sabem essas pessoas que o nordestino tem muito mais caráter e coragem do que certos “distintos” que pensam ser melhores do que o resto do mundo.

Vez por outra, desaparece do mundo do Direito, por falta de uso, determinados artigos da Constituição Federal, do Código Penal etc.

O que mais tem ocupado a minha cabeça, atualmente, é a figura do “CRIME IMPOSSÍVEL”, previsto no art. 17 do Código Penal, que parece letra morta.

Mudando o rumo desta prosa, hoje faz 30 dias que fugiram dois apenados que cumpriam pena na Penitenciária de Segurança Máxima de Mossoró (RN).

Até hoje, os gastos públicos, para a recapturação desses fugitivos, dariam para reconstruir uma cidade em ruínas.

Seiscentos policiais, diversos drones e helicópteros, cães farejadores, viaturas, passagens aéreas, hospedagem em hotel de luxo para o Ministro da Justiça e ex Ministro do STF, e nem rastro dos fugitivos. E o Ministro ainda disse em entrevista, que a operação de tentativa de recapturação dos dois fugitivos está sendo EXITOSA. Desde quando está havendo êxito nessa operação? O Brasil desconhece esse tipo de êxito.

Valei-me, Santo “Stanislaw Ponte Preta”!!! O Ministro disse que os dois fugitivos estão na mata onde há muitas fruteiras, principalmente bananas, e eles devem estar muito bem alimentados!

“Pare o mundo que eu quero descer!!!” (Canção do compositor Sílvio Brito – 1976)

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de março de 2024

A BALEIA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A BALEIA

Violante Pimentel

 

As baleias-jubartes estão entre os maiores e mais majestosos animais marinhos. Elas podem crescer até 16 metros de comprimento e pesar até 40 toneladas.

Originalmente, no Brasil, as baleias – jubartes se distribuíam, durante a época reprodutiva, do Rio Grande do Norte a São Paulo; atualmente, se concentram principalmente no Banco dos Abrolhos, uma extensão da plataforma continental, recoberta por recifes de coral entre o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo.

No Brasil, as jubartes foram caçadas desde 1602, primeiro na região do Recôncavo baiano, com a chegada dos baleeiros bascos, e depois pelas estações costeiras de caça à baleia, chamadas Armações, que se estabeleceram entre a Bahia e Santa Catarina, para matança de jubartes.

Na primeira metade do século XX, baleeiros noruegueses e japoneses trouxeram navios para matar as baleias que restavam em águas brasileiras, um massacre que só terminou de vez em 1985 quando o então Presidente José Sarney suspendeu a caça de baleias no país.

Em 1987, a aprovação pelo Congresso da Lei Federal 7/643, que proíbe a captura e o molestamento intencional de toda espécie de cetáceo em águas jurisdicionais brasileiras, coroou quase duas décadas de campanhas contra a matança por ativistas brasileiros, e inaugurou uma nova política de Estado do Brasil a favor da conservação e do uso exclusivamente não-letal desses animais através da pesquisa científica e do Ecoturismo. Atualmente, a população das jubartes se recupera, e as pessoas tem a consciência de que uma baleia vale mais viva do que morta.

Os machos totalmente crescidos têm em média 13 m – 14 m. As fêmeas são ligeiramente maiores, com 15 m – 16 m.

A baleia-jubarte (nome científico: Megaptera novaeangliae), também conhecida como baleia-corcunda, baleia-cantora, baleia-corcova, baleia-de-corcova, baleia-de-bossas, baleia-preta ou baleia-xibarte é um mamífero marinho, presente na maioria dos oceanos. Suas longas nadadeiras peitorais, que chegam a medir até 1/3 de seu comprimento total, poderiam ser comparadas às asas de um pássaro. Esta é a origem do nome Megaptera, que em grego antigo significa “grandes asas”, enquanto novaeangliae fala do primeiro local onde foi registrada a espécie, Nova Inglaterra. É conhecida por seus comportamentos aéreos e outros mais realizados na superfície, o que as torna popular no turismo de observação de baleias. Machos produzem cantos complexos que duram de 10 a 20 minutos com a finalidade de atrair as fêmeas para acasalar. As baleias vivem na água apesar de não terem guelras, porque evoluíram há milhões de anos a partir de ancestrais que viviam na terra. Sua evolução está amplamente documentada no registro fóssil.

Por não possuir dentes, a base alimentar das baleias – jubartes, mesmo adultas, são pequenos crustáceos, conhecidos como krill.

Dessa forma, no hilário episódio do falso importunamento do Ex-Presidente à baleia-jubarte, jamais ela o engoliria. Primeiro, porque o Ex-Presidente não a importunou, nem de longe. Essa infâmia é mais uma intriga da oposição perseguidora e má. E em segundo lugar, apesar da boca da baleia poder medir até três metros, sua goela é muito estreita e mede, no, máximo, 15 centímetros. E isso tem história. Senão vejamos:

A baleia sempre foi o mais veloz e comilão animal marinho. Comia tudo o que via em sua frente. Nadava mais do que todos os outros peixes. Até que um incidente aconteceu entre uma baleia e uma moça devota de Santo Antônio, que viajava num navio.

A tripulante conduzia nas mãos uma imagem do santo casamenteiro, rezando o tempo todo e pedindo a Santo Antônio para que o navio entrasse logo na barra. A devota tinha muita fé e tinha certeza de que seu santo milagroso faria com que, naquele navio, ela encontrasse o seu príncipe encantado, para sair do detestável caritó.

De repente, a imagem de Santo Antônio caiu no mar. Imediatamente, uma baleia que acompanhava a embarcação abocanhou Santo Antônio, mas ao tentar engolir a imagem, sua goela se estreitou. Quanto mais a baleia tentava engolir a imagem, mais se engasgava. Quanto mais se engasgava, mais a goela ficava estreita.

Santo Antônio desapareceu e a baleia, até hoje, só se alimenta de peixes miúdos, como sardinhas.

Segundo a lenda, Nosso Senhor Jesus Cristo castigou a baleia, torcendo o seu rabo e deixando a barbatana virada para baixo, batendo água de baixo para cima e não da direita para a esquerda, como nadam todos os viventes da água. O castigo fez com que a baleia nadasse mais devagar e se tornasse o único peixe que tem a barbatana virada para baixo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de março de 2024

EVOCANDO O “FEBEAPÁ” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

EVOCANDO O “FEBEAPÁ”

Violante Pimenel

Não me canso de relembrar o Escritor Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta, com o seu FEBEAPÁ – Festival de Besteira que Assola o País, (1ª edição – dezembro de 1966 e FEBEAPÁ 2, dezembro de 1967).

O besteirol tem aumentado muito nos dias atuais. Há muito mais besteiras hoje, do que na época de Stanislaw Ponte Preta.

 

Nunca ri tanto, como com esse episódio da Baleia Jubarte X Bolsonaro. Tenho certeza de que se essa baleia pudesse falar, ela absolveria o Ex- Presidente de todos os pecados a ele atribuídos por causa dela. Ela se sentiria vaidosa de ser alvo de tão importante polêmica, envolvendo o Ex-Presidente Bolsonaro, admirador das belezas naturais do Brasil e um motonauta admirável.

O ex-presidente da República Jair Bolsonaro prestou depoimento, na tarde desta terça-feira (27), na Polícia Federal, em São Paulo, sobre um caso de suposta importunação de animal marinho, ocorrido em junho de 2023, em São Sebastião, no litoral paulista.

Na época, vídeos publicados nas redes sociais mostraram que, de jet ski, com o motor ligado, Bolsonaro se aproximou de uma baleia jubarte no momento em que ela aparecia na superfície da água. O ex-presidente chegou a ficar a menos de 15 metros de distância do animal. Uma portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no entanto, proíbe embarcações com motor ligado a menos de 100 metros de qualquer baleia. No local, não há nenhuma sinalização, cartaz ou bandeira, que alerte os motonautas, para a distância que existe entre eles e o habitat” das baleias “jumarte”.

O advogado de Bolsonaro, Daniel Tesser, que acompanhou o depoimento, disse que o ex-presidente se reconheceu nos vídeos, mas declarou que não houve importunação do animal. “Você não consegue controlar um animal daquele tamanho que surge, ele emerge da água, de baixo. Foi exatamente o que aconteceu. O presidente tomou todas as precauções a partir do momento em que avistou a baleia, sem saber a que distância se encontrava dela.

O Ministério Público Federal abriu o processo de investigação em novembro do ano passado. A apuração vai definir se Bolsonaro desrespeitou a lei que proíbe “qualquer forma de molestamento intencional”, ou a importunação de baleias. A punição prevista é de dois a cinco anos de reclusão e multa.

Mais um caso hilário, digno de integrar o Festival de Besteira que Assola o País, se vivo fosse Sérgio Porto, o insubstituível Stanislau Ponte Preta.

No hemisfério sul, o principal alimento das baleias jubarte (Megaptera novaeangliae), da subordem Mysticeti, é o krill – um pequeno crustáceo semelhante ao camarão.

Enquanto isso, no hemisfério norte, as jubartes se alimentam de cardumes de peixes, como anchovas, bacalhau, lança-areia e capelim, de acordo com o site do Serviço Nacional de Pesca Marinha dos Estados Unidos.

O Ex-Presidente tem uma alma nobre. Ao invés de estar curtindo os finais de semana atracado com uma garrafa de cachaça, se presta a exercitar sua habilidade de motonauta, no seu Jet Ski, filmando com o seu celular as belezas naturais litorâneas. Não é um homem comum e sim um predestinado, a começar pelo seu nome de Batismo.

Relembrando o FEBEAPÁ (Festival de Besteira que Assola o País, de Stanislau Ponte Preta, pseudônimo do saudoso Sérgio Porto- 1ª Edição – 1966 – Febeapá 2 – 1967 – EDITORA SABIÁ), vemos que as besteiras de hoje superam as besteiras de antigamente.

Há pessoas especialistas em criar e falar besteiras, principalmente o novo Governo e parlamentares.

Obs. Uma grande besteira que assola o País: No discurso de hoje, o Presidente disse que “a Companhia Vale pertence ao Brasil e o Brasil é quem manda nela.” Esqueceu que a Vale foi privatizada em 1997. Há exatamente 26 anos, num leilão realizado em 6 de maio de 1997, o governo brasileiro vendeu a maior parte de suas ações da até então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). O negócio envolveu, na época, cerca de R$ 3,3 bilhões.

Mudando o rumo desta prosa:

Certo dia, correu o boato de que estavam conspirando contra o Estado Democrático de Direito, com a intenção de dar um golpe. A conspiração acontecia no domicílio de um Coronel.

Uma situação dessa quando vasa, vai um carro verificar a denúncia, para lavrar um flagrante. O carro, então, é uma viatura policial.

Pois bem. Espalhou-se a notícia de que uma conspiração de golpe estava sendo tramada no domicílio de um Coronel. Logo uma viatura se deslocou para dar uma incerta no endereço do tal Coronel, conforme informação colhida.

O caso ficou de boca em boca, com conotação de mistério. O suspense era grande.

E foi preparado o flagrante, para apanhar os conspiradores em ação. O que interessava aos agentes policiais era dar o flagrante e prender os conspiradores todos de uma vez. Essa notícia iria ser manchete de jornal.

A conspiração (ou reuniões), segundo a denúncia, começava por volta das 10 horas da noite e terminava de madrugada.

Várias pessoas de aparência suspeita entravam no edifício e lá ficavam, fazendo o silêncio mais constrangedor que se podia imaginar. As luzes permaneciam acesas, e quem estava de fora pressentia que o apartamento estava cheio de gente, mas os sons discretos que vinham de dentro não coincidiam com esses detalhes. Eram palavras quase murmuradas.

A viatura policial chegou de mansinho, encostou na outra esquina, para não ser identificada, e os componentes da patrulha desceram para cercar o domicílio. Foi tudo muito fácil, pois os conspiradores nem sequer tinham tomado providências contra um possível flagrante. O militar que chefiava a turma subiu ao andar onde o Coronel tinha domicílio certo, e protegido pela sua metralhadora, bateu na porta devagarinho, para que não desconfiassem. Abriram a porta e lá dentro estavam vários casais jogando biriba.

Nunca houve coisa mais ridícula do que este flagrante. E nunca houve atitude mais abominável do que este fiasco de flagrante, querendo encontrar cabelo em ovo, e maldade onde não existe.

Como também, nunca houve coisa mais forjada e ridícula, do que a tal minuta de golpe, escrita para prejudicar o Ex-Presidente. Mais uma perseguição e mais uma besteira, para “enriquecer” o “FEBEAPÁ” (FESTIVAL DE BESTEIRA QUE ASSOLA O PAÍS.

Voltando à Baleia:

A Baleia sempre foi o mais veloz e comilão animal do mar. Comia tudo o que via em sua frente. Nadava mais do que todos os outros peixes.

Diz a lenda que, certo dia, uma moça devota de Santo Antônio ia rezando com uma imagem desse santo casamenteiro, pedindo que o navio entrasse logo na barra. De repente, a imagem caiu no mar. A Baleia abocanhou Santo Antônio, mas ficou engasgada. Quanto mais se engasgava, mais a goela ficava estreita.

Santo Antônio desapareceu e a Baleia ficou, até hoje, só engolindo sardinhas e peixes miudinhos.

Também diz a lenda, que Nosso Senhor Jesus Cristo, como castigo, torceu o rabo da Baleia. Por isso, ela nada mais devagar e é o único peixe que tem a barbatana do rabo virada para baixo, batendo água de baixo para cima, e não da direita para a esquerda, como todos os viventes da água.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 28 de fevereiro de 2024

O CIMENTO (CONTO DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

 

 

Ao entrar na casa dos “enta” (quarenta, cinquenta…), Marina já não pensava em príncipe. Queria mesmo era um homem para ser seu marido e companheiro. Um homem para chamar de seu. Vivia bem, financeiramente, e não pensava em acumular riqueza. Seria até capaz de dar casa, comida e roupa lavada, e ainda uma boa mesada, ao marido. Mas ele teria que ser amante e companheiro fiel, e o principal: Não podia ser cachaceiro!!!

Muito católica, a única bebida que Marina não censurava quando via era o Vinho do Padre, durante a Santa Missa.

Pois bem: Apareceu essa proposta de casamento para Marina e, por influência dos amigos, foi aceita, depois de muita insistência.

O pretendente tinha enviuvado recentemente, e os filhos já estavam casados. Funcionário público estadual, o homem ganhava bem, tinha uma excelente casa numa cidade do interior e as informações a seu respeito eram as melhores possíveis. Era o marido ideal para Marina. Logo houve a apresentação dos dois “pombinhos” pelo casal de amigos, e foi “amor à primeira vista”. A carência afetiva em que Marina vivia mergulhada somou-se à recente solidão apavorante do viúvo, que procurou se fazer amado pela celibatária. Surgiu, assim, um casal “apaixonado”, por pura conveniência.

O casamento de Marina e Solano ocorreu em cerimônia simples, na terra da noiva, Nova-Cruz (RN), com a presença de familiares e dos amigos que os aproximaram.

O viúvo fez questão de continuar na mesma cidade e na mesma casa, onde residiu com a falecida esposa e os filhos.

Marina tinha estampada no rosto a imagem da felicidade. O marido vivia bem financeiramente, era católico praticante, e fora casado durante trinta anos, tendo fama de excelente chefe de família.

Num dia de domingo, um mês depois de haver casado com Marina, Solano avisou que iria fiscalizar a feira municipal de um lugarejo vizinho, e passou o dia fora. Só chegou à meia-noite, completamente embriagado. Marina se descontrolou e deu um escândalo com ele, chamando a atenção dos vizinhos. Gritou para ele que aquela seria a primeira e a última vez que ele saía para beber. Disse que não sabia que ele tinha esse vício miserável, e que casou enganada. E que ele teve a sorte de se casar com uma moça virgem!

Solano adormeceu em berço esplêndido, e as palavras agressivas da mulher entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Esse domingo, portanto, foi perdido para Marina. E foi também a primeira das várias decepções que viriam pela frente.

No dia seguinte, pela manhã, Marina soube por um companheiro de farra de Solano, que os dois tinham ido a uma vaquejada, um dos divertimentos preferidos dos homens daquela região.

Essa história de “fiscalização da feira” era conversa “pra boi dormir”! Pura mentira!

Marina “enlouqueceu” de raiva, e entrou no quarto onde o marido ainda dormia, aos gritos:

– Seu safado, você me enganou! Disse que ia fiscalizar uma feira , e foi farrear numa vaquejada. Chegou à meia-noite, e completamente bêbado! Você está pensando que eu sou o que? Você casou comigo, e eu era uma moça! Eu era virgem! Eu vou embora desta casa!!!

Solano despertou, com cana dormida, e pegou brabo, dizendo impropérios com a mulher:

– Quer ir embora? Pode ir!!! Mas não é mais moça!!! Não tem problema não! Vou dar um jeito nisso!

E chamou a empregada, aos gritos:

– Maria, traz aí um pacote de cimento que está na despensa! Vou, agora mesmo, tampar essa mulher com cimento e devolver a virgindade dela!!!

Ouvindo isso, Marina saiu do quarto.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de fevereiro de 2024

AS PRAGAS (CRÔNICA DE COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

AS PRAGAS

Violante Pimentel

 

A primeira praga que eu ouvi falar na minha vida foi “a praga do mau vizinho”. Era um jargão que um mendigo usava para agradecer a esmola que alguém lhe dava. “Deus te livre da praga do mau vizinho”! Eu era adolescente e logo conheci de perto o mau vizinho. Entendi que um mau vizinho é uma verdadeira praga, e só nos faz mal.

Vi minha mãe chorar, ao ver sua gata angorá morrer, sem nenhum pelo, em consequência de uma panela de água fervendo que lhe foi jogada por sua má vizinha, Dona Geni, para enxotá-la do seu quintal.

Vi meu irmão chorar, ao ver seus dois cachorros mortos por envenenamento, consequência de “bolas” que lhes foram jogadas por um mau vizinho. Casos verdadeiros, testemunhados por serviçais.

Como diz o ditado, “matos tem olhos, paredes tem ouvidos.” Há sempre uma testemunha ocular que o acaso coloca na “cena do crime”, para desmascarar o mentiroso. Mas a principal testemunha que existe é Deus. Se o homem não punir, Deus punirá. A Justiça de Deus tarda, mas não falha.

As dez pragas do Egito estão registradas na Bíblia, no livro do Êxodo, no Antigo Testamento (Êxodo 7—12).

Sem dúvida, esse foi um dos acontecimentos mais emblemáticos da história bíblica de Israel. Foi depois de sair do Egito, que o povo de Israel se consolidou como nação em Canaã, após peregrinar por algumas décadas pelo deserto.

Segundo os estudiosos, as dez pragas do Egito foram os castigos que Deus enviou contra a nação que estava oprimindo o seu povo escolhido. Foi após o Senhor ter enviado as 10 pragas através do ministério de seu servo Moisés, que os egípcios libertaram os israelitas.

De acordo com o texto bíblico, a primeira praga consistiu na transformação das águas do Nilo em sangue.

A segunda praga foi a invasão de rãs em todo o Egito.

A terceira praga trouxe ao Egito uma infestação de piolhos; a quarta praga trouxe a invasão de moscas; a quinta praga trouxe doenças e mortes a todos os rebanhos do Egito.

A sétima praga foi uma chuva de pedras, que destruiu as plantações do Egito; a oitava praga, foi a invasão de um enxame de gafanhotos, que infestou as terras egípcias.

A nona praga trouxe uma escuridão, que durou três dias; e na décima praga do Egito, a cólera divina fez morrer todos os primogênitos dos homens e dos animais.

Com tudo isso, fica claro que o significado das dez pragas do Egito apontou para a soberania de Deus sobre todas as coisas. As pragas caíram sobre o Egito, para que todos soubessem que o Deus de Israel é o Senhor, e para que seu nome fosse glorificado em toda a terra.

No Brasil, tem havido várias pragas, comparáveis às pragas do Egito. Como exemplo, o Covid-19, ou Corona-vírus, onde o índice de óbitos foi pavoroso.

Houve derramamento de dinheiro público nas mãos dos corruptos, com verbas desviadas da compra de oxigênio, crime para o qual até hoje não houve punição. Enquanto isso, milhares de pessoas morriam pela falta de oxigênio e leitos hospitalares.

Neste ano de 2024, nova praga assolou o País, através da proliferação do mosquito da dengue, adoecendo pessoas (50.000) e já alcançando 131 óbitos até o momento, o que não tem termos de comparação com a pandemia do Covid-19.

Mas, o fato é que, agora, a dengue entrou em cena com gosto de gás. As verbas públicas estão fazendo o verdadeiro carnaval do Ministério competente. A Vacina Qdenga já está sendo aplicada em crianças, sem que se saiba quais serão os efeitos colaterais que ela provocará.

Essas terríveis pragas parecem uma maldição de fundo bíblico, lançada sobre o Brasil, que já foi considerado o “País do Futuro”. Há também as pragas que vestem paletó e gravata ou togas pretas. Destroem toda a economia do País, não poupando dinheiro para turismos internacionais.

O nosso País está contaminado de maus políticos, corrupção, degeneração dos costumes e desrespeito, sementes que, plantadas, resultam numa péssima colheita.

Comparando as dez pragas do Egito com o que tem acontecido no Brasil, fora o sangue que manchou o rio Nilo, há muitas coincidências.

Atualmente, a dengue chegou novamente ao Brasil, de vento em popa. A poluição hídrica continua cada vez pior, e até hoje, o Órgão competente não respondeu quem tingiu de óleo as praias do Nordeste brasileiro.

Junto com a epidemia de dengue, vão as verbas milionárias, para abastecer as eleições municipais. A dinheirama está por trás de toda epidemia de dengue, e as vacinas são uma fonte de renda.

Para os egípcios, Deus mandou uma chuva de granizo que devastou seus campos. Para o Brasil, alguém soprou um fogo enorme no pantanal, queimando quatro milhões de hectares de terra.

Para os egípcios, Deus mandou uma chuva de granizo que devastou seus campos. Para o Brasil, a praga soprou um fogo enorme no pantanal, recaindo a culpa em quem não teve nada a ver com isso.

Aliás, entre uma praga de gafanhotos e uma praga de políticos corruptos, o que seria pior? A corrupção apodrece os políticos e faz o homem desacreditar no seu semelhante.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 19 de fevereiro de 2024

DISQUE AMIZADE
 
Antes da era cibernética, a comunicação que servia de elo entre as pessoas distantes era a telefonia fixa.

A prestação do serviço telefônico, “145 – Disque-Amizade”, foi inaugurado em 1984.

Discávamos 145 e logo uma ou várias vozes atendiam ao telefone, estabelecendo-se uma conversa simpática, de pessoas geralmente solitárias, a fim de fazer amizades. Pela voz e pela qualidade da conversa, selecionávamos quem se mostrasse mais interessante, e os contatos eram constantes, com hora marcada para a conversa telefônica. Daí surgiam boas amizades, namoros e até casamentos. Havia também muita decepção, pois algumas pessoas trocavam os números dos seus telefones, e continuavam, na conversa reservada, mentindo da mesma forma. 

Na conversa coletiva, os participantes costumavam usar pseudônimos, pois ali, inicialmente, todos eram desconhecidos. A “brincadeira” era divertida, e servia de lenitivo às pessoas solitárias, desiludidas, e esperançosas de encontrar ou reencontrar um amor.

Muitas viúvas solitárias, mulheres divorciadas ou separadas, atravessando fases de depressão, ligavam o 145 e tinham a sorte de encontrar alguma pessoa boa para conversar. Dessas conversas, às vezes, surgiam amizades sinceras, que com o tempo se solidificavam.

Os homens, cuja natureza é de caçador, estavam sempre à procura de novas caças.

Emanuel, um rapaz de 28 anos, bonito, bem empregado e bem-nascido, através do “145” se apaixonou pela voz de Nina, uma jovem que dizia ter 23 anos, era muito rica, e cujo pai era um verdadeiro carrasco. Trocaram os números dos respectivos telefones e passaram a conversar diariamente. Com o tempo, os dois estavam apaixonados e Nina lhe sugeriu um encontro, para que se conhecessem pessoalmente. Combinou, então, para se encontrar com ele na Av. Hermes da Fonseca, perto do Quartel do Exército. No dia e horário marcados, o rapaz chegou ao local combinado, vestindo a roupa também combinada. Esperou das 15 às 18 horas pela moça, que não apareceu.

Emanuel voltou para casa decepcionado e jurou que nunca mais entraria no “disque-amizade”. No dia seguinte, logo cedo, Nina lhe telefonou se desculpando, e jogando a culpa no pai por ter faltado ao encontro. Para compensar, convidou o rapaz para um encontro em Olinda (PE) no fim de semana vindouro, pois lá ela contaria com a cumplicidade de uma tia. Viajariam separados, mas ficariam no mesmo hotel, cujo nome ela sugeriu. Muito apaixonado, e curioso para conhecer pessoalmente a musa que povoava os seus sonhos, Emanuel aceitou o pedido de desculpa e também o convite para que os dois fossem se encontrar em Olinda. Reservou o hotel e aguardou, com ansiedade, o fim de semana. Nessas alturas, suas duas irmãs já estavam sabendo que ele estava apaixonado, e torciam para que o encontro desse certo.

A sexta-feira chegou, e Emanuel viajou no seu Fusca para Olinda, ansioso pelo grande encontro. Não se cansava de imaginar como seria o rosto e o corpo de Nina. Apaixonadíssimo, apostava no destino, e tinha certeza de que estava indo ao encontro da “mulher da sua vida”.

Chegando ao Hotel Santo Amaro, onde fizera reserva para um casal, Emanuel instalou-se no apartamento. Tomou banho, vestiu uma roupa da melhor qualidade, e ficou aguardando Nina, que, pelo combinado, deveria ter chegado pela manhã à casa da tia.

Anoiteceu, chegou a madrugada, e raiou um novo dia. Nina não chegou nem mandou notícia. Terminou o fim de semana e no domingo à tarde, Emanuel retornou a Natal, arrasado. Adeus às ilusões. Outra decepção, que, dessa vez, pôs fim, definitivamente, ao seu sonho de amor. Nina não passava de uma tratante, e estava zombando dos seus sentimentos. Nunca mais entraria no “disque-amizade”, nem queria mais ouvir a voz de Nina.

Com a decepção estampada no rosto, Emanuel entrou em casa cabisbaixo, e contou às irmãs o “bolo” que, mais uma vez, havia levado de Nina. As duas moças ficaram revoltadas e decidiram descobrir quem seria essa tal moça.

Nessa época, os Catálogos Telefônicos anuais traziam o número do telefone, o nome e o endereço do usuário. Com a paciência de Jó, as duas moças, tendo em mãos o número do telefone da suposta Nina, conseguiram descobrir o nome e o endereço do dono do telefone. Uma delas discou o tal número, o dono atendeu e se identificou. Ela também se identificou e pediu para lhe falar pessoalmente sobre um assunto muito desagradável. Gentilmente, o homem a recebeu no seu local de trabalho, uma conhecida rádio de Natal. Tratava-se de um comentarista esportivo muito atuante nesta capital.

Mara contou-lhe, então, o envolvimento do seu irmão Emanuel com uma jovem chamada Nina, que usava o telefone dele. Disse que o irmão tinha sofrido uma grande decepção com a jovem, que, aliás, ele só conhecia pelo “disque-amizade”. Ela tinha combinado um encontro com ele em Olinda (PE) no último fim de semana, induzindo-o a fazer reserva em hotel, e lá não apareceu nem lhe deu satisfação. Falou também que, antes disso, a jovem havia pedido para se encontrar com seu irmão, nas imediações do Quartel do Exército, indicando o local certo onde ele deveria ficar. Depois de esperar três horas pela moça, o irmão teria retornado à sua casa, disposto a não querer mais conversa com ela. Entretanto, no dia seguinte, a jovem lhe ligou, pedindo desculpa e atribuindo a impossibilidade de ir ao encontro ao pai, que era um carrasco. Então, ela sugeriu a ideia dos dois irem se encontrar em Olinda.

Para surpresa da irmã de Emanuel, o homem falou que morava com a mãe, dona Matilde, uma senhora de oitenta e seis anos, que sofria de obesidade mórbida, e passava o dia todo em casa, somente com uma empregada doméstica. Disse também que Dona Matilde era viciada no “disque-amizade”, coisa que ele não podia proibir, pois era o seu maior divertimento.

Pois bem: A jovem Nina, de voz bonita e sensual, por quem Emanuel se apaixonou perdidamente, na realidade, era Dona Matilde, de oitenta e seis anos, e que sofria de obesidade mórbida. A mulher entrava diariamente no “disque-amizade”, e usava a cada dia um pseudônimo diferente. Fazia uma voz estudada, e facilmente se fazia passar por uma mocinha. Nessa brincadeira, arranjava “namorados”, que sempre se apaixonavam pela sua voz.

Convém salientar que, no dia combinado para o primeiro encontro, da janela do seu apartamento, Dona Matilde reconheceu Emanuel e deu ótimas gargalhadas, ao vê-lo olhar constantemente para o relógio. As características que o rapaz lhe havia dado do seu tipo físico, e a cor da roupa com a qual disse que iria vestido, não davam margem a equívoco. Emanuel foi mais um dos apaixonados por Nina, Tereza, Fátima, Sílvia, ou outros pseudônimos usados por Dona Matilde.

Com o advento da internet, o “disque-amizade” caiu no desuso, perdendo a utilidade. Continua, apenas, na nossa memória, como uma lembrança boa, de um tempo em que ainda não existia a violência exacerbada de hoje. É coisa do passado.

Os homens, cuja natureza é de caçador, estavam sempre à procura de uma nova caça. As mulheres, de um modo geral, alimentavam a esperança de que naquela linha telefônica estaria traçado o seu destino. Acreditavam que a felicidade estava a caminho, e elas iriam encontrar um amor, ou um novo amor, para substituir o que haviam perdido.

Atualmente, o 145 perdeu a utilidade; e hoje o “Disk Amizade” é só uma lembrança em algum blog, na seção de antiguidades.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 16 de fevereiro de 2024

A PREVISÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A PREVISÃO

Violante Pimentel

 

José Romeiro, um comerciante de Natal, gostava muito de música e era um pesquisador nato da música antiga, especialmente da “modinha”. Também sabia dedilhar um violão, e gostava de se acompanhar cantando. Indiscutivelmente, tinha cultura musical e fazia questão de dizer. Não esperava elogios. Ele mesmo elogiava a si próprio, pois gostava de propagar as suas boas qualidades. Chegou a publicar uma coletânea de modinhas, focalizando antigos compositores do cenário musical brasileiro. Não tinha formação acadêmica, mas era metido a sabichão.

Desprovido de qualquer modéstia, dizia, abertamente, que se considerava o homem mais inteligente de Natal. Mesmo sendo um homem íntegro, essa sua vaidade o tornava extremamente antipático aos olhos das pessoas ligadas à intelectualidade da cidade. Isso também incomodava os seus próprios amigos.

Estavam se aproximando as festas de Natal e Ano Novo. Findava a década de 60 e iria começar a década de 70. As pessoas crédulas aguardavam, com ansiedade, as previsões dos videntes, sobre os acontecimentos que atingiriam a vida da cidade e do país, no novo ano.

Uma conhecida vidente de Natal, “Mãe Jacinta”, que morava no bairro das Rocas, fez suas previsões para o novo ano, e o principal jornal da cidade publicou a sua entrevista. Entre as previsões estava escrito que, logo no primeiro semestre, morreria em Natal um grande vulto, a maior cultura do Rio Grande do Norte, uma das figuras mais ilustres da cidade. A notícia publicada no jornal se espalhou. A repercussão foi grande, e virou assunto principal em todos os lugares da cidade, inclusive nas mesas de bar. A vidente deixou claro que o óbito do grande homem ocorreria em Natal mesmo.

Não deu outra coisa…José Romeiro tomou para si a previsão de “Mãe Jacinta”, e entrou em pânico. Antes que se cumprisse o agouro, preparou as malas e viajou, imediatamente, com a família, para o Rio de Janeiro. Só voltou a Natal no final do ano de 1970.

São e salvo!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 09 de fevereiro de 2024

PALHAÇOS E REIS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

PALHAÇOS E REIS

Violante Pimentel

Na confusão de gestos e risos sardônicos, eis que o povo brasileiro sofre mais uma vez, com uma nuvem cinzenta de gafanhotos negros, chegando para perturbar a alegria do povo, às vésperas do Carnaval, festa de ricos e pobres, cada um ao seu modo.

Quem pode, se empanturra de lagosta e caviar e bebidas caras, às custas do dinheiro público. Quem não pode, se diverte na base da linguiça e da cachaça, com pandeiro ou sem pandeiro.

A “terceira guerra mundial”, representada pelo Covid 19, em 2020, pegou o povo de surpresa, podendo ser considerada mais uma praga, não do Egito, mas da China, com a proliferação de um vírus feito em laboratório, que dizimou milhares de pessoas em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Agora em 2024, às portas do Carnaval, mais uma praga do Egito estourou, sendo acompanhada pelo mosquito da dengue, e do vírus fabricado pelo solar dos urubus, onde se fabrica a destruição moral de cidadãos de bem e de suas famílias.

O brasileiro assiste ao prepotente desfile de palhaços e reis, que se julgam acima de Deus, mas que, na verdade, são guiados por Lúcifer, o espírito do mal. Esses urubus togados merecem fazer um retiro espiritual no carnaval que se aproxima, para pedir perdão a Deus por tanto mal que tem praticado contra o povo brasileiro.

De repente, a gangorra política voltou a todo vapor. De um lado, Jesus, do outro, Lúcifer.

É Portela 74

Mais uma vez, estamos às portas do Carnaval. O povo anseia pelo tríduo de Momo, para, sem lenço nem documento, descansar da rotina do trabalho e recuperar as energias.

O Carnaval é um período de festas populares realizadas durante o dia e à noite. As comemorações ocorrem todos os anos, nos meses de fevereiro ou março, começando no sábado e estendendo-se até a Terça-feira de Carnaval.

As celebrações carnavalescas terminam na Quarta-feira de Cinzas, dia que marca o início da Quaresma – período de 40 dias que segue até a Sexta-feira Santa, dois dias antes da Páscoa.

As festas de Carnaval são adaptadas de acordo com a história e a cultura local. Em geral, as pessoas dançam, comem e bebem alegremente em festas, bailes de máscaras e bailes de fantasias.

Marchinha de carnaval é um gênero de música popular que foi predominante no Carnaval Brasileiro dos anos 20 aos anos 60 do século XX, altura em que começou a ser substituída pelo samba enredo.

Carmen Miranda foi a cantora mais popular de marchinhas de carnaval.

A primeira marcha foi a composição de 1899 de Chiquinha Gonzaga, intitulada Ó Abre Alas, feita para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro.

A marcha foi um estilo musical importado para o Brasil, que descende diretamente das marchas populares portuguesas, partilhando com elas o compasso binário das marchas militares, embora mais acelerado, melodias simples e vivas, e letras picantes, cheias de duplo sentido. Marchas portuguesas faziam grande sucesso no Brasil até 1920, destacando-se Vassourinha, em 1912.

 

 

Oh! Dona Antonha

Oh! Dona Antonha, oh! Dona Antonha
Tu tá ficando mas é muito sem vergonha!
Oh! Dona Antonha, oh! Dona Antonha
Tu tá ficando mas é muito sem vergonha!
A dona Antonha tem três filhas bonitinhas
Uma é Miloca, outra é Dondoca, outra é Chiquinha
São três querubim, feitas só pra mim
E nesta trinca eu vou brincar o carnaval!
Levo a dona Antonha, porque é sem vergonha
Ela está velha, mas é boa, não faz mal! Agora!

Eu fiz um bloco pra brincar com a macacada
As três meninas vão sair fantasiada
Uma de dançarina, outra de colombina
Sai a Chiquinha de Maria Antonieta!
Mas a dona Antonha, que é muito sem vergonha,
Sai de baliza, vestida de borboleta! Enfeza!

Inicialmente calmas e bucólicas, a partir da segunda década do século XX as marchas passaram a ter seu andamento acelerado, devido a influência da música comercial norte-americana da era jazz-bands, tendo como exemplo as marchinhas Eu vi e Zizinha, de 1926, ambas do pianista e compositor José Francisco de Freitas, o Freitinhas.

A marchinha destinada expressamente ao carnaval brasileiro passou a ser produzida com regularidade no Rio de Janeiro, a partir de composições de 1920 como Pois não de Eduardo Souto e João da Praia, Ai amor de Freire Júnior e Ó pé de anjo de Sinhô, e atingiu o apogeu com intérpretes como Carmen Miranda, Emilinha Borba, Almirante, Mário Reis, Dalva de Oliveira, Sílvio Caldas, Jorge Veiga e Blecaute, que interpretavam, ao longo dos meados do século XX, as composições de João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, Noel Rosa, Ary Barroso, Noel Rosa e Lamartine Babo.

O último grande compositor de marchinha foi João Roberto Kelly.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 02 de fevereiro de 2024

A CONFUSÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A CONFUSÃO

Violante Pimentel

Anos atrás, na Igreja Matriz de uma capital nordestina, o padre começou a celebrar a Missa das 7 horas da noite do domingo, falando mal da politicalha que assolava o País. Isso desagradou aos presentes, na sua maioria petistas. E seu vozeirão ecoou aos quatro cantos do templo:

– Irmãos, estamos hoje aqui, reunidos para falar dos “Fariseus”, esse povo mentiroso e corrupto, que está acabando com a economia do nosso País!

– Virgem Maria!!! Foi o murmúrio generalizado que ecoou na Igreja.

 

 

Os petistas saíram xingando o padre, e houve bate-boca na porta da Igreja. O prefeito, indignado, foi falar com o padre na Sacristia, ameaçando-o de requerer ao Bispo a sua remoção daquela Diocese, se ele continuasse a falar mal dos políticos, na hora do Sermão.

– Padre, pega leve! Os petistas são sindicalistas e funcionários públicos que ganham bem. Gastam na lojas, e, nos restaurantes e colaboram com a coleta da Igreja. Não agrida os políticos! Isto é uma ordem! Não ponha a Prefeitura em situação difícil!

Durante toda a semana, na cidade não se falou de outra coisa, senão do padre e do Sermão do domingo. Aquele zum-zum-zum todo deixou as pessoas curiosas, para saber como seria o sermão do domingo seguinte.

É bem verdade, que uma parte da cidade estava até satisfeita, pois, muitos moradores não morriam de amores pelos petistas.

Finalmente, chega o novo domingo, o prefeito vai à sacristia e recomenda:

– Padre, o senhor lembra da nossa conversa? Por favor, não arrume nenhuma encrenca hoje, certo?

Começa a missa e o padre chega ao sermão:

– Irmãos, estamos aqui reunidos hoje, para falar de uma pessoa da Bíblia: “Maria Madalena”. Aquela mulher, a prostituta que tentou seduzir Jesus, como essas ativistas desgraçadas, do sovaco cabeludo e mal cheirosas, vagabundas, mentirosas, corruptas e ladras que estão aqui.

O Padre mal acabou de falar, não deu outra!!! Pancadaria na igreja, atendimentos no Pronto-socorro da cidade, e o prefeito, novamente, foi ao encontro do padre:

– Padre, pelo amor de Deus! O senhor não me disse que ia pegar leve? Olha, eu também não morro de amores por esses petistas, eles são complicados, tem uns probleminhas, são ignorantes, prepotentes, não tem nenhuma ética etc, mas se o senhor não parar com isso, vou ter que pedir ao Bispo a sua retirada da paróquia.

Naquela semana, o zum-zum-zum foi maior ainda. O papo era só o sermão e ninguém perderia a missa do próximo domingo, nem por decreto! Na noite do domingo, a Igreja parecia final de Campeonato Brasileiro : Muita gente em pé, pois faltou lugar para sentar.

Antes da Missa, o prefeito entrou na sacristia, acompanhado pela polícia e, mais uma vez, advertiu o Padre:

– Padre, pegue leve, senão o senhor vai preso!

A igreja estava lotada. Todos querendo ver “o circo pegar fogo”. Quase não se conseguia respirar de tanta gente. Pessoas que há anos não pisavam na igreja, no domingo estavam lá, com terços e santinhos nas mãos, parecendo super devotas.

Quando o padre apareceu, houve uma tensão generalizada, com cochichos espalhados pelos quatro cantos.

Aparentemente calmo, o Padre começou a falar:

– Irmãos, estamos aqui reunidos hoje, para falar do momento mais importante da vida de Cristo: “a Santa Ceia”.

– Jesus, naquele momento disse aos apóstolos:

– Esta noite, um de vocês me trairá!

Então, João perguntou:

– Mestre, serei eu?

E Jesus respondeu:

– Não, João, não será você.

Então Pedro perguntou:

– Mestre, serei eu?

E Jesus respondeu:

– Não, Pedro, não será você.

E então, Judas, aquele desgraçado, vagabundo, mentiroso, corrupto e ladrão, que estava vestindo uma túnica toda vermelha, perguntou:

– Cumpanhêro, é eu?

-Tu o dizes! – Respondeu o Mestre.

E a pancadaria comeu solta … !


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de janeiro de 2024

ADORO QUINDIM (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ADORO QUINDIM

Violante Pimentel

Uma das minhas iguarias preferidas é quindim. Aprendi a gostar com a minha saudosa mãe, dona Lia, que cozinhava muito bem e dava preferência às sobremesas que levassem coco.

O quindim é um doce, à base de açúcar, gemas e coco ralado. É de se comer, “até lamber os beiços.”

Além de gostar de quindim, minha mãe também gostava muito da canção “Os Quindins de Iaiá” (de 1941), que cantarolava, embalando o filho caçula, como se fosse uma canção de ninar.

Sem dúvida, foi dela que herdei a preferência por quindim, que conservo até hoje.

“Os Quindins de Iaiá”, da autoria de Ary Barroso (1903-Ubá-MG / 1964-Rio de Janeiro-RJ), fez muito sucesso na voz do autor, como também na voz de Carmen Miranda, Dorival Caymmi (1914–2008), Dominguinhos e outros excelentes intérpretes.

“Aquarela do Brasil”, também da autoria do grande compositor Ary Barroso, foi a música que consolidou o estilo samba-exaltação, e ajudou a elevar o gênero samba à categoria de símbolo musical nacional.

Filho do advogado João Evangelista Barroso e Angelina de Resende Barroso, Ary Barroso ficou órfão aos 6 anos de idade. Os pais foram vítimas da tuberculose.

Ary Barroso foi criado pela tia avó, a professora de piano Ritinha, que o introduziu na música. Com 12 anos de idade já trabalhava como pianista auxiliar no Cinema Ideal de Ubá (MG), acompanhando os filmes mudos. Com 15 anos, começou a compor.

Com 18 anos, recebeu uma herança do tio Sabino Barroso, ex-ministro da Fazenda, e partiu para estudar Direito no Rio de Janeiro. Morava numa pensão de luxo, frequentava os melhores restaurantes e comprava as melhores roupas.

Quando o dinheiro acabou, passou a tocar piano em cinemas e cabarés, para se sustentar. Acabou gostando da boemia carioca.

Em 1923, passou a tocar na orquestra do maestro Sebastião Cirino, na sala de espera do teatro Carlos Gomes.

Em 1926, iniciou o Curso de Direito, interrompido diversas vezes.

Em 1928, foi contratado pela orquestra do maestro Spina, de São Paulo, para uma temporada de oito meses em Santos e em Poços de Caldas.

Em 1929, Ary voltou para o Rio de Janeiro. De pensão em pensão, foi parar na Rua André Cavalcanti, 50. Gostou das acomodações e da filha da dona da pensão, Ivone Belfort de Arantes. A família não concordava com o casamento de Ivone com o pianista boêmio.

Depois de ganhar um concurso de música carnavalesca com a marchinha “Dá Nela”, Ary pode pagar as despesas, e com o diploma de bacharel em direito, conquistado em 26 de fevereiro de 1930, pode se casar com Ivone. Ainda morando na pensão, nasceram os filhos Flávio Rubens e Mariúzia.

Em 1932, Ary Barroso ingressou na Rádio Philips a convite de Renato Murse. Além de pianista, foi humorista, animador e locutor esportivo.

Em 1933, enfrentou uma grande crise pessoal, quando perdeu a esposa Ivone e a avó no mesmo ano.

Depois da Rádio Philips, Ary foi para a Mayrink Veiga, e de lá, em 1934 foi para a Cosmos, em São Paulo, época em que criou o programa “Hora H”. Exigia que os calouros cantassem apenas músicas brasileiras e que citassem o nome do compositor.

Carmem Miranda foi uma de suas principais intérpretes e também grande amiga, com quem passeava nas ruas do Rio. O sucesso de “Aquarela do Brasil” na voz da cantora, fez com que Ary Barroso se transformasse em compositor e arranjador de filmes de Hollywood.

Ary Barroso notabilizou-se pelas músicas “Aquarela do Brasil, “Na Baixa do Sapateiro”, “Os Quindins de Yaiá” “No Tabuleiro da Baiana” e outras.

Retratou em suas canções, muitos aspectos do cotidiano popular. O samba esteve presente na maior parte de suas músicas, mas também estiveram presentes o xote, o choro, o foxtrote e a marcha.

Foi convidado, em 1936, para ser locutor na Rádio Cruzeiro do Sul. Apesar de já ser um compositor de sucesso, a atividade de locutor e comentarista esportivo se tornaria uma marca registrada de sua carreira.

Seus programas de calouro ficaram famosos e em 1937 inovou com um sino, para eliminar os calouros na Rádio Cruzeiro do Sul, no Rio de Janeiro. Quando foi para a Rádio Tupi, instituiu o gongo.

Ary Barroso, portanto, foi o precursor do gongo, imitado em programas de calouros, na televisão, tipo “A Buzina do Chacrinha” do apresentador José Abelardo Barbosa de Medeiros, mais conhecido como Chacrinha (1917-1988), que muito divertiu os telespectadores brasileiros, com seus jargões engraçados.

 

 

Os quindins de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os quindins de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os quindins de Iaiá
Cumé?

Cumé que faz chorar
Os zóinho de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os zóinho de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os zóinho de Iaiá
Cumé?

Cumé que faz penar
O jeitão de Iaiá
Me dá, me dá
Uma dor
Me dá, me dá
Que não sei
Se é, se é
Se é ou não amor
Só sei que Iaiá tem umas coisas
Que as outras Iaiá não tem
O que é?

Os quindins de Iaiá
Os quindins de Iaiá
Os quindins de Iaiá
Os quindins de Iaiá

Tem tanta coisa de valor
Nesse mundo de Nosso Senhor
Tem a flor da meia-noite
Escondida nos canteiros
Tem música e beleza
Na voz dos boiadeiros
A prata da lua cheia
No leque dos coqueiros
O sorriso das crianças
A toada dos barqueiros
Mas juro por Virgem Maria
Que nada disso pode matar…
O quê?
Os quindins de Iaiá…

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de janeiro de 2024

“A MOÇA DO SONHO” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

“A MOÇA DO SONHO”

Violante Pimentel

Há sonhos estranhos, que nos dão a impressão de termos feito uma viagem ao além, onde nos encontramos com uma pessoa que é a perfeição da beleza, e que nos atrai física e espiritualmente. Quanto mais longo é o sonho, maior o desapontamento (ou alívio), que sentimos quando despertamos.

Os gênios Chico Buarque (letra) e Edu Lobo (música), em parceria, compuseram a belíssima música “A Moça do Sonho”, que nos transporta a um universo de fantasia, em busca da perfeição da pessoa amada.

O encontro desses dois gênios resultou nessa belíssima composição, uma verdadeira obra prima.

O “eu lírico” fala da mulher dos sonhos do poeta, num desejo desesperado de que fosse tudo realidade.

Essa canção foi composta para a peça de teatro Cambaio (2001). O eu lírico ou eu poético é a voz que se expressa em uma poesia. Tal voz manifesta sentimentos, emoções, pensamentos e até opiniões. Portanto, tudo que é dito em uma poesia deve ser atribuído ao eu lírico, e não ao poeta.

Na composição “A Moça do Sonho”, o poeta, em sonho consegue visualizar a mulher que mora na sua imaginação. Mas, não dá para perceber nitidamente seus traços fisionômicos, o que lhe faz se arriscar a perguntar quem é ela. Mas, tomado de emoção, não consegue falar. Sua voz fraqueja.

“Entre escadas que fogem dos pés/ e relógios que rodam pra trás/ se eu pudesse encontrar meu amor/não voltava jamais.”(Diz o poeta)

Soprando o rosto da moça, com tristeza, verificou que ele se desfez em pó e sumiu.

Como numa magia, a moça voltou sussurrando uma canção. Ele resolveu novamente perguntar quem era ela, mas numa luminosidade que não lhe permitia enxergar bem, sentiu que ela fugia novamente, devagarinho.

Procurando evitar a fuga, a segurou. Ele a ouviu gemer, mas não sabia dizer se era por prazer ou dor. O vestido se desfez, desapareceu, mas o poeta não conseguiu vê-la nua.

No seu rosto, não identificou a mulher dos seus devaneios.

E o poeta ficou a imaginar, que seria bem melhor se vivêssemos os sonhos e não a realidade. Porque os sonhos são manifestações dos desejos, vontade daquilo que pretendemos viver. A realidade, muitas vezes, é cruel.

Seria muito bom, se houvesse um lugar, onde os sonhos tivessem a energia do que é verdadeiro.

Nesse lugar, a Moça do Sonhos seria a rainha que fascinaria o poeta todos os dias, com seu sorriso, seu rosto de beleza deslumbrante e seus gemidos de prazer. Lá teria uma cama, onde, quem sabe, a cada noite ele se fizesse presente nos seus sonhos.

Quando os sonhos desaparecem e se findam, o que fazer para revivê-los? Onde encontrá-los? Devia haver uma praça com ofertas, para que pudéssemos localizar aqueles sonhos que se foram, mas que ainda temos esperança de que ressurjam!

Nada evitará que continuemos nessa busca. Mas, se eles forem encontrados, não voltarão jamais a ser como antes.

 

A MOÇA DO SONHO Canção de Chico Buarque (Letra) e Edu Lobo (Música)

 

 

Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó

Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez

Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu

Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar

Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava jamais

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 12 de janeiro de 2024

A HISTÓRIA DO “RI-RI” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A HISTÓRIA DO “RI-RI”

Violante Pimentel

A história do “ri-ri”, zíper, fecho-éclair ou simplesmente “fecho”, começou em 1893 na Exposição Mundial de Chicago, nos EUA, onde este objeto deslizante, usado para fechar e abrir roupas, foi apresentado pela primeira vez. Tratava-se de uma versão primitiva do objeto, com minúsculos ganchos e argolas, desenvolvida pelo engenheiro americano Whitcomb Judson. Cansado de abrir e fechar todos os dias os cordões dos seus sapatos, ele teve a ideia de criar um artefato rudimentar, composto de ganchos e furos. Porém, esse tipo de zíper não era muito eficiente: não fechava com facilidade e se abria em horas impróprias.

A peça utilitária ficou conhecida como fecho-éclair, palavra vinda do francês Éclair, que significa relâmpago, e se refere ao nome da sociedade detentora do registro da marca — a Éclair Prestil SN. Em Portugal e no Brasil adotou-se a expressão “fecho-éclair”. Este nome predomina no Rio, ao contrário de São Paulo onde prevalece “zíper”.

 

 

A primeira participação deste utilitário na indústria do vestuário aconteceu durante a I Guerra Mundial, quando os uniformes dos soldados norte- americanos foram confeccionados com fecho-éclair nas calças.

Na II Guerra, o fecho-éclair foi usado em sacos de dormir, uniformes, malas e sacolas para transportar mortos.

O americanoWhitcomb L. Judson, em 1891, inventou o primeiro protótipo de fecho com ‘dentadura incluída’. O sueco Gideon Sundback pegou a idéia em 1913, e desenvolveu.

O fecho-éclair tem dentes plásticos ou metálicos, pelos quais corre o cursor, que tem aberturas em forma de um «Y». Pela parte de cima passam os dois trilhos separados, lado a lado, e dentro do cursor os dentes dos trilhos se engancham, para saírem por uma saída só, juntos, pelo lado oposto pelo qual entraram.

No Brasil, o maior fabricante desse objeto que ri, ao qual as costureiras do interior nordestino passaram a chamar de “ri-ri”, foi a YKK, (Yoshida Brasileira Indústria e Comércio), com sede no Japão e atuando em 44 países. Os outros fabricantes são: Linhas Correntes e Metalúrgica Ultra.

O fecho-éclair atual é um conjunto, que resulta de equipamentos modernos e matérias-primas mais resistentes e mais variadas, como os metais que compõe seus ganchos, que podem ser dourados, niquelados ou de plástico.

No interior nordestino, antigamente, os fechos de saias e vestidos eram chamados de “ri-ri”. Fecho-eclair e zíper é como eram chamados no Rio de Janeiro e São Paulo. Era um utilitário, usado apenas em confecções femininas. Toda saia ou vestido tinha um “ri-ri”, costurado numa fenda lateral ou nas costas, que variava de 20 a 35 centímetros. Tinha a finalidade de facilitar o vestimento da peça, na passagem pela cabeça. O nome está ligado ao som, provocado pelo seu fechamento ou abertura, quando as duas carreiras de dentinhos de metal deslizam sobre os trilhos que o compõem.

Antigamente, a braguilha (ou barguilha) das calças de homens eram abotoadas, ou seja, fechadas com botões. Somente com a moda de calças Jeans (Faroeste, Lee etc), feitas de tecidos bastante pesados, os botões foram substituídos pelo “ri-ri”, chamado agora, oficialmente de fecho-eclair ou zíper.

Enquanto as calças e bermudas com braguilha (ou barguilha) abotoadas nunca causaram danos físicos ao homem, o zíper lhe tem causado muitos “acidentes”. Já houve casos do homem ficar preso ao zíper, pela pele do membro sexual, no momento de vestir ou tirar a calça ou bermuda. Em alguns casos, houve até necessidade de socorro médico, e de pequena cirurgia, onde um pouco da pele precisou ser cortada.

Por preconceito, o “ri-ri”, zíper ou fecho-eclair demorou muito a ser aceito pelo homem, em suas calças e bermudas. O homem achava que aquilo era artefato para roupa de mulher. Mas terminou cedendo, uma vez que o modelo abotoado saiu de linha.

Até então, o vestuário, tanto masculino como feminino só usava botões e colchetes.

A calça LEE fez, na década de 5O, a união do zíper com jeans, quando lançou a calça jeans feminina.

Na década de 70, o zíper, finalmente, triunfou no setor do vestuário, entrando em contato com a alta costura.

André Courrèges , estilista francês (1923 – 2016), foi considerado um marco na trajetória desse fecho. Foi ele o primeiro a usá-lo como adorno em suas coleções. Nesse mesmo período, a necessidade de renovação da moda para atender as exigências de um público jovem cada vez mais comprador, fez do zíper o parceiro ideal das roupas, confeccionados em materiais plásticos e de cores vibrantes. Além da moda plástica e geométrica de Pierre Cardin, Rabanne e Mary Quant, este utilitário esteve também a serviço do vestuário dos Hippies e dos Astronautas, e de lá para cá, esteve sempre presente na maioria dos produtos confeccionados, quer no mundo da moda, quer no mundo dos produtos utilitários.

Atualmente, o zíper acompanha a moda. Algumas vezes está fechando, outras vezes está somente adornando os produtos lançados pela moda.

O zíper entrou no mundo da moda em 1935, pelas mãos da estilista Elza Schiaparelli.

Nesse período, o vestuário, tanto masculino como o feminino usava botões e colchetes.

A calça LEE fez, na década de 5O, a união do zíper com jeans, quando lançou a calça jeans feminina.

Na década de 70, o zíper, finalmente, triunfou no setor do vestuário, entrando em contato com a alta costura.

Atualmente, o ri-ri (zíper ou fecho-éclair) acompanha a moda. Algumas vezes está fechando, outras vezes está abrindo, mas sempre adornando os produtos em lançamento.

O “ri-ri” atual (zíper ou fecho-éclair) é um conjunto, que resulta de equipamentos modernos e matérias-primas mais resistentes, variadas e bonitas, com os metais que compõe seus ganchos em cor dourada, niquelados ou de plástico, servindo de bonitos adornos na confecção de roupas.

No interior nordestino, antigamente, os fechos de saias e vestidos eram chamados de “ri-ri”, porque as duas tirinhas com quadradinhos de metal ou plástico, ao se juntarem, lembravam um sorriso. A palavra pegou e o objeto tornou-se conhecido pelas costureiras, com esse nome. Por isso, a palavra “ri-ri” predomina até hoje, entre as pessoas mais antigas, no interior nordestino.

Toda saia ou vestido tinha um “ri-ri”, de lado ou na parte de trás, num comprimento de 20 a 35 centimetros, com a finalidade de facilitar o vestimento da peça, na passagem pela cabeça.

Dona Lia, minha saudosa mãe, costurava muito e muitas vezes eu, ainda menina, ia ao armarinho de Seu Zé Cirilo, em Nova-Cruz (RN), comprar “ri-ri”, retrós, carretel de linha, agulha de máquina e de mão, botões, conforme ela anotava numa folha de papel. O nome “ri-ri” nunca faltava.

A partir da moda de calças Jeans (Faroeste, Lee etc), feitas com tecido bastante pesado, os botões das braguilhas (ou barguilhas) de calças masculinas foram substituídos definitivamente pelos “ri-ris”, que passaram oficialmente a ser chamados de “zíper” ou “fecho-eclair”.

O zíper atual é um conjunto, que resulta de equipamentos modernos e matérias-primas mais resistentes, variadas e bonitas, com os metais que compõe seus ganchos, em cor dourada, niquelados ou de plástico, servindo de bonitos adornos na confecção de roupas.

No interior nordestino, antigamente, os fechos de saias e vestidos eram chamados de “ri-ri”, porque as duas tirinhas com quadradinhos de metal ou plástico, ao se juntarem, lembravam um sorriso. A palavra “ri-ri”, no interior nordestino pegou e o objeto tornou-se conhecido pelas costureiras, com esse nome. A palavra “ri-ri”, portanto, faz sentido. Zíper e fecho-eclair não eram palavras conhecidas no interior nordestino. Eram palavras de capital. Por isso, “ri-ri” predomina até hoje, na linguagem das pessoas antigas.

Toda saia ou vestido tinha um “ri-ri”, de lado ou na parte de trás, num comprimento de 20 a 35 centímetros, com a finalidade de facilitar o vestimento da peça, na passagem pela cabeça.

Tempos depois, as braguilhas (ou barguilhas) de calças e bermudas masculinas, que antes eram fechadas com botões, passaram a ser fechadas com “ri-ri”, a partir da moda de calças Jeans (Faroeste, Lee etc), tecido bastante pesado.

E os botões das braguilhas (ou barguilhas) de calças masculinas foram substituídos definitivamente pelos “ri-ris”, que passaram oficialmente a ser chamados de “zíper” ou “fecho-eclair”, nomes já usados nas capitais.

Entretanto, no interior nordestino, esse invento permanecerá sempre com o nome de “ri-ri”. Quando em Nova-Cruz, alguém se refere a ele como zíper ou fecho-éclair, já se sabe que é gente de fora, com outros hábitos e costumes.

Salve o “RI RI”!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de janeiro de 2024

ANTA ESFOLADA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ANTA ESFOLADA

Violante Pimentel

Nasci e me criei em Nova-Cruz (RN), às margens dos rios Curimataú e Bujari.

Faz parte da história de Nova-Cruz uma suposta lenda, que diz que, séculos atrás, no vale do Curimataú, habitava uma anta de espírito maligno, que assombrava os moradores e boiadeiros que por ali passavam. Com o propósito de retirar seu feitiço, um caçador resolveu prendê-la e esfolá-la viva. Contudo, ao receber o primeiro golpe, a anta deu um pulo, deixando sua pele nas mãos do seu algoz. Embrenhou-se na mata, assumindo a forma de um animal feroz e demoníaco, com dois chifres, tal qual o demônio. A partir desse dia, a anta esfolada passou a aterrorizar os moradores, correndo como um relâmpago, rodeando as casas, fedendo a enxofre e roncando alto.

O primeiro nome de Nova-Cruz foi Urtigal, devido ao matagal de urtigas que cercava o arruado, onde surgiria a futura cidade. Depois, o acontecimento nefasto da anta esfolada fez com que o povo passasse a chamar Urtigal de Anta Esfolada.

 

Numa 6ª feira 13, quando o mês era agosto, do ano 1813, a anta esfolada apareceu em Urtigal (antigo nome de Nova-Cruz-RN), dando pinotes e parecendo estar possuída pelo demônio. Cada testemunha da terrível aparição contava o fato, acrescentando detalhes fantasiosos e apavorantes. Foram muitas as narrativas mirabolantes sobre a anta maldita. As pessoas contavam a história, acrescentando detalhes fantásticos da possessão demoníaca do animal.

O boiadeiro Severino Bento chegou no Urtigal e contou que no caminho, uma anta esfolada e com chifres, se meteu no meio do gado e espantou as reses. Apareceu do nada, correndo e pulando, como se estivesse com o demônio no couro. E assim, provocou o estouro da boiada;

Tonhão contou que foi tomar banho na lagoa, e quando saiu da água viu um bicho parecido com uma anta, se estrebuchando nas cinzas de uma coivara. Bufava e fedia a enxofre. Assombrado, o homem chegou em casa numa carreira só, como se tivesse visto o próprio demônio;

Joaninha contou que estava deitada, quando ouviu um estrondo, que parecia um trovão. Olhando pelas frestas do telhado, viu um fogaréu se espalhando pelo Céu, soltando faíscas para todos os lados. Sentiu-se sufocar com um cheiro forte de enxofre e logo ouviu um tropel se aproximando. Saiu pra ver o que era e viu passar um homem a cavalo, segurando uma pele ensanguentada. O homem tinha dois chifres na testa!

O assunto correu de boca em boca, espalhando o terror.

Mesmo contra a vontade dos proprietários, o povo passou a chamar Urtigal de Anta Esfolada. E o nome pegou.

Em qualquer ambiente, quando alguém se referia ao Urtigal, as pessoas se benziam e acrescentavam que era o lugar onde apareceu a anta esfolada. Indignados com a atitude do povo, que passou a chamar Urtigal de Anta Esfolada, os proprietários se mudaram para a Serra do Pires, que depois passou a ser chamada de Serra de São Bento. Eles consideravam pejorativo o nome de Anta Esfolada, como um fator a mais para declínio de seus empreendimentos. E os proprietários continuaram a chamar a fazenda de Urtigal. Mas o povoado nascente passou a ser chamado definitivamente Anta Esfolada.

E o nome Anta Esfolada permaneceu, até que viessem para lá as primeiras missões de evangelização, dirigidas pelo Frei Serafim de Catânia.

Anos depois, os missionários que chegaram àquele povoado para evangelizar, se chocaram com a origem nefasta do seu nome, Anta Esfolada, e fizeram uma campanha para que aquele nome fosse mudado. Impressionados com a história demoníaca da anta esfolada, fizeram uma campanha para que o nome fosse trocado para NOVA-CRUZ. Para isso, encomendaram uma enorme cruz de madeira e fincaram ao solo, e também uma placa, onde em letras garrafais, estava escrito NOVA-CRUZ – RNUZ – RN. Os frades capuchinhos que lá estavam evangelizando em Missões, celebraram uma Missa no local, a que compareceram todos os moradores do lugarejo.

As Santas Missões em Anta Esfolada, praticamente começaram com a Missa da Meia Noite, na véspera de Natal.

Durante uma semana, todos os dias, ainda de madrugada, Frei Serafim deixava o leito e fazia uma caminhada pelo povoado. Uma multidão já o esperava para a procissão matinal. Um Coroinha tocando uma sineta, animava o povo, cantando o bendito Vinde Pais e Vinde Mães.

Às seis horas da manhã, no local onde seria construída a futura capela, Frei Serafim celebrava a Santa Missa. Era uma palhoça de folhas de sapé em frente do cruzeiro e do palanque. Só às oito horas, o frade tomava o café da manhã. Todas as vezes que os padres deixavam o local das para fazer as refeições na casa de Zeferino, uma pequena multidão os acompanhava.

Durante o dia, na latada, os missionários ouviam as demoradas confissões.

As crianças eram acolhidas por catequistas que levavam o grupo para a areia do rio, para os folguedos próprios da idade e, rezando em voz alta, aprendiam as orações básicas do catecismo.

À tardinha, a multidão comparecia em peso para o grande acontecimento religioso. No palanque, Frei Alberto Cabral, com forte sotaque italiano, ensinava os benditos, especialmente um que se tornou o símbolo das missões dos frades capuchinhos do Nordeste:

“Abençoe esta missão
Virgem Mãe, Nossa Senhora
Dá-nos tua proteção
Oh! Senhora Imaculada!”

Depois, Frei Serafim da Catânia proferia o seu sermão.

Ele tinha o dom de cativar os afastados de Deus, que sentindo o apelo divino, desejavam mudar de vida e, assim, esperavam horas e horas na fila, para se confessar com ele. Os outros padres disponíveis para esse atendimento tinham as filas bem menores. Muitos, mesmo depois de ter se confessado, voltavam à fila de frei Serafim, atraídos pela sua inexplicável e cativante simpatia. E não ficava ninguém sem se confessar.

Muitos afirmavam, que ele perguntava por pecados escondidos e que tinha o poder de adivinhar o que tivesse acontecido na vida de quem estivesse falando.

Assim era a rotina das missões de Frei Serafim de Catânia, em Anta Esfolada.

O último dia das missões foi muito emocionante. Era o dia 31 de dezembro de 1846, o último dia do ano.

Depois do meio dia, o frade mandou chamar o povo para uma confissão comunitária. Sentados em torno dele, todos formavam um grupo todo especial.

O frade se dirigiu ao grupo dizendo que tanto Deus como o Demônio podiam agir no mundo através dos homens. E como um adivinho, começou a falar sobre o que tinha acontecido na vida daquelas pessoas, relatando fatos antigos. Falou da ação do Demônio no episódio da anta esfolada e da ação de Deus, livrando o povo daquela maldição.

Já estava escuro quando os frades acenderam uma grande fogueira junto do cruzeiro. Era a a última noite de missão, a despedida geral. Os índios se aproximaram trazendo dois anciãos. Um deles, Joaquim, pediu para ficar mais perto da fogueira e, inesperadamente, jogou no fogo um anel de couro ressequido. Era o couro da anta esfolada, a última lembrança de seu passado maldito, que devia ser definitivamente esquecido.

Os frades deram início aos trabalhos da missão. Nessa ocasião, Frei Serafim de Catânia olhando para a cruz iluminada pelas chamas falou para todos com voz forte:

– EM NOME DE DEUS, EU VOS ORDENO QUE ESTE LUGAR, DE HOJE EM DIANTE, SEJA CHAMADO DE NOVA-CRUZ!

O povo irrompeu com gritos de aplauso:

– NOVA-CRUZ! NOVA-CRUZ! NOVA-CRUZ!

E assim a terra da Anta Esfolada encontrava o seu nome definitivo. Ao final, Frei Serafim mandou que todos fossem para seus alojamentos e voltassem de madrugada para a Missa de Ano Novo que ele celebraria antes de viajar.

A Lei 609, de 12 de março de 1868, elevou a povoação de Nova-Cruz à categoria de Vila, mediante a transferência da sede municipal e paroquial de Serra de São Bento. A partir de então, Nova-Cruz passou a ser Sede de Paróquia, se desligando de São Bento.

Assim, Nova-Cruz passou a ser município legalmente constituído e sede paroquial, de direito, uma vez que, de fato, já o era desde 1855. O Padre João Alípio da Cunha, que era deputado da Assembleia Provincial, foi nomeado o primeiro vigário de Nova Cruz. Ficou muito feliz com a nomeação e preparou uma grande festa para a instalação da paróquia. Convidou o Frei Serafim de Catânia para presidir os festejos, o que atraiu grande número de pessoas, de todos os povoados da redondeza.

Os índios e os negros das comunidades de Baía da Traição e de Sibaúma, vieram para a festa e assim demonstraram seu contentamento com o progresso do povoado. Houve uma grande festa, para a instalação da paróquia.

Em 1871 foi criada a comarca de Nova-Cruz, com a nomeação do Dr. Jerônimo Américo Raposo da Câmara como o primeiro Juiz de Direito. No mesmo ano, também foi criada a comarca de Canguaretama, para onde tinha sido transferida a comarca de Vila Flor. Por esse tempo foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que teve pequena repercussão em Nova-Cruz, dado o fato de que, praticamente, já tinha sido abolida a escravidão, pela alforria que Zeferino e o deputado João Mendes concederam a seus escravos.

Muitas famílias vieram morar em Nova-Cruz, atraídas pela feira, que todas as segundas-feiras reunia gente de toda a região, proporcionando grande movimento comercial.

Em 1872, quando o Padre Emídio Fernandes de Oliveira assumiu o cargo de vigário de Nova-Cruz, a vila participou do primeiro recenseamento feito no Brasil, ao mesmo tempo em que a população foi atingida pela epidemia de varíola, o que obrigava os contaminados a ficarem em regime de reclusão pelos matos, enrolados em folhas de bananeiras, para minorar o queimor das bexigas purulentas.

O casal de velhos, fundadores de Nova-Cruz, Zeferino e Araci, foi atingido pela peste de varíola.

Envoltos em folhas de bananeira, foram levados para uma antiga cabana junto do pé de barriguda. Ali não resistiram e morreram.

Foram enterrados no mesmo lugar.

Com o tempo, o pé de barriguda ficou sendo a referência para as romarias dos negros de Sibaúma e dos índios de Baía da Traição.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de dezembro de 2023

A PRIMEIRA “FAKE NEWS” DA TERRA DA ANTA ESFOLADA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A PRIMEIRA “FAKE NEWS” DA TERRA DA ANTA ESFOLADA

Violante Pimentel

ENTRADA DE ANO NOVO – 1959/1960

No final de 1959, surgiu um boato em todo o Brasil de que um profeta havia preconizado que em 1960 os negros iriam virar macacos (sic). Os compositores imediatamente aproveitaram a deixa e fizeram o frevo-canção “Operação Macaco” (Sebastião Lopes/Nelson Ferreira). interprete Nerize Paiva. acompanhamento: Orquestra. nº da matriz. R-1099.

No interior nordestino, principalmente em Nova-Cruz, antiga Anta Esfolada, o boato se transformou em praga. As pessoas mais ingênuas tomaram isso ao pé da letra, e a notícia, de tão repetida, virou verdade, tal qual a atual “FAKE NEWS”

A festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição, pela primeira vez foi tensa, pois havia quem acreditasse nessa propagada profecia.

A barraca armada em frente à Matriz de Nossa Senhora da Conceição estava repleta de pessoas que aguardavam a chegada do Ano Novo. Notavam-se nas fisionomias de todos, tensão nervosa e medo, diante da perspectiva do cumprimento da profecia divulgada pela cidade. Havia pessoas nervosas, que acreditavam nos boatos negativos. Mesmo assim, a cidade estava repleta de nova-cruzenses, tanto da zona rural como da zona urbana. Essas pessoas invadiam a cidade, na véspera de Ano Novo, em busca de diversão, como passeios no Parque São Luiz, compras de iguarias regionais, incluindo alfenins e doces-secos. Tudo isso era vendido em barraquinhas armadas ao longo da Rua Grande, principal rua da cidade.

Havia também o serviço de alto-falante, onde os casais apaixonados pagavam para oferecer músicas significativas, verdadeiras declarações de amor aos parceiros.

As senhoras católicas da cidade prestavam sua colaboração à Igreja, preparando iguarias, como perus assados, pasteis e outros salgados, e as garçonetes e garçons eram pessoas conhecidas, que também prestavam sua ajuda gratuita à paróquia.

Quando se aproximava a hora da passagem do ano, a banda de música da cidade, comandada pelo exímio maestro Tenente Freitas, de saudosa memória, executava emocionantes dobrados, e na passagem do ano tocava o Hino Nacional. Nessa hora, ouvia-se o pipocar de foguetões, o sino da Igreja repicava por alguns minutos, e as emoções explodiam entre as pessoas amigas e até inimigas. Em seguida, o Padre dava a Benção do Santíssimo da janela da Igreja, o que completava o clima de emoção. Era uma verdadeira apoteose!!!

Na passagem do ano de 1959 para 1960, notavam-se crianças em pânico, agarradas às saias de suas mães, apavoradas com a profecia de que negro iria virar macaco.

Dona Lia, minha saudosa mãe, atendia na barraca da Igreja, juntamente com outras senhoras da sociedade, despachando fatias de peru assado e salgadinhos variados, solicitados pelos ocupantes das mesas. De repente, ela percebeu que o filho caçula, Bernardo, de quatro anos, não se desgrudava de sua saia, e chegava a tremer de medo, observando a fisionomia das pessoas morenas ou negras da cidade. Apavorado, o menino temia que na passagem do ano, a barraca fosse invadida por gorilas, como nos filmes de Tarzan… Esperava que os negros da cidade se transformassem em macacos. Foi uma expectativa de terror. Não só as crianças, como também alguns adultos supersticiosos, temiam a anunciada transformação.

Os passeios em redor da barraca principal eram contínuos, por pessoas mais simples, que não podiam gastar dinheiro na barraca da Igreja. Havia leilão de prendas ofertadas pelas pessoas da cidade, que variavam de coisas simples, como frango assado, até animais vivos, bovinos e caprinos, ofertados por fazendeiros ricos da região, e que davam muito lucro à Paróquia.

A bem da verdade, as pessoas, principalmente as crianças, só se tranquilizaram no final da festa, quando constataram que nenhum negro tinha virado macaco. Nem tampouco tinha havido invasão de gorilas na festa da Padroeira de Nova-Cruz, Nossa Senhora da Conceição.

A crendice popular tem o condão de impressionar as pessoas, e essa passagem de ano marcou época em Nova-Cruz.

“A FAKE NEWS” deu origem a um grande sucesso carnavalesco, “OPERAÇÃO MACACO”, de autoria de Sebastião Lopes/Nelson Ferreira. Interprete: Nerize Paiva. Acompanhamento: Orquestra. nº da matriz. R-1099.

Isso aconteceu antes da época do politicamente incorreto. Hoje seria humanamente impossível, tamanha gozação.

Se fosse hoje, a “profecia” seria “FAKE NEWS”, e os autores da música “Operação Macaco” teriam sido punidos.

OPERAÇÃO MACACO

 

 

Dizem que em 60 nego vai virar macaco
Ora vejam só que grande confusão
Se for verdade essa Operação Macaco
Penca de banana vai custar um milhão.
Quem mata um gato tem sete anos de atraso
Tem nego como o diabo fazendo tchuí-tchuí
Se for verdade o que diz o profeta
O que seria de Pelé ou do Didi?
Nego é gente igual a gente
Muito preto existe pra ninguém botar defeito
Profeta toma jeito, cuidado com a negrada
Se ela te pega vai dizendo, me dê a papada!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de dezembro de 2023

NÃO TEM VAGA (CRÔNICA DA COLUNISTA VIOLAANTE PIMENTEL)

 

NÃO TEM VAGA

Violante Pimentel

 

Um casal chegou a um lugarejo, tarde da noite. Marido e mulher, estavam cansados da viagem. Ela, grávida, prestes a dar à luz, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde pudessem passar a noite. Uma hospedaria simples serviria, desde que não fosse cara.

Pensavam que seria fácil de encontrar. Mas, ao contrário do que esperavam, foi muito difícil. Na primeira hospedaria onde chegaram, encontraram como recepcionista um homem rude, que, ao vê-los, disse logo que não havia vaga. Na segunda, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e solicitou apresentação de documentos. A resposta do pretenso hóspede foi de que a pressa da viagem fizera com que esquecesse os documentos. Foi o suficiente para que o encarregado desse um não.

Disse o recepcionista, grosseiramente:

– Como pretende o senhor conseguir hospedagem, se não tem documentos? – disse. – Eu nem sei se o senhor teria como pagar a conta…

Humilhado, o viajante não disse nada. Tomou a mulher pelo braço e seguiu adiante. Na terceira hospedaria, mesmo havendo vaga, o encarregado resolveu dizer que estava lotado. Desconfiou do casal, ao ver a pobreza das roupas que os dois vestiam. Resolveu dar uma desculpa, para disfarçar a má vontade:

– As hospedarias simples, como esta, não recebem incentivo nenhum do governo. Já os grandes hotéis, recebem incentivos e os donos podem fazer reformas. Hospedam até delegações estrangeiras. Até hoje, não consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente…já tinha melhorado de vida. O senhor não conhece ninguém nas altas esferas?

O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém “nas altas esferas”.

– Pois, então, – disse o dono – fale para esse seu conhecido sobre esta hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez eu já possa lhe arranjar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.

O viajante agradeceu, lamentando a urgência do seu problema. Precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.

Na hospedaria seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio.

– O disfarce está muito bom!

– Que disfarce? Perguntou o viajante.

– Essas roupas velhas que vocês estão usando, disse o gerente.

– Isso não é disfarce – disse o homem. São as roupas que nós temos. O gerente, então, percebeu o engano:

– Sinto muito – desculpou-se. – Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.

O casal foi adiante. Na hospedaria seguinte, também não havia vaga, e o encarregado, metido a engraçado, disse:

– Ali perto há uma manjedoura. Por que não se hospedam lá? Não é muito confortável, mas, em compensação, não pagarão diária.

Para surpresa dele, o viajante achou a ideia boa e até agradeceu. Saíram.

Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando ao encarregado se não tinha chegado por lá um casal de viajantes, com a mulher prestes a dar à luz. E foi aí que o gerente começou a achar, que talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes, já chegados a Belém de Nazaré.

A Estrela-Guia levou os Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar, ao local onde Maria acabara de dar à luz.

Eles, então, ofereceram ao menino Jesus três presentes, com significados espirituais: Ouro, incenso e mirra.

Após isso, foram avisados por Deus, em um sonho, que não deveriam informar a Herodes o nascimento do Menino Jesus.

E assim, retornaram para sua terra por outro caminho.

Os Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar eram astrólogos e sábios. Com base nas profecias e na astrologia, previram a vinda de Jesus e partiram em uma longa viagem, para dar as boas-vindas ao Messias (Salvador).

Em Mateus 2:11 é descrita essa passagem:

Ao entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Então abriram os seus tesouros e lhe deram presentes: ouro, incenso e mirra.

O ouro simboliza a realeza de Jesus.

O incenso, usado nos templos, era um presente exclusivo aos sacerdotes, reforçando, assim, a divindade de Cristo.

A mirra é um composto usado no embalsamamento, e fazia referência ao sacrifício de Cristo e à sua Ressurreição.

E assim nasceu o Menino Jesus, aquele que veio, para ser o homem mais importante da humanidade!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de dezembro de 2023

EVOCANDO “ONTEM AO LUAR” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL

 

EVOCANDO “ONTEM AO LUAR”

Violante Pimentel

“ANTOLOGIA DA CANÇÃO BRASILEIRA”, coletânea oferecida aos poetas, trovadores, musicistas e intelectuais brasileiros, pelo grande pesquisador Norte-Rio-Grandense, Gumercindo Saraiva, homenageou o poeta e compositor Catullo da Paixão Cearense, por ocasião do seu Centenário de Nascimento, a quem denominou de “o maior lapidador da Canção Brasileira” (1863 – 1963).

 

 

Catullo da Paixão Cearense nasceu a 8 de outubro de 1863, em São Luiz do Maranhão e faleceu no Rio de Janeiro a 10 de maio de 1946.

Na sua mocidade, sentindo a decadência da canção nacional, Catullo tornou-se um herói, desbravando de maneira patriótica os poemas mais sugestivos da literatura brasileira, notadamente de Castro Alves, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e tantos outros poetas, cujas composições se integraram ao cancioneiro popular do nosso país e alcançaram destaque fora do Brasil.

Gumercindo Saraiva quis restaurar aquilo que estava prestes a desaparecer do “dossier” cultural brasileiro. E ele estava certo. A Modinha está adormecida, ofuscada pela música de baixa qualidade.

Heitor Villa-Lobos, o expoente máximo da música brasileira, célebre autor das “Bachianas Brasileiras”, encontrou na obra de Catullo da Paixão Cearense, não simples melodias, escritas de forma banal e inexpressiva, mas um manancial de talento. Por isso, certa vez, disse: “Na música, Catullo me foi mais útil que o próprio Ernesto Nazareth”.

A notável tradição e o majestoso cenário emocional encontrados na canção de Catullo, não foram mais estudados e permanecem no ostracismo, por falta de divulgação. Sua grandiosa obra está adormecida. Temos necessidade de uma biografia mais positiva, que reviva na alma do povo a presença de Catullo e a universalidade dos seus cantos.

O escritor Rocha Pombo, estudando a obra de Catullo, declarou: “Catullo é um grande poeta. A meu ver, tem ele na alma alguma coisa mais que a exuberante e entusiástica poesia do nosso povo; nos seus versos, nos seus cantos, fala a excelsa musa anônima e imortal da raça”.

Alberto de Oliveira, príncipe da poesia brasileira, no seu tempo, referindo-se a Catullo, cantou, em versos, com o coração, a grandeza do grande vate maranhense:

“Esse outro poeta és tu, com as tuas harmonias
Com o teu estro a vibrar nas cordas do violão
Fazendo ao que te escuta ir-se a imaginação,
Ir-se o espírito além, além…por além afora,
Ao bom tempo feliz, ao bom tempo de outrora,
Em que eu sei que cantava esse de nome igual
E gênio igual ao teu – Catullo, o provençal.”

Catullo estudou um pouco de música, chegando mesmo a tocar flauta de cinco chaves, mas encontrando dificuldades por falta de embocadura.

Seus companheiros dessa época foram o flautista Viriato, o compositor Calado, o regente e compositor Anacleto de Medeiros, Quincas Laranjeiras, Albano, Cadete e outros que não alcançaram projeção no ambiente da boemia dessa turma tão conhecida nos meios das serestas do Rio de Janeiro.

O nome de Catullo da Paixão Cearense não precisa mais de apresentação no cenário da modinha brasileira.

Poeta popular, violonista, violinista, musicista afamado, bardo do povo, o autor de “ONTEM AO LUAR”, jamais encontrou quem o substituísse, devido à sua sublime inspiração, facilidade de rima, aproveitando de maneira auspiciosa motivos palpitantes para perpetuar nos seus versos e na sua musicalidade a misteriosa germinação do seu talento, como a semente que fecundou na terra e na alma do povo brasileiro.

Catullo transformou o acompanhamento, dando-lhe modulações imprevistas; entrou nos salões , e obteve calorosos aplausos, revelando a verdadeira beleza do violão brasileiro, nele entronizando de novo, a nossa Modinha, que, lamentavelmente, estava ofuscada por músicas de baixa qualidade. Esse foi o seu maior título de glória, na sua época.

Catullo morreu, levando o segredo da espontaneidade, o segredo da rima cantante dos regatos, da inspiração misteriosa e cheia de brasilidade. Levou a beleza dos céus de nossa terra, o luar imenso das noites sertanejas vividas e sentidas nas serenatas do seu tempo, a graça e o sorriso das caboclas bonitas do Sertão, a paz bucólica dos campos e das fazendas.

O violão que era um instrumento desprestigiado, companheiro inseparável da boemia e badernas, foi reabilitado por Catullo, que o impôs nos salões, tornando-o um irmão do piano, do violoncelo e do violino.

Entre suas inúmeras e belíssimas canções, estão “ONTEM AO LUAR”, “SERTANEJA” e “LUAR DO SERTÃO”, que se eternizaram.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de dezembro de 2023

ANTIGA LIÇÃO DE DIREITO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ANTIGA LIÇÃO DE DIREITO

Violante Pimentel

Era o primeiro dia de aula de um Curso de Direito. A alegria tomava conta da sala, onde os alunos já se sentiam futuros bacharéis.

 

 

Emocionados, respeitosamente, receberam de pé o elegante professor de Introdução ao Estudo do Direito, que os cumprimentou e mandou que todos se sentassem. Após observar demoradamente e com seriedade todos os alunos, o professor fixou o olhar num rapaz franzino, tímido e de óculos, que estava sentado na primeira fila, e em voz alta, perguntou-lhe o nome.

O rapaz respondeu:

– Meu nome é Francisco, professor.

Com voz estridente, o professor ordenou:

– Retire-se da sala de aula, e não volte mais, Francisco!

A turma mergulhou em silêncio sepulcral.

O aluno ficou perplexo, diante de tamanha brutalidade. Tinha certeza de que não fizera nada que justificasse sua expulsão da sala de aula. Apenas, respondera qual era o seu nome, conforme lhe fora perguntado. Humilhado, imediatamente, Francisco levantou-se, pegou sua pasta onde tinha lápis e papel, e se retirou.

A turma ficou assustada e indignada, diante da incabível grosseria do professor. Ninguém entendeu a razão da sua ira contra Francisco, que, da mesma forma dos outros alunos, apenas aguardava, atento, o início daquela que seria a primeira aula do Curso de Direito.

Todos perderam a voz. O silêncio continuou, até que o professor tossiu e começou a falar:

– Dando início à primeira aula do Curso de Direito, pergunto a vocês?

– Para que servem as leis?

Os alunos continuavam assustados, mas os mais desinibidos ousaram responder:

– As leis existem, para que se ponha ordem à sociedade em que vivemos.

– Não! – respondeu o professor.

– Para que seja possível a convivência humana! – disse outro aluno.

– Não! Contestou o professor.

– Para que as pessoas paguem pelos erros cometidos!

– Não!

E o professor continuou a falar, indignado:

– Será que, entre tantos alunos, nenhum sabe dar uma resposta correta?

Até que, timidamente, uma aluna respondeu:

– Para que haja Justiça!

O professor, eufórico, respondeu:

– SIM!!! Até que enfim!!! É isso mesmo!!! … Para que haja Justiça!

– E para que serve a Justiça? – Perguntou o professor, com hostilidade.

Todos começaram a se irritar com a atitude grosseira do professor. Mesmo assim, continuaram dando suas respostas:

– Para preservar os direitos humanos…

– Certo! E o que mais? – perguntou o professor.

Os alunos continuaram respondendo:

– Para separar o joio do trigo! Para distinguir o certo do errado! Para premiar aquele que fez o bem e punir aquele que fez o mal!

O professor vibrou:

– Muito bem! Mas, me respondam: Agi certo, ao expulsar Francisco da sala de aula?

– Não! – a resposta dos alunos foi uníssona.

O professor insistiu na pergunta:

– Podem me dizer se cometi uma injustiça com Francisco?

Todos os alunos responderam:

– Sim!!!

O professor, então, retrucou:

– E por que ninguém protestou diante da injustiça que eu fiz?!!!.Para que queremos leis e regras, se não dispomos da coragem necessária para praticá-las?

– Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar, quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais!

– Vão chamar Francisco! – disse o professor com voz austera, olhando fixamente para todos os alunos.

Acabrunhado, Francisco relutou em voltar. Foi preciso que os outros alunos fossem chamá-lo, acompanhados do professor, que o abraçou e lhe pediu desculpas, por tê-lo usado como exemplo do que vem a ser uma injustiça.

Naquele dia, os alunos do Curso de Direito receberam a mais importante lição que poderiam receber:

“O DIREITO NÃO SE NEGOCIA”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de dezembro de 2023

MALDADE SEM LIMITE (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

MALDADE SEM LIMITE

Violante Pimentel

Charles não era príncipe, não era rico nem filho de político. Um rapaz simples, tímido e pobre, “gente que a gente não vê, porque é quase nada”. Era mais bonito do que certos príncipes.

Nos contos de fadas, todos os príncipes são bonitos.

Depois de adultos, entendemos que isso não existe. Pelo menos, os príncipes que as revistas mostram são feios pra burro.

Charles tinha o raciocínio rápido, o que é sinal de inteligência. Seu grande defeito, na opinião de dona Matilde, sua mãe, era ser honesto e não saber mentir. Jamais poderia ser político. Charles nem mentia nem deixava ninguém mentir na sua frente. Desmentia em cima da bucha e Isso incomodava muita gente. Charles nasceu no interior nordestino, se acostumou com a pobreza, mas não com a miséria. Sua mãe o incentivava a frequentar a escola e aprender a ler, para trabalhar em loja ou em fábrica. Charles tinha bons sentimentos. Não maltratava animais, nem pessoas. Respeitava a todos.

Desde cedo, a mãe de Charles percebeu que ele era diferente dos outros filhos, nos gostos e temperamento. Detestava mentiras, mesmo que fossem por conveniência. Só dizia a verdade. A verdade “verdadeira”. Não a verdade por conveniência. Dona Matilde não cansava de aconselhar o filho, dizendo-lhe sempre que nem toda verdade deveria ser dita. E ele passou a engolir em seco, procurando abafar suas palavras.

Ele se tornou antipatizado e antissocial.

Entre outras esquisitices, Charles pensava livremente e por conta própria. Ainda adolescente, dizia tudo o que lhe vinha à cabeça, e passou a ser visto como um contestador do regime de governo. A mãe combateu esse seu costume, mas de pouco adiantou.

Os professores se indignavam, porque ele perguntava demais. Tinha ideias próprias e contestava o que ouvia nas aulas, principalmente de História.

Um parente o aconselhou a se tornar bacharel em Direito, tentando convencê-lo:

“-Bacharel é o princípio de tudo! Seja bacharel, e você terá tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo ser subserviente e adulador, você chegará a deputado ou ministro.”

Indignado, Charles protestou e disse que só tinha vontade de trabalhar, e jamais seria puxa-saco de político.

O intolerável parente insistiu:

-“ Trabalhando, sem ser bacharel, você vai ser um Zé-ninguém; um empregado medíocre. Vai trabalhar para os outros, quando podia trabalhar para você mesmo.”

Charles respondeu:

-Eu discordo de você, e assunto encerrado!

Charles arranjou um emprego de balconista numa loja, mas foi logo despedido, sem explicação. Mudou de emprego várias vezes, mas destoava de todos os empregados. Por trás dos seus óculos pesados, de “fundo de garrafa”, era cumpridor dos seus deveres. Chegava antes da hora, e era sempre o último a sair.

De poucas palavras, Charles era introvertido. Não falava de sua vida pessoal e não conseguia fazer amigos.

A fama de Charles era gostar muito de trabalhar. Sempre ia além das ordens que recebia do patrão. Isso, os colegas de trabalho não suportavam, e o xingavam de bajulador. Faziam a cabeça do chefe contra ele, até que fosse despedido.

Sua dedicação ao trabalho despertava a ira dos colegas.

Desiludido com a maldade humana, Charles chegou à conclusão de que só vence na vida quem diz sim a tudo e a todos. Contestar não adiantava, pois, na vida, quem anda na linha, “o trem pega”.

O caminho que faz mais sucesso na convivência humana é o da bajulação. E esse caminho, ele jamais percorreria. Entretanto, nunca viu, em sua vida, ninguém prosperar, agindo como ele. Por mais que se esforçasse no trabalho, não galgava nenhum lugar de destaque. Enquanto isso, os bajuladores e desonestos alcançavam os “postos” mais altos.

Charles entrou em depressão, sentindo-se um homem fracassado.

A saúde lhe faltou e ele se fechou em casa, para desespero de sua mãe. A depressão o levou com ele, e com todos os antidepressivos de uma só vez.

Assim como o Alfredo de que falou o poeta Vinícius de Moraes, Charles também era gente que a gente não via, porque era quase nada.

Um homem chamado Alfredo – Canção de Toquinho e Vinicius de Moraes

 

 

O meu vizinho do lado
Se matou de solidão
Ligou o gás, o coitado
O último gás do bujão

Porque ninguém o queria
Ninguém lhe dava atenção
Porque ninguém mais lhe abria
As portas do coração

Levou com ele seu louro
E um gato de estimação

Há tanta gente sozinha
Que a gente mal adivinha
Gente sem vez para amar
Gente sem mão para dar
Gente que basta um olhar, quase nada

Gente com os olhos no chão
Sempre pedindo perdão
Gente que a gente não vê
Porque é quase nada

Eu sempre o cumprimentava
Porque parecia bom
Um homem por trás dos óculos
Como diria Drummond

Num velho papel de embrulho
Deixou um bilhete seu
Dizendo que se matava
De cansado de viver

E embaixo, assinado Alfredo
Mas ninguém sabe de quê


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 24 de novembro de 2023

OS URUBUS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

OS URUBUS

Violante Pimentel

Viajando de carro pelas estradas do interior do RN, é impressionante o número de animais que vemos mortos por atropelamento. É comum se ver um animal morto, seja um cavalo, um jumento, um carneiro, fora um grande número de cachorros, gatos e galináceos, que, inocentemente, se arriscam a atravessar as estradas. São atropelados constantemente, involuntariamente, ou por brincadeira de motoristas irresponsáveis, quando se trata de galinhas, patos, guinés ou perus, que estão soltos nas estradas. Ainda há motoristas sem compaixão, que param para transportar para casa os galináceos atropelados, para as mulheres prepará-los para almoço ou jantar.

O único animal que é raríssimo se encontrar morto nas estradas é o urubu, ave elegante que tem a incumbência de limpar a natureza, alimentando-se da carniça de outros animais. Mas, mesmo assim, uma vez por outra, um urubu é encontrado morto na estrada. Ele “aterrissa”, à procura de carniça, quando fareja que há animal em decomposição por perto.

Naturalmente, urubu também adoece e morre. Ninguém escapa.

O urubu é um animal injustiçado. Nunca ouvi falar que houvesse uma “sociedade protetora dos urubus”. Certa vez, um conhecido meu se deparou com um urubu morto na estrada da zona rural e perguntou a causa da morte do urubu a algumas pessoas e ninguém soube dizer. Até que um menino disse que o urubu tinha morrido de uma pedrada. Achei estranho.

Não imaginava que urubus se deixassem apedrejar. Urubu, na minha opinião, só morria empanzinado com carniça. Pois a função deles na terra é limpar a carniça dos animais mortos.

Por ser um animal difícil de ser visto morto, quando morre um urubu, é um acontecimento, uma festa. A ave é velada por algumas pessoas curiosas. Dificilmente, gatos e cachorros se aproximam de um urubu morto. Mas, se morre um gato ou um cachorro na estrada, rapidamente, os urubus se aproximam, imponentes, querendo se inteirar da “causa mortis” e levando o “defunto” para lhes servir de regalo.

Ninguém lamenta a morte de um urubu, pois ele vive da carniça de outros animais. Não tem choro nem vela. E os outros animais não querem nem ver o urubu morto . Eles tem repulsa pelos urubus.

Um gato ou um cachorro, morto na estrada, atrai muitos urubus. Mas a morte de um urubu só atrai outros urubus. Eles são orgulhosos e discriminam os outros animais. Formam uma casta, ou melhor, uma corja.

O urubu quando morre é abandonado, porque nunca deu valor ao seu semelhante. O que acontece com os urubus, acontece com o homem. Tal vida, tal morte.

Quando um homem se aproxima de um urubu, ele sai andando de lado e devagar, como se o homem lhe despertasse nojo e desprezo. O urubu é arrogante, mas acha que o homem é que é, mesmo sendo um cidadão comum, cumpridor dos seus deveres. O urubu se acha superior a todos os homens, só porque sabe voar. O urubu voa e voa bonito e elegante. Enquanto isso, os humanos são prisioneiros do chão. Não tem asas para voar.

Quando o homem tentou voar e não conseguiu, após dezenas de tentativas fracassadas, tentou construir um aparelho à imagem e semelhança do urubu. Afinal de contas, o avião é um urubu, ainda em fase de aperfeiçoamento. O avião se aperfeiçoa cada vez mais, na meta necessária do urubu. Já não faz barulho, como o urubu. Chegará o dia em que não ocorrerá mais desastres de avião. Aí, será a glória. O urubu será superado.

Por enquanto, em relação ao espaço aéreo, o urubu é autossuficiente e determinado, conhecendo sua rota.

O urubu que estava morto na estrada, segundo me contaram, atraiu a curiosidade de algumas pessoas, até com direito a uma vela acesa. Outros urubus sobrevoaram o local, mas logo o transportaram para o solar onde viviam.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 17 de novembro de 2023

EVOCANDO A MODINHA (CRÔNICA DE COLUNISTA MADRES SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

EVOCANDO A MODINHA

Violante Pimentel

Nasci e me criei em Nova-Cruz, ouvindo minha mãe entoar modinhas, acompanhada ao violão pelo sogro e meu avô paterno, Manoel Ursulino Bezerra, ou Seu Bezerra. Aprendi a gostar de modinhas desde criança. Hoje, sinto falta das modinhas, que, literalmente foram expulsas do cenário do cancioneiro popular brasileiro.

O romantismo desapareceu, e a atual juventude “morre de rir”, quando ouve músicas românticas e apaixonadas, que mexem com o coração. Só escapam do riso sarcástico, as músicas românticas, cantadas dentro do contexto sertanejo ou de vaquejada.

A juventude de hoje não pode imaginar – pois jamais sentiu – a sensação de acordar, alta madrugada, com o canto de um seresteiro e seu violão. A modinha cumpriu a sua etapa histórica. A serenata refugiou-se no passado e nas doces lembranças, onde a maldade não penetrava. Propiciou muita beleza às noites de luar, ao som de poemas e melodias..

A Modinha é uma canção, composta de melodia e versos, e tem a necessidade da voz humana para expressá-los. A verdadeira modinha é sempre um poema musicado em tom menor, com conotações tristes. É um gênero musical de canção sentimental brasileira e portuguesa, cultivada nos séculos XVIII e XIX.

Na cidade, havia o hábito da serenata, favorecido pelo clima tropical, que proporcionava luares inspiradores e estimulantes, a ingênua beleza da pequena cidade, estendida entre o mar, o rio Potengi e o alviverde das dunas.

A Natal antiga, do fim do século passado e começo do atual, caracterizou-se por um grande número de poetas e músicos que punham melodias em seus versos.

Entre as mais discutidas e antigas modinhas do cancioneiro popular brasileiro está “A Pequenina Cruz do teu Rosário, do poeta cearense Fernando Weine.

Seu aparecimento deu-se, pela primeira vez, nas páginas de “Canções Populares”, em 1906. Em seguida, a revista “Fortaleza”, que se editava na terra da luz (1907), publicou-a na página 18, número 12, o nome do autor.

Os anos vinham-se passando, e a modinha ganhava preferência nas serestas do Brasil inteiro, até que, em 1926, a famosa “Casa Édison”, do Rio de Janeiro gravou A Pequenina cruz do Teu Rosário, na voz seresteira do cantor Roque Richard, apontando-a como de autor desconhecido.

Daí em diante, tem aparecido um número expressivo de pretensos autores da bela modinha.

O grande cantor Carlos Galhardo gravou “A Pequenina Cruz do Teu Rosário” em disco RCA-Victor, número 80-1622.

Da Antologia da Serenata, foi extraída esta versão aqui reproduzida, tendo sido julgada a mais autêntica, e a que fez mais sucesso, na voz de Carlos Galhardo.

 

A Pequenina Cruz De Teu Rosário – Carlos Galhardo

Agora que eu não te vejo ao meu lado
A segredar apaixonadas juras
Busco às vezes do nosso amor de outrora
A recordar nossas íntimas loucuras
Faz tanto tempo, nem me lembro quando
A vida é longa e o pensamento é vário
Tu me mostravas vil, no idílio santo
A pequenina cruz de teu rosário

E sempre que eu a via, recordava
Do nosso amor, a fantasia louca
Todas as vezes que a pequena cruz beijava
Eu beijava febril a tua boca
Mas o tempo passou triste eu segui
Da minha vida um longo itinerário
E nunca mais, nunca mais eu vi
A pequenina, a pequenina
Cruz de teu rosário

Do amor fugiu-me a benfazeja luz
Não posso mais, errante caminheiro,
Se o Cirineu, como o de Jesus,
Larga-me ao corpo o peso de um madeiro
Já vou trilhando a estrada da amargura,
Antes porém, que eu chegue ao meu calvário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Recordo ainda o nosso amor de outrora
Vamos lembrar os tempos de criança
Se o amor fugiu-me à luz da aurora,
Resta em minh’ alma um raio de esperança.
Tu que és tão boa, és tão meiga e pura,
Quando eu baixar ao campo funerário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Carlos Galhardo

Nascimento: 24 de abril de 1913, Buenos Aires, Argentina
Falecimento: 25 de julho de 1985, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de novembro de 2023

O CRIADOR E A CRIATURA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DESTE ALMANAQUE)

 

O CRIADOR E A CRIATURA

Violante Pimentel

Péricles Maranhão, criador d’O Amigo da Onça

 

Às vezes, acontece da criatura superar o seu criador. Essa premissa é muito verdadeira e não é raro acontecer na vida real. Muitas vezes, o aluno é tão brilhante e inteligente, que ofusca o Mestre.

Péricles de Andrade Maranhão nasceu no bairro do Espinheiro, no Recife (PE), no dia 14/08/1924; estudou no Colégio Marista e fez sua primeira charge para o Diário de Pernambuco.

Foi um adolescente desenhista, daqueles com talento de enlouquecer qualquer professor. Ainda muito jovem, durante a fase áurea dos quadrinhos, várias vezes imitou os traços de Dick Tracy, Agente Secreto X-9 e Flash Gordon.

Em Recife, Péricles tomou conhecimento do concurso para a “Semana do Trânsito”, organizado pelo escritor Souza Barros. Resolveu concorrer, enfrentando alguns “cobras” do pincel, como Lula Cardoso Ayres, Manoel Bandeira (o pintor) e Eros Gonçalves. Ganhou o prêmio e a simpatia de Souza Barros, que lhe encomendou uma história em quadrinhos, sobre problema de trânsito.

Mas, o sonho de Péricles era ir para o Rio de Janeiro, a “cidade grande”, sonho da maior parte dos artistas da época.

Souza Barros deu-lhe duas apresentações para amigos do Rio de Janeiro. Mas foi uma terceira, de Aníbal Fernandes – então diretor do Diário de Pernambuco – endereçada a Leão Gondim de Oliveira, diretor de “O CRUZEIRO“, que o colocou nessa famosa revista.

Péricles começou a trabalhar como desenhista, em “O Cruzeiro“, em 6 de junho de 1942, então com 17 anos de idade. Era o mais jovem artista da grande revista.
Nesse mesmo ano, lançou em “O Guri” e num rodapé do carioca “Diário da Noite”, seu personagem “Oliveira, o Trapalhão”; para a revista “A Cigarra“, desenhou “Cenas Cariocas”, “Miriato, o Gostosão” e, ainda, o próprio “Oliveira”.
Foi quando a direção da revista “O CRUZEIRO“, que atravessava uma fase áurea, com suas reportagens empolgando o Brasil, resolveu criar um tipo humorístico só para si. O tipo, entretanto, deveria conter toda a verve do carioca. Seu criador teria que captar o estado de espírito daquele que vive no Rio de Janeiro, sem importar onde tivesse nascido.

Péricles aceitou o desafio. Depois de alguns esboços, apresentou o desenho definitivo. Ali estava o “sujeitinho irreverente”, que haveria de divertir o Brasil por muitos anos. Só faltava mesmo batizá-lo.

O nome “O AMIGO DA ONÇA” foi sugestão do então diretor da revista “O CRUZEIRO”, Leão Gondim de Oliveira, inspirado numa anedota brasileira, que diz assim:

“-Dois caçadores conversavam:

-O que faria você se estivesse na selva e uma onça aparecesse na sua frente?

-Dava um tiro nela.

-E se você não tivesse uma arma de fogo?

-Tentava furá-la com o meu facão.

-E se você não tivesse um facão?

-Apanhava qualquer coisa, como um pedaço de pau pra me defender.

-E se não tivesse um pedaço de pau por perto?

-Procuraria subir na árvore mais próxima.

-E se não tivesse nenhuma árvore no lugar?

-Sairia correndo.

-E se você estivesse paralisado pelo medo?

Aí, o outro, já aborrecido, retruca:

-Afinal, você é meu amigo, ou amigo da onça?”

 

Primeira charge do Amigo da Onça

 

Baseando-se nessa anedota, o diretor Leão Gondim de Oliveira sugeriu a Péricles o nome de “O Amigo da Onça”, para o personagem que ele havia criado recentemente. O nome foi aceito e o batizado ocorreu no dia 23 de outubro de 1943, data, também, da estreia do personagem em “O Cruzeiro“.

Com “O Amigo da Onça”, Péricles ficou famoso. Logo depois, foi feita uma pesquisa de opinião pública, para saber qual era a seção mais lida em “O CRUZEIRO”, e “O Amigo da Onça” venceu, com louvor.

Aos 20 anos de idade, Péricles já atravessava sua melhor fase artística. Mas, no seu entender, seu personagem ofuscava sua glória, e ele ouvia sempre este tipo de diálogo:

“- Este é o Péricles.

– Quem?

– Péricles, o criador de “O Amigo da Onça”.

E todos queriam parabenizá-lo, pela fabulosa criação.

Nem todos conheciam Péricles, mas todos conheciam “O Amigo da Onça”. Isso o incomodava.

Péricles sabia fazer amigos. Trazia sempre no rosto um sorriso franco e dava provas de bom caráter. Entretanto, dentro da aparente extroversão, escondia uma terrível timidez. A timidez do menino pobre do Recife, que vencera no Rio de Janeiro, aspiração sonhada por todos os artistas, e alcançada por poucos. Silenciosamente, Péricles era consumido pela depressão, que já era a doença do século, um monstro que age em silêncio.

Durante 18 anos ininterruptos, “O Amigo da Onça” fez gozação com todos os tipos de pessoas, inclusive com o leitor. Dessa forma, certo dia, quando o leitor abriu sua página preferida em “O CRUZEIRO”, encontrou o homenzinho sobre fundo branco, dizendo “Hoje não tem piada.”

Péricles estava morto. Suicidou-se na passagem do ano de 1961 para 1962, abrindo o gás, sozinho em seu apartamento. Morreu de solidão e tristeza, doenças da alma, muitas vezes disfarçadas em sorrisos e alegria forçados.

As dores da alma são piores do que as dores do corpo e matam na surdina.

João Martins, amigo de Péricles, escreveu:

“O Amigo da Onça” satirizou costumes e situações, lançou tipos e expressões populares, criou tal personalidade que se incorporou, como uma pessoa real, à realidade de cada dia em todos os quadrantes do nosso território.”

Sobre Péricles, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade: “A solidão do caricaturista seria talvez reação contra a personagem, que o perseguia, que lhe era necessária e que lhe travara os meios de comunicar-se e comungar com outros seres”.

Por sua vez, escreveu o jornalista e escritor Glauco Carneiro:

“O Amigo da Onça” persiste na memória como uma catarse coletiva, que, semanalmente, prestava seu auxílio terapêutico a milhões de habitantes das grandes cidades, agradecidos pela oportunidade de projetar muitos momentos sarcásticos e ferinos de suas vidas estressadas.”

Em sentido figurado, o criador foi vítima de sua criatura, que, ao mesmo tempo, era seu melhor amigo.

Nós, pobres seres viventes, não somos capazes de penetrar nos mistérios da vida. Como pode haver, ao mesmo tempo, tanta gloria e tanto desatino?!!!

Apoiado no vidro de nanquim, em cima da prancheta de caricaturista, que o olha boquiaberto, o “Amigo” recusa-se a entrar no desenho incompleto: “Só conte comigo quando terminar a piada!…”

Depois da morte de Péricles, o “Amigo da Onça” passou a ser desenhado por Carlos Estêvão, sendo publicado até 1972.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 03 de novembro de 2023

A ÚLTIMA LUTA NO COLISEU (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A ÚLTIMA LUTA NO COLISEU

Violante Pimentel

Coliseu – Wikipédia, a enciclopédia livre

 

Tudo na vida tem começo, meio e fim. É a regra geral. Ninguém fica para semente. Nos grandes dias em que Roma governava o mundo, e o imperador vivia em um palácio de mármore branco ou em uma casa de ouro puro, o Coliseu era o maior teatro que se tinha erguido na terra.

Ainda hoje, lá está ele de pé, arruinado e partido, mas ainda assim, talvez seja a ruina mais impressionante que existe. Nos dias terríveis em que Roma estava decaindo do grande lugar ocupado na história, quando Pedro e Paulo sofriam o martírio fora das suas portas, o pequeno bando cristão escondia-se em grandes buracos subterrâneos para escapar à tortura e à morte. Ainda hoje, podemos percorrer as catacumbas em que os primeiros fieis de Jesus se escondiam de Nero, o monstro que vivia em uma casa de ouro dentro da cidade . Diz-se que, quando a casa de Nero ardeu em chamas, corria ouro derretido pelas ruas de Roma.

Nesses dias negros e vergonhosos, o grande Coliseu branco era um espetáculo grandioso, elevando-se, andar sobre andar, na terra, e tendo dentro dele grandes galerias que comportavam quarenta mil pessoas. Aqui vinha toda Roma ver as grandes feras soltas dilacerarem-se umas às outras. Aqui se mostravam os gladiadores, homens fortes treinados para lutar dois a dois, até que um caísse morto. Aqui se lançavam os cristãos vivos aos leões, em dias de festa romana. Não há lugar no mundo que tenha visto cenas mais cruéis. Grandes monstruosidades aconteciam no Coliseu.

Pouco a pouco, o Cristianismo abriu caminho, até que o próprio imperador se tornou cristão. Então, acabaram-se esses espetáculos vergonhosos e o Coliseu tornou-se um mero circo. O povo, porém, ainda ansiava pelos antigos espetáculos, e de vez em quando a antiga fúria reaparecia. Havia quatrocentos anos que os cristãos se tinham ido tornando cada vez mais numerosos e fortes, quando chegou um dia de terror para Roma. Alarico, chefe dos godos, caiu como um temporal sobre Roma, a qual, tendo por imperador apenas um pobre mancebo louco, teria fatalmente sucumbido se não fosse um bravo general e os seus homens, que derrotaram os godos.

Tal foi a alegria em Roma, que nesse dia o povo afluiu ao Coliseu, vitoriando o bravo general. Houve ali uma caçada às feras e um grande espetáculo, como nos tempos antigos, quando, de repente, dentro de um dos corredores estreitos que conduzem à arena, surgiu um gladiador com espadas e lanças. O entusiasmo do povo não tinha limites.

Então, aconteceu uma coisa estranha. Para o meio da arena avançava um velho, descalço e de cabeça descoberta, que pedia ao povo que evitasse derramamento de sangue. Gritou-lhe o povo que deixasse o sermão e se fosse embora. Os gladiadores avançaram e empurraram-no para o lado, mas o velho tornou a meter-se entre eles. Uma saraivada de pedras caiu sobre ele, atirada pelo povo irado. Os gladiadores abateram-no e o velho morreu ali, ante os olhos de Roma.

Era um eremita, chamado Telemaco, um desses santos homens que, cansado das maldades, tinha ido viver na solidão dos montes. Tendo vindo a Roma para visitar os altares sagrados, vira o povo afluindo ao Coliseu, e, compadecendo-se da sua crueldade, tinha-o seguido para evitá-lo ou morrer.

O Gladiador era um escravo lutador na Roma Antiga. O termo utilizado para definir os escravos que eram forçados a lutar por suas vidas no antigo Império Romano é proveniente de uma espada que utilizavam em combate, o gládio. Os primeiros registros existentes sobre lutas de gladiadores em Roma são datados de 286 a.C. Sabe-se, contudo, que foi um esporte inventado pelos etruscos.

Os Etruscos representam uma das civilizações da antiguidade que habitaram a península itálica a partir do século IX a.C., antes dos Romanos. Eles desenvolveram uma cultura original, e, para a época estavam bem evoluídos em relação a sua arte (artesanato, arquitetura, escultura) e engenharia.

Em Roma, a luta dos gladiadores fez muito sucesso, e era atividade muito atrativa para o grande público. Combatentes se enfrentavam na arena e a luta só terminava quando um deles morria, ficava desarmado ou sem poder combater. Havia um responsável por presidir a luta que determinava se o derrotado deveria morrer ou não, e o povo influenciava muito nessa decisão. Normalmente, a manifestação popular era expressa, apontando a mão fechada com o polegar para baixo, o que significava que o povo desejava a morte do derrotado. Entretanto nem sempre a morte era desejada e a posição oposta do indicador ou a mão fechada levantada do ar indicava que o derrotado poderia ficar vivo.

Por muitos séculos, os Gladiadores lutaram entre si ou contra animais ferozes para entreter os romanos. Foi construída uma arena especial para esse tipo de espetáculo, o Coliseu, que tem em suas ruínas, hoje, um dos principais pontos turísticos da Itália.

Os lutadores eram prisioneiros de guerra, escravos e autores de crimes graves. Para satisfazer o fetiche de alguns imperadores, mulheres e anões também lutavam. Eles tinham treinamento em escolas especializadas para combater na arena, recebiam tratamento especial no intervalo das lutas e não lutavam mais que três vezes ao ano. Ou seja, ser um Gladiador era melhor do que ser um escravo comum e ainda abria a oportunidade ao reconhecimento do público. Quando viajavam para lutar em outras cidades, deslocavam-se em grupos conhecidos como famílias e eram acompanhados pelo treinador. Os Gladiadores eram separados por categorias, para impossibilitar as desvantagens, que eram: trácios, murmillos, retiários, secutores e dimachaeri.

Estudos feitos em esqueletos desses combatentes mostraram que os derrotados que eram julgados pela plateia costumavam ser mortos por um golpe na jugular. Quando o lutador estava muito debilitado, ficavam de quatro e recebiam um golpe nas costas que chegava diretamente ao coração. A luta de gladiadores representava muito no Império Romano. Era a grande atração para o povo. Por esse motivo, os imperadores investiam muito nesses espetáculos, já que assim conseguiam conquistar a amizade do povo. E assim surgiu a chamada política de “Pão e Circo”. Os governantes distribuíam pão durante as lutas e assim conseguiam manipular as massas, oferecendo o que mais lhes interessava.

Dois imperadores, inclusive, entraram na arena para lutar, como foi o caso de Calígula e Cómodo. Naturalmente, as lutas foram sabotadas e eles venceram. Como mostra a História, a política de “Pão e Circo” surgiu na Roma antiga, e ainda hoje existe. Da mesma forma, o golpe e a sabotagem se eternizaram no meio político em todas as Nações. À medida que o progresso tecnológico avança, mais duvidosos se tornam os resultados das disputas para eleição de governantes. E não vai ficar assim. Vai piorar. O descrédito tomou conta da vida política, e a dúvida está presente em todos os certames.

A monstruosidade de Nero está solta, e seus asseclas estão espalhados nas guerras atuais, que a mídia nos mostra 24 horas por dia.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 27 de outubro de 2023

O JUDEU ERRANTE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O JUDEU ERRANTE

Violante Pimentel

 

Segundo a História, quando Nosso Senhor Jesus Cristo ia levando a Cruz para o Calvário, deteve-se um momento, para descansar, à porta de um sapateiro, que o não deixou parar, dizendo:

“Segue! Segue! Não descansarás aqui”.

E Nosso Senhor Jesus Cristo tomou outra vez a Cruz e disse: “Vou para onde descanse, e terás que caminhar até que eu volte”.

E assim o sapateiro tornou-se o Judeu Errante, que não poderá nunca descansar, enquanto Nosso Senhor não voltar à terra, no Dia de Juízo.

O sinal de uma cruz encarnada apareceu-lhe na testa, e deixou a mulher e os filhos, seguindo Nosso Senhor até ao Calvário. Depois, deixou Jerusalém e começou a sua longa e estranha peregrinação, que nunca terminou.

Seguiu, seguiu sempre, esse velho alto, descalço, com o cabelo caído sobre os ombros e uma ligadura negra em torno da testa para esconder o sinal da Cruz encarnada.

E segue, segue sempre, com o mesmo passo largo, por montanhas e através de desertos, e por todas as estradas longas e brancas do mundo.

Mas, uns momentos de descanso são-lhe por vezes permitidos. Se acontece passar por uma igreja cristã na manhã de domingo, quando vai começar a missa, pode entrar e estar lá parado, a ouvir o sermão. Mas não se senta nunca.

Em 1505, um tecelão da Boêmia, chamado Kokot, estava tentando descobrir um tesouro que o avô tinha escondido no palácio real. E quando andava cavando aqui e ali, ao acaso e sem resultado, passou o Judeu Errante:

“Teu avô estava enterrando o tesouro da última vez que por aqui passei”; – disse o Judeu Errante, “se bem me lembro, enterrava-o ali, ao pé daquele muro”.

Kokot, imediatamente, cavou ao pé do muro e lá encontrou o tesouro que tanto ambicionava. Mas, antes de poder agradecer ao Judeu Errante, o estranho peregrino já tinha desaparecido da sua vista.

O nosso País está cheio de judeus errantes, que ostentam na testa uma cruz encarnada, e vivem sofrendo no corpo e na alma o reflexo das maldades cometidas contra Jesus Cristo, o Messias.

As doenças do corpo e da alma não se curvam ao dinheiro. O poder de Deus é bem maior do que os remédios fabricados em laboratório. Milhões tirados dos mais fracos não tem o poder da cura.

A Cruz encarnada que o Judeu Errante carrega na testa, é o sinal do sangue de Cristo derramado na frente dos cristãos, que urgiam pela sua morte em plena via pública.

“Nem só de pão vive o homem”. O dinheiro compra coisas materiais, tratamento médico sofisticado, mas não compra a vida, nem a qualidade de vida.

Por isso, quem tem contas a ajustar com Jesus Cristo, levará nas costas o peso das maldades cometidas, até o Juízo Final.

Segundo o grande historiador norte-rio-grandense Luís da Câmara Cascudo, em “Dicionário do folclore brasileiro”, Ahasverus, o Judeu Errante, era um sapateiro em Jerusalém, que, ao ver Cristo passando com a cruz sobre os ombros, teria dito ao Salvador, empurrando-o: “Vá andando, vá logo”. Jesus, como represália, o teria condenado a vagar, sem descanso nem rumo certo, até o final dos tempos.

Conforme diz Marie-France Rouart, em “Dicionário dos mitos literários”, distintas denominações foram atribuídas ao herói: para os poetas alemães, ele se tornou o Judeu Eterno; para os ingleses, o Judeu Vagabundo; para os espanhóis, o Judeu que espera por Deus.

O mito recebeu várias interpretações ao longo dos séculos, em diferentes lugares, mas sempre mantendo essa estrutura básica. Embora as primeiras manifestações da lenda datem do século XIII, nos oitocentos é que o mito do Judeu Errante ganhou versões literárias que o celebrizaram: a epopéia “Ahasverus” (1833), de Edgar Quinet; o romance-folhetim “O Judeu Errante” (1844-1845), de Eugène Sue; e o romance inacabado “Isaac Laquedem” (1853), de Alexandre Dumas pai.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 20 de outubro de 2023

UM TEMPO ESTRANHO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM TEMPO ESTRANHO

Violante Pimentel

Estamos vivendo um tempo diferente, quando tudo que parecia ficção transformou-se na crua realidade.

Os dias se alongaram e as madrugadas trazem um sono perturbado, povoado de pesadelos, com o fantasma da guerra aterrorizando nossas noites, e vivendo dentro da nossas casas, trazidos pela mídia funerária.

 

 

As notícias que, no século passado, só eram transmitidas pela Voz do Brasil”, hoje nos são transmitidas, ao vivo e a cores, durante as 24 horas do dia. Estamos vivendo em contato com a guerra, vivendo a guerra e respirando a guerra, presente da era cibernética e da mídia funerária. O pavor da guerra, que aprendemos a ter desde criança, de repente tomou forma dentro da nossa casa, através da mídia televisiva.

Assiste quem quer, e basta desligar o aparelho. É fácil dizer isso. Mas, se estamos vivendo a era digital, não há como retrocedermos no tempo, e vivermos isolados em cavernas, para não saber do que se passa no mundo e sobre sua terrível evolução.

A guerra sempre povoou, como um fantasma, os gibis e histórias em quadrinhos. Mas hoje, esse fantasma criou corpo e alma e nos assombra durante as 24 horas do dia.

A depressão nunca esteve tão presente na vida do homem. Fugir da realidade é impossível.

Estamos vivendo uma triste realidade, onde a vida humana nunca foi tão banalizada. Cada pessoa tem seu grau e seu suporte de sofrimento. A dor entra em nós sem pedir licença.

Não devemos nos apegar à dor. O apego à dor é pior do que a própria dor.

Então, o que temos a fazer é enfrentar a realidade e assistir os horrores da guerra que adentram à nossa casa, através da mídia. Ou nos trancarmos num casulo, à parte do que acontece no mundo, e criando para nós um mundo falso e fantasioso, onde só existe alegria.

O sofrimento da guerra nos dá a dimensão exata de que o homem é a fera destruidora do próprio homem. Não existe amor fraterno, solidariedade, nem desejo de paz no mundo em que vivemos.

A paz é e será sempre uma utopia. Os homens poderosos tem o estopim da bomba nas mãos, e cada bomba deflagrada, representa para eles uma vitória.

Pouco importa o número de vidas humanas que se dizimam numa guerra. Os inocentes pagam pelos culpados e o sofrimento causado pelas guerras não comovem os poderosos.

Os romances de amor, que tem a guerra como cenário, são pura ficção. Mas existe um, que trago sempre na memória: Adeus às Armas, de Ernest Hemingway.

O Adeus às Armas é um livro de Ernest Hemingway, publicado em 1929. É um romance quase autobiográfico, contando a história de um americano que se resolve se alistar para servir ao exército italiano durante a Primeira Guerra Mundial.

Na Itália, ele conhece uma enfermeira de nome Catherine, por quem se apaixona loucamente. Inicialmente, seu interesse nela era apenas sexual, para fugir da mesmice que eram as mulheres da casa de prostituição local. Foi com o tempo, que o sentimento se transformou completamente.

Cath, como ele a chamava, correspondeu a sua paixão e começaram a viver uma intensa relação amorosa. Neste intervalo, o protagonista se envolveu em um acidente no campo de batalha, tendo a perna arrebentada por uma granada, que, inclusive, matou um de seus colegas.

Ele teve de passar meses e meses acamado no hospital de campanha, mas teve a sorte de contar com Catherine como uma de suas enfermeiras, e aproveitar a situação para tê-la por perto quase que por tempo integral.

O relacionamento se solidificou neste período. Catherine engravidou, e a perna do protagonista se recuperou. Ele teve de voltar para o campo de batalha, mas prometeu retornar o mais rápido possível para se casarem e darem seguimento a uma vida juntos.

Ao retornar, o protagonista já parecia completamente exausto do conflito. Não só ele, como a maioria dos seus companheiros. A guerra se estendia por tempo demais e alguns expressavam até o desejo de derrota, se isso significasse que poderiam ter finalmente paz.

Na volta ao front, ele se envolveu em alguns percalços que quase lhe tomaram a vida mais uma vez. Por fim, teve que sair do campo fugido.

A obra faz uma sintetização genial do que fora a Primeira Guerra. De como toda uma geração foi impactada por batalhas infindáveis, deixando vidas esgotadas, e esmagando esperanças por qualquer esquina em que se passava.

O protagonista começa alistando-se em um exército estrangeiro por conta própria. Excitado pela ideia de fazer parte de algo importante. No meio do caminho, percebe como as coisas se resignificaram ou, pior, nunca tiveram significado nenhum.

Termina desolado, sem chão, sem perspectivas. E chega à conclusão de que a guerra é uma ilusão e um terror.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 13 de outubro de 2023

A ROLETA DA VIDA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A ROLETA DA VIDA

Violante Pimentel

Minha memória musical é muito fértil, e eu guardo na lembrança canções que eu ouvia minha saudosa mãe, Dona Lia, cantarolar, desde que eu era menina, como esta: “A vida é uma roleta, gira, gira…” Somente anos depois, entendi o significado dessa música.

Na vida, nem tudo são flores. Devemos sorrir para a vida, enquanto a vida nos sorrir.

A roleta da vida gira e para em qualquer ponto, sem nos consultar. A verdadeira paz sonhada é uma utopia.

Onde mora a bandalheira, a paz não chega perto.

Os sistemas querem que os homens consumam o pasto do pão e do circo, que lhes é oferecido com muita generosidade. E que eles fiquem tranquilos, com a barriga cheia de pão e circo.

Onde se instala uma paz de estrebaria, o homem apodrece por dentro.

Paz de estrebaria, feita de pão e circo, de barriga cheia de divertimento, sem nenhum outro ideal. A paz que deixa tudo como está, que ignora a injustiça, que não se importa que alguns tenham sempre mais e que a maioria tenha sempre menos. Esta paz gerada por uma política de pão e circo não é para seres humanos, e sim para animais.

Se você tiver oportunidade de entrar numa estrebaria, não se importe com o cheiro. Veja os bois, as vacas, os cavalos, os porcos. Estão satisfeitos, pois acabaram de receber seu pasto. Estão de barriga cheia e até parecem rir. Não imaginam eles que a barriga cheia é sua perdição. Alguns animais recebem o pasto, para renderem mais no seu trabalho escravo; outros, estão na engorda para morrer.

Deixemos agora a estrebaria e vamos olhar para os homens. E olhando os homens, percebemos o sistema esfregando as mãos. Mais um pouco só e todos estarão transformados em robôs consumidores, gordos, rindo na estrebaria de sua inconsciência.”

É isto que os sistemas querem: que os homens consumam o pasto do pão e do circo que lhes é oferecido com muita generosidade e fiquem ali, tranquilos, sem incomodar, instalados na sua paz de estrebaria.

Viver é uma experiência sublime. Há pessoas que se jogam na grande aventura de viver, enfrentando todos os riscos. Como diz Roberto Carlos.

É preciso saber viver” (Roberto Carlos – 1974).

Se pedirmos a um cego para descrever-nos um pôr-do-sol, talvez nos admiremos, por ele fazê-lo melhor do que quem não é cego.

Mas ele não pode ter experiência: nunca viu um pôr-do-sol. Entretanto, ele ouviu falar do pôr-do-sol, leu, na sua linguagem, sobre o pôr-do-sol, e por isso consegue transmitir todas as emoções, ao descrever este belo momento do dia.

Carlos Galhardo – Roleta da Vida

 

 

A vida é uma roleta
Gira, gira
A sorte é uma mentira
Que logo se desfaz
Uns ganham venturas
Outros amarguras
E troca-se o prazer
Pelo sofrer

Tu foste em minha vida
O pano verde da ilusão
Em ti, como uma ficha
Eu arrisquei o coração
Tive delícias
De mil carícias
Ao começar
O olhar em fogo
Senti o jogo
Me alucinar!

Depois a sorte ingrata
Abandonou o jogador
Perdi no pano verde
O coração e o teu amor
E a roleta, indiferente
Ao meu penar
Prosseguiu, sem descanso
A girar, a girar


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 06 de outubro de 2023

*SEMODEZA* (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO AMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

“SEMODEZA”

Violante Pimentel

“Tenha modos, menino”! Tenha modos, menina!

Esta era a repreensão feita pelos pais ou avós, no século passado, quando um filho (a) ou neto (a), “fazia arte”, ou seja, era buliçoso (a), treloso, mexia no que não devia, ou quando as crianças queriam se esmurrar mutuamente.

Uma repreensão dos pais ou dos avós servia como um alerta para que fossem obedientes e não fossem agressivos. Às vezes, bastava um olhar de desaprovação dos pais ou avós, para que a criança entendesse que estava errada.

Os castigos aplicados eram ligados à privação de sair para brincar na rua, ou de ir ao cinema ou praia no final de semana. Tempos depois, também era castigo, a proibição de assistir televisão.

Nesse tempo, os pais ou avós eram livres para ralhar com os filhos e netos o quanto fosse necessário, dando-lhes conselhos que perdurariam para sempre. Isto fazia com que as crianças os olhassem com respeito e aprendessem a ser cordiais e sem agressividade. Daí, nascia a disciplina doméstica, indispensável à formação do caráter da criança, tarefa que os pais e avós tomavam para si, com seriedade. Não havia o descaminho hoje ensinado pelos veículos televisivos, e pelas redes sociais.

A era cibernética trouxe muitos avanços para a humanidade, mas, em contrapartida, trouxe muito prejuízo à família, na criação dos filhos, com a banalização da violência, dos costumes e do desrespeito aos mais velhos, principalmente pais e avós.

“Tenha modos!” é uma expressão que já não se usa. Os conselhos dos pais e avós, nos dias de hoje, são levados na brincadeira, sendo motivos de galhofa, por parte da maioria das crianças e adolescentes.

Atualmente, o maior castigo que os pais podem impor aos filhos, sejam eles crianças ou jovens, é tirar deles o celular e a internet, privando-os das redes sociais por algum tempo. São capazes de entrar em depressão, com um castigo desse tipo. Essa privação é uma forma de educar.

Desde a sua invenção, o celular passou a ser a peça mais importante na vida dos jovens e adultos.

É comum, numa sala de espera para qualquer atendimento, as pessoas que ali aguardam sua vez, se contentarem em “conversar” apenas com o celular, evitando encarar as pessoas ali presentes. Não se faz mais amizade, nas longas esperas para atendimento médico ou outro qualquer.

O ser humano se sente, cada vez mais, sozinho, tendo como principal rival o celular.

A escola recebe os alunos, esperando que eles tenham recebido em suas casas o mínimo de educação doméstica. Infelizmente, isso é uma utopia no mundo atual. A educação doméstica, nos tempos modernos, é “terceirizada”. O convívio entre pais e filhos, logo cedo, é prejudicado, pela evolução dos costumes, com a mulher trabalhando fora de casa.

Logo cedo, a criança é tirada do ambiente familiar para as creches, onde passam o dia convivendo com as “tias”, e depois passam logo para as escolinhas. Em casa, o trabalho e dedicação das mães também é “terceirizado”, passando a criança a conviver mais com as babás do que com elas. E muitas crianças terminam vendo como mãe a própria babá.

Essa decadência familiar é fruto do progresso.

“Tenha modos!”, não se diz mais. A expressão caiu em desuso.

Entretanto, a “semodeza”, ou indecência, se alastrou pelo nosso País em todos os aspectos. Com os novos métodos de educação, o que era errado agora é certo, e nada mais é “ilegal, imoral ou engorda” (canção de Roberto Carlos – 1976)).

A “semodeza” tomou conta da sociedade capitalista e cresceu sem limites, principalmente na vida pública e política do nosso País.

Entretanto, a Natureza é inexorável, e mais cedo ou mais tarde, se vingará exemplarmente da violação de suas leis.

A bola da vez, agora, é a descriminalização do aborto.

Pois bem. O aborto, praticado por comodidade ou conveniência, é um crime, e como tal, terá o seu castigo. Mestre Mundo não perdoa. Ele dá muitas voltas, mas chegará o dia em que acertará as contas com o devedor.

Quem pratica um ato de maldade, cedo ou mais tarde colherá seu fruto.

O palco da vida chega a dar medo. Quando se abrem as cortinas, os papeis se invertem. É a hora da colheita. Na vida, só se colhe o que se planta.

Como cantava uma ceguinha na feira de Nova-Cruz, na calçada da bodega do meu saudoso pai:

“O que a gente faz aqui, aqui mesmo a gente paga.

Não estou rogando praga, você vai pagar aqui…

Lá em cima tem o Criador, o Nosso Senhor com um livro na mão. E lá de cima ele está vendo tudo, está tomando nota, prestando atenção.

Não vá pensar que vai ficar assim; o que você fizer aqui, aqui mesmo vai pagar…São palavras de um velho ditado, se achar que está errado, procure modificar…”

Por enquanto, assistimos ao desenrolar da comédia humana, até que venha o reverso da medalha.

“No picadeiro ao léu, palhaços sem papel, somos todos nós, falseando a voz, e a plateia chora, rindo.”

 

 

Ri, podes rir, não faz mal
Todo o amor, afinal
Deixa um peito sangrando
Um coração chorando
Alguém se lamentando
Ri, quanta gente infeliz
A sorrir, ninguém diz
Leva a vida cantando
A própria dor negando
O seu amor calando
No picadeiro, ao léu
Palhaços sem papel
Somos todos nós falseando a voz
E a plateia chora rindo


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de setembro de 2023

A PRIMAVERA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A PRIMAVERA

Violante Pimentel

A primavera, no Brasil, inicia-se entre os dias 22 e 23 de setembro e termina no dia 20 de dezembro. Essa estação é caracterizada por apresentar dias com temperaturas amenas, e em algumas regiões, também ocorre a floração de diversas plantas.

Mesmo sendo a primavera conhecida como a estação das flores, essa é uma característica presente, apenas, em algumas regiões do planeta. No Brasil, as estações do ano não são bem definidas e o período de floração das plantas ocorre em épocas distintas, não apenas na primavera, variando de acordo com as espécies. No Cerrado, por exemplo, os belíssimos e coloridos ipês florescem no inverno, trazendo uma coloração deslumbrante à paisagem seca.

A primavera no Brasil é mais caracterizada como uma estação de transição entre o inverno e o verão. Na primavera, após o fim do inverno seco, iniciam-se as chuvas que são mais frequentes com a chegada do verão. As temperaturas também são mais amenas, embora, em muitas regiões do país, o inverno não seja necessariamente uma estação de frio excessivo.

O Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Nova-Cruz (RN), onde cursei o Primário e o Ginasial (década de 60), festejava a chegada da Primavera, em setembro, com uma tarde festiva, sempre num domingo, com uma programação artística organizada pela freiras (Franciscanas), e pela exímia pianista Cornélia Valença, professora de música.

O final da tarde festiva era apoteótico, com a apresentação de um bailado, ensaiado por uma professora de dança, onde trinta alunas bailavam ao som da canção “Igualdade Ilusória”, da autoria de Vicente Celestino. A letra dessa canção faz uma comparação entre a Primavera e a Mocidade, tema que emocionava o público. O final do bailado era emocionante, cheio de lirismo, uma verdadeira ode à Primavera e à Mocidade.

“A Primavera Vai e Depois Volta, a Mocidade Não nos Volta Mais”, versos decassílabos e cheios de lirismos, emocionavam as famílias ali presentes.

A festa era abrilhantada com fundo musical belíssimo, onde a exímia pianista e professora de música, Cornélia Valença, executava emocionantes canções.

O Colégio organizava tardes artísticas inesquecíveis, que continuam guardadas na minha memória e no meu coração.

Merece ser lembrada a família Valença, de Nova-Cruz, onde os irmãos Francisquinha Valença, Nelita, Antônio e José (gêmeos) eram grandes artistas, além da tia, pianista Cornélia Valença, que acompanhava todas as apresentações. Os membros da família Valença formava uma verdadeira trupe. Encantavam a todos nas festas do Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Nova-Cruz.

Geraldo Valença, irmão de Cornélia, também era um grande pianista, e alegrava as festas do Comercial Atlético Clube de Nova-Cruz.

A família Valença era muito católica e participava de todos os eventos religiosos.

Cornélia Valença dirigia o Coro Paroquial de Nova-Cruz. Musicista ilustre, foi autora do Hino em honra do Bispo Dom Adelino Dantas e do Hino da Semana Rural de Nova-Cruz (década de 60).

 

* * *

Igualdade Ilusória – Vicente Celestino

 

 

A primavera é uma estação florida
Cheia de imenso e divinal fulgor
De flores enche o coração da vida
E enche de vida o coração da flor
De flores enche o coração da vida
E enche de vida o coração da flor

A mocidade é uma estação ditosa
Cheia de risos, ideal prazer
E as almas sentem um viver de rosa
Na mocidade, a rosa do viver
E as almas sentem um viver de rosa
Na mocidade, a rosa do viver

Na primavera há profusão de cores
As flores brotam no rochedo bruto
Depois o fruto que há de vir das flores
E as novas flores que hão de vir do fruto
Depois o fruto que há de vir das flores
E as novas flores que hão de vir do fruto

Ambas se adornam de um viver risonho
Iguais parecem, ambas são de amor
Na mocidade faz nascer o sonho
A primavera faz nascer a flor
Se a mocidade faz nascer o sonho
A primavera faz nascer a flor

Iguais parecem quando a vida as solta
E no entretanto, elas não são iguais
A primavera passa e depois volta
E a mocidade não nos volta mais
A primavera passa e depois volta
E a mocidade não nos volta mais


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de setembro de 2023

DOCES LEMBRANÇAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE IMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DOCES LEMBRANÇAS

Violane Pimentel

A Praia de Camurupim está localizada no litoral sul do Rio Grande do Norte, no município de Nísia Floresta, a cerca de 30km da capital, Natal. É uma das praias mais bonitas do Estado.

Pois bem. Andrea era ainda menina, e com a mãe aprendeu a fazer cocada de coco com leite condensado. Sua família possuía uma pousada na Praia de Camurupim. Logo as cocadas passaram a fazer parte das sobremesas da pousada, e se tornaram um sucesso. De sabor inesquecível, quem comesse daquelas cocadas, jamais esqueceria o sabor.

Na Praia de Camurupim, as cocadas tornaram-se conhecidas e preferidas pelos veranistas. Eram a principal sobremesa. O seu gosto permaneceu na lembrança da freguesia, mesmo depois que a pousada fechou.

O tempo passou, a pousada foi vendida, e há vários anos a família de Andrea é proprietária de um atelier, onde se faz consertos de roupas, num bairro nobre de Natal.

O pai já faleceu, mas ela e a mãe trabalham diariamente no atelier, com o auxílio de competentes costureiras. É o melhor atelier da cidade.

Por saudosismo e por gostar de cocada, uma vez por outra Andrea leva para o atelier, como lanche, uma “produção” caseira de cocadas, iguais àquelas que fazia com a mãe, quando era menina, na pousada da Praia de Camurupim.

Na verdade, Andrea nunca deixou de fazer cocada, uma das suas iguarias preferidas, e agora dos seus filhos.

Certo dia, presenteou uma cliente com duas cocadas, embaladas em plástico transparente e ornamentada com um lacinho de fita. Ao chegar em casa, a cliente, por ser diabética, repassou o presente ao casal de amigos que eram seus vizinhos.

A vizinha gostou muito e se emocionou, lembrando-se das cocadas que comia em Camurupim, nos veraneios da sua infância. Fez questão de pedir o endereço de Andrea. No dia seguinte, foi até lá, perguntar se aquelas cocadas haviam sido feitas pela mesma pessoa, que as fazia, décadas atrás, numa pousada da Praia de Camurupim, durante o veraneio.

A sua emoção foi grande, ao descobrir que Andrea do atelier, hoje casada e mãe de família, era a mesma pessoa que, ainda menina, ajudava a mãe a fazer aquelas cocadas maravilhosas e inesquecíveis.

As duas mulheres se abraçaram, emocionadas com o reencontro. De repente, as lembranças de uma infância feliz tomou conta delas.

Andrea chorou, ao se lembrar do pai, hoje falecido, e que, era o dono da Pousada de Camurupim. Era ele quem mais gostava das cocadas que a filha e a esposa faziam.

Doces lembranças, que o tempo nunca apagará.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de setembro de 2023

AGORA É TARDE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOMANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AGORA É TARDE

Violante Pimentel

A língua portuguesa é muito rica, e possui expressões que remontam a personagens e fatos históricos, absorvidos pela sociedade e que tem se propagado através dos tempos.

Como exemplo, cito a secular expressão “Agora é tarde; Inês é morta”, hoje inserida na sabedoria popular e em composições brasileiras, como Dona da Casa (Antônio Carlos & Jocafi – 1998). Quase todas as pessoas sabem o seu significado, mas nem todas tem a curiosidade de saber sua origem.

Pois bem. É à Inês de Castro (1323 a 1355), que se refere esse jargão português.

Inês de Castro era a dama de companhia de Constança Manuel, esposa de Pedro I de Portugal, herdeiro da coroa portuguesa. Inês e Pedro I viveram uma grande paixão.

Logo a notícia do romance se espalhou pela corte, causando um grande desconforto à família real. O pai de Pedro I, o rei D. Afonso IV, ordenou o exílio de Inês de Castro no castelo de Albuquerque, na fronteira castelhana.

Mesmo assim, Inês e Pedro I continuaram amantes.

Apesar de casado, o então príncipe Pedro I manteve com Inês uma relação proibida, mas nem tão secreta, que gerou quatro filhos. Depois da morte da esposa oficial, a princesa de Castela Constança Manuel, Dom Pedro I, contrariando o pai, pôs fim ao exílio de Inês e a trouxe para a sua companhia, passando a viver com ela abertamente, o que gerou um escândalo na corte.

Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, conselheiros do rei Afonso IV, o pressionaram, no sentido de adotar uma atitude radical, com vista à execução de Inês. Temia-se pela perda da independência, pois os Castros pertenciam a uma poderosa família galega, que tudo faria para ver no trono um seu familiar. Em face dos argumentos utilizados pelos conselheiros, que exprimiam junto ao rei a vontade popular, D. Afonso IV autorizou a degolação de Inês de Castro, em 7 de Janeiro de 1355, conforme o testemunho documental Chronicon Conimbrigense.

Com a morte de D. Afonso IV, D. Pedro I foi declarado rei de Portugal.

Como autoridade real, declarou que se havia casado clandestinamente com Inês, com quem tivera quatro filhos.

Dessa forma, na condição de rei, D. Pedro I concedeu à falecida Inês de Castro, o título póstumo de rainha de Portugal. E de forma assombrosa, colocou o cadáver putrefato de Inês no trono, pôs uma coroa em sua cabeça e obrigou toda a corte a beijar-lhe a mão.

Mesmo assim, era impossível ao rei, exercer o reinado ao lado de uma rainha morta. Nada mais a traria de volta à vida.

Daí, surgiu a expressão “Agora é tarde; Inês é morta”, como uma coisa que não tem mais jeito.

O caso se trata de uma tragédia, história de final macabro, tal qual Romeu e Julieta, de William Shakespeare, com a diferença de que foi uma história real, que teve como palco as cidades de Coimbra e Alcobaça, em Portugal, enquanto Romeu e Julieta se trata de uma ficção.

O episódio ocupa as estâncias 118 a 135 do Canto III de Os Lusíadas, de Luís de Camões, publicado em 12 de março de 1572. O poema relata o assassinato de Inês de Castro, em 1355, pelos ministros do rei D. Afonso IV de Borgonha, pai de D. Pedro I, seu amante. É narrado, em sua maior parte, por Vasco da Gama, que conta a história de Portugal ao rei de Melinde.

O poeta seguiu parcialmente a História de Portugal, quando se referiu à paixão do príncipe herdeiro pela aia da sua mulher. E conta que, apesar das súplicas de D. Inês, as pressões dos conselheiros foram mais fortes, sobrepondo-se às razões de Estado ao direito à própria vida. Esta morte originou uma discórdia entre o príncipe e o rei, a quem Pedro I responsabilizou pela execução da amada.

Durante muito tempo, as relações entre ambos permaneceram em conflito, até à celebração do Instrumento do pacto de amnistia e concórdia, entre D. Afonso IV e seu filho D. Pedro I, após a grande intriga que houve entre os dois por causa da morte de D. Inês.

Depois da morte de D. Afonso IV, D. Pedro I subiu ao trono para vingar Inês, apesar de anteriormente ter jurado perdoar os conselheiros de seu pai.

Álvaro Gonçalves e Pêro Coelho, que se encontravam resguardados no reino vizinho, foram devolvidos a Portugal pelo rei de Castela, que fizera um pacto neste sentido com o rei português. D. Pedro I foi assistir ao massacre destes dois responsáveis pela execução de D. Inês, sujeitando-os a uma cruel morte, em que lhes foi arrancado o coração. Diferente destino teve Diogo Lopes Pacheco, que escapou à terrível vingança, por não se encontrar em casa nessa ocasião e ter fugido, logo que o avisaram do sucedido.

D. Pedro I pretendeu provar que casara, clandestinamente, com Inês de Castro, por temer o pai. Em Julho de 1360, prestou juramento e apresentou como testemunhas do acontecimento D. Gil, Bispo da Guarda, e Estêvão Lobato, um empregado do rei. No entanto, esta tardia declaração levantou muitas dúvidas relativamente à sua veracidade. Também não há a certeza moral da sua nulidade (bem ao contrário).

Luís de Camões descreveu o romance entre Inês de Castro e D. Pedro I, mesclando-o com passagens saídas de sua imaginação poética. Inicialmente, apresenta a linda donzela inserida num cenário idílico, onde há uma tranquilidade e beleza condizentes com o mútuo amor que unia o casal, como transparece nos seguintes versos:

“Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas. (Canto III, est. 120)”

Dona da Casa – Antonio Carlos & Jocafi

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de setembro de 2023

O TELEGRAMA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O TELEGRAMA

Violante Pimentel

Em Nova-Cruz (RN), há décadas, entrando pelo século passado, o casal Dona Rita e Seu Nicanor recebeu um telegrama do Recife, comunicando que seu filho Zenilton, caminhoneiro, havia morrido num acidente de caminhão.

O clamor foi geral e a notícia se espalhou pela cidade, deixando a população arrasada. Todos lamentavam a morte do jovem rapaz.

 

 

Os pais e irmãos choravam desesperados, sem saber como se comunicar com a pessoa de Recife, que subscreveu o telegrama, pois o nome era desconhecido.

Nesse tempo, os meios de locomoção e comunicação eram limitados. O trem para Recife só partia às 3 horas da manhã. A família estava desnorteada, pois não tinha parentes em Recife e não sabia a quem se dirigir, para se inteirar dos detalhes do acidente, e saber se o corpo da vítima poderia ser trasladado para o sepultamento em Nova-Cruz.

O desespero tomou conta de todos, e ninguém sabia por onde começar, para providenciar o traslado do corpo do seu ente querido para Nova-Cruz.

O entra e sai na casa do casal era interminável e a solidariedade tomou conta da cidade.

Pois bem. No final da tarde, quando menos se esperava, estacionou um caminhão na frente da casa dos pais de Zenilton, e, como um fantasma, desceu da boleia a “própria vítima” do suposto acidente, bonzinho da Silva, intacto, sem entender porque havia tanta gente na casa dos seus pais, que era a sua própria casa.

Foi desmaio “a torto e a direito”, e nunca apareceu o responsável pelo telegrama. Havia mil suspeitos na cidade, rapazes astuciosos e baderneiros, capazes de forjarem qualquer coisa contra alguém, somente por maldade e para se divertir com o sofrimento alheio. Mas ninguém tinha provas de quem poderia ter sido, para poder acusar.

No final das contas, o suspeito principal terminou sendo o próprio Zenilton, que, depois de algum tempo, passou a dar ótimas risadas, quando alguém tocava no assunto do telegrama.

Seus pais, beirando os 60 anos, e sem acreditar que o filho estivesse vivo, demoraram a sair da prostração em que ficaram, com a notícia contida no telegrama.

É impressionante, como tem gente pra tudo neste mundo. E ainda sobra alguém pra tocar flauta.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de setembro de 2023

AS APARÊNCIAS ENGANAM (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS APARÊNCIAS ENGANAM

Violante Pimentel

Quase sempre, somos levados pelas aparências. Não somente pela aparência física, como por uma voz bonita, traquejo social, educação e cultura. A voz, então, é um fator que engana muito.

O que mais distancia as pessoas, não é o dinheiro, mas a educação e o caráter.

Aí, vem o ditado popular: “Nem tudo que reluz é ouro.” Nem sempre um elogio é verdadeiro. Muitas vezes, por trás de um elogio açucarado, existe ronia e despeito.

 

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Antigamente, quando não existia televisão nas cidades do interior, à noite, a distração era conversar nas calçadas, onde se reuniam amigas e amigos verdadeiros. Nesse tempo, em Nova-Cruz, não existia ladrão, salvo ladrão de galinha. Podia-se ficar nas calçadas até tarde, compadrio tranquilamente, sem medo de malfeitor. E as amizades eram verdadeiras.

Era um tempo bem melhor, pois a era cibernética era utopia, e tudo era verdadeiro. As amizades e conversas eram “olho no olho”, sem espaço para demagogia.

As conversas na calçada eram uma higiene mental maravilhosa, como se a calçada fosse um divã de relax. As conversas eram desabafos de problemas do dia a dia, comuns a quase todas as famílias.

A solidariedade humana era a marca maior da vizinhança. Todos formavam uma irmandade e o compadrio era comum. Padrinhos, madrinhas e afilhados completavam as famílias.

O calor humano e a certeza de amizades sinceras eram o marco maior de uma época distante. Ninguém precisava falar por telefone, que não existia, e, quando muito, em assuntos urgentes, a comunicação era por cartas e telegramas. Notícia de tragédia, era comunicada através do telégrafo da estação ferroviária.

Pois bem. “Pra não dizer que não falei de flores”, vou falar sobre uma linda borboleta, que adorava flores, e foi eleita “miss” de um belo jardim.

Pois bem. – Miss borboleta, todas as manhãs, pousava em cada flor de um jardim, com toda sua graça. Todos a cercavam, queriam apalpá-la e contemplar de perto o fulgor de suas asas. Muito ancha por se sentir querida, “miss” borboleta, distribuía carinhos e deixava-se apalpar, de mão em mão. Não imaginava que nos dedos delicados que a apalpavam, ia deixando aos poucos o pó de ouro de suas lindas asas. Assim, de mão em mão, as asas perderam aquele tom dourado maravilhoso, orgulho das borboletas.

Aos poucos, “miss” borboleta perdeu o brilho e o viço, tornando-se uma borboleta sem graça. Os admiradores sumiram e ninguém mais a cortejava.

É o reverso da medalha. A “miss” borboleta sentiu arrependimento tardio, por não ter percebido, a tempo, que quem a cortejava somente queria o pó de ouro de suas asas.

A história de “miss” borboleta é a mesma de muitas pessoas vaidosas, que terminam sendo vítimas de suas próprias ilusões.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 25 de agosto de 2023

A RIQUEZA DA MÚSICA BRASILEIRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A RIQUEZA DA MÚSICA BRASILEIRA

Violante Pimentel

“Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.” (Artur da Távola – 1936 – 2008)

A música brasileira sempre foi muito diversificada e rica, a começar pelas Modinhas do século passado, que eram poemas musicados, cheios de lirismo, e que encantavam seresteiros e boêmios apaixonados.

As serenatas eram verdadeiras declarações de amor, em forma de música, nas noites escuras ou enluaradas, quando a era cibernética era uma utopia. Não havia violões elétricos, e no silêncio da noite, as serenatas eram aguardadas com ansiedade, pelos corações enamorados.

Em Nova-Cruz (RN), onde nasci e me criei, demorou muito a ter energia elétrica. O progresso custou muito a chegar. Os violões elétricos não existiam, o que aumentava ainda mais o romantismo das serenatas, nas noites de luar.

São lembranças que o tempo jamais apagará.

O lirismo de antigamente sumiu no tempo e no espaço.

A música atual tem como focos principais a harmonia e o ritmo. A poesia vem em último lugar.

É a evolução dos tempos.

Décadas atrás, entrando pelo século passado, havia composições musicais, principalmente carnavalescas, com letras hilárias, de insultos à mulher. Eram músicas de xingamento e desforra, em brigas de casais, por causas variadas e hilárias, onde, costumeiramente, quem pagava o pato era a figura da sogra.

Um detalhe interessante é que os xingamentos, naquela época, não baixavam o nível, como acontece em muitos forrós atuais, de brigas de casais, onde as palavras mais inocentes são “rapariga, “cachorra” e “mulher de cabaré “.

Dando um mergulho no passado, encontrei estas canções antigas, hilárias, verdadeiros recados com desaforos, entre marido e mulher:

“FAUSTINA” , da autoria de Wilson Batista (gravada por Jorge Veiga e também por Moreira da Silva), e “CALA A BOCA, ETELVINA . 

* * * 

 

Faustina, corre aqui depressa,

Olha quem está no portão
É minha sogra com as malas,
Ela vem resolvida a morar no porão.
Vai ser o diabo, vamos ter sururu com o vizinho.
Não estou pra isto, eu vou dar o fora,
Decididamente, eu vou morar sozinho.
É minha sogra, mas tenha paciência.
Não há quem possa com essa jararaca.
Meu sogro foi de maca pra assistência,
Com o corpo todo retalhado à faca.
Mas comigo é diferente,
Não tenho medo desta cara feia,
Pego a pistola e desperdiço um pente,
Ela descansa e eu vou pra cadeia. 

* * * 

 

Eu já vi que a minha sina
É viver pra te aturar
Cala a boca, Etelvina
Sossega a língua ferina
Apague a luz
Que amanhã vou trabalhar
Vou me levantar de manhã cedo
Que eu tenho medo de perder o trem
Deixa-me dormir, por caridade
Pois o trem da Piedade
Não espera por ninguém quando vem


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 18 de agosto de 2023

A DIFÍCIL CONVIVÊNCIA HUMANA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A DIFÍCIL CONVIVÊNCIA HUMANA

Violante Pimentel

Nascida em 5 de maio de 1917, em uma família pobre da cidade de Rio Claro (SP) Dalva de Oliveira era filha de um carpinteiro mulato chamado Mário de Paula Oliveira, conhecido como Mário Carioca, e da portuguesa Alice do Espírito Santo Oliveira.

Em 1935, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, em busca de uma vida melhor. Passou a frequentar o Cine Pátria, onde conheceu seu grande amor Herivelto Martins e passou a cantar em dueto com ele. Iniciaram um namoro e, um ano depois, alugaram uma casa e foram morar juntos. Dalva era solteira e Herivelto Martins ainda estava casado no civil com outra mulher. A união dos dois só se consolidou oficialmente em 1937, quando saiu o desquite dele. Eles se casaram somente no civil, pois ainda não havia divórcio no Brasil. O casamento foi comemorado em um ritual de Umbanda, na praia, já que esta era a religião de Herivelto, embora Dalva fosse católica.

A união gerou dois filhos: Os cantores Peri Oliveira Martins, o Pery Ribeiro, e Ubiratan Oliveira Martins. Em 1947, as constantes brigas, traições e crises violentas de ciúme e humilhações por parte de Herivelto, fizeram com que o casamento fosse por água abaixo.

Muito ciumento, injúrias e difamações contra Dalva, foram publicadas por Herivelto, no “Diário da Noite.”

Por ser cantora, sempre era discriminada e apontada como dona de uma moral duvidosa. Estes escândalos forjados fizeram com que ela perdesse a guarda dos filhos, maldade postulada por Herivelto Martins. O Conselho Tutelar determinou que as crianças fossem internadas em uma instituição, sob a alegação de que a mãe não tinha condições morais de conviver com os filhos. Isso fez com que ela entrasse em desespero e depressão, aumentando as brigas entre o casal. Os meninos só poderiam visitar os pais nos finais de semana e datas festivas, e só poderiam sair do Internato, definitivamente, com dezoito anos. Dalva lutou muito pela guarda dos filhos, mas não conseguiu e sofreu bastante com isso.

Em 1949, o casal oficializou a separação, se desquitando, já que ainda não havia divórcio no Brasil.

Depois da separação oficial do casal e o fim da primeira formação do Trio de Ouro, Herivelto e Dalva iniciaram uma discussão, inclusive através das composições que gravavam, fato muito explorado pelos jornais e revistas da época. Depois de uma pequena turnê na Venezuela, Herivelto saiu de casa, e tirou de Dalva a guarda dos filhos, e os mandou para um internato. Passou a publicar em todos os jornais que Dalva era prostituta e que promovia orgias dentro de casa, o que resultou nas mencionadas agressões mútuas através de músicas que iam sendo gravadas.

Em 1946, Herivelto passou a namorar a aeromoça Lurdes Nura Torelly, uma mulher desquitada, que tinha um filho do primeiro casamento. Ela vinha de uma família rica, sendo prima do conhecido comediante de alcunha Barão de Itararé. Em 1952, o casal passou a viver junto, tendo oficializado a união em 1978. Herivelto e Lurdes geraram três filhos: Fernando José (já falecido), Yaçanã Martins e Herivelto Filho, além dele criar o filho de Lurdes como seu. O casamento durou 38 anos, até a morte de Lurdes, em 1990.

Em 1950, Dalva de Oliveira retomou a carreira solo, lançando os sambas Tudo acabado (J. Piedade / Osvaldo Martins) e Olhos verdes (Vicente Paiva), e o samba-canção Ave Maria (Vicente Paiva / Jaime Redondo), sendo os dois últimos, grandes sucessos da cantora.

Em 1952, depois de se consagrar mais uma vez na música mundial e ter sido eleita “Rainha do Rádio” de 1951, Dalva de Oliveira resolveu excursionar pela Argentina, para conhecer o país e cantar em Buenos Aires. Nessa ocasião, conheceu Tito Climent, que se tornou primeiro seu amigo, depois seu empresário e mais tarde, seu segundo marido. Então, Dalva se mudou para Buenos Aires, indo morar na casa de Tito, antes da união oficial. Dalva não queria mais ter filhos por conta de sua carreira, que tomava muito seu tempo, mas sempre quis ter uma menina. Por isto, adotou uma criança em um orfanato de Buenos Aires, a quem batizou de Dalva Lúcia Oliveira Climent. Dalva e Tito, após dois anos morando juntos, casaram-se oficialmente em um cartório na Argentina, e viveram juntos por alguns anos. No começo, a união era muito feliz, e criavam a filha com muito amor.

Depois de mais de quatro anos de casamento, o casal passou a viver brigando, também por conta da carreira de Dalva, que vivia viajando, e de seus filhos, a quem constantemente ela visitava no Brasil. Isso desagradava o marido, que queria que ela esquecesse sua carreira e seu passado no Brasil, e vivesse exclusivamente para ele e a filha, mas ela não acatou essa imposição.

Dalva era uma mulher simples e querida por todos. Fazia amizade com facilidade, e o marido não gostava dessa popularidade. Por ele, ela seria mais chique e requintada, sempre em cima dos saltos. Essa grande diferença de temperamentos, resultou em brigas e humilhações dele para ela, e o amor que os unia se diluiu no tempo e no espaço. O casal se separou e Dalva voltou para o Rio de Janeiro com a filha. Meses depois, Tito entrou na justiça, pedindo a guarda da menina, e ela voltou com a filha para Buenos Aires, onde entrou com um processo contra o marido. Para acompanhar o processo até o fim, Dalva de Oliveira deixou sua carreira no Brasil e passou a morar com a filha em Buenos Aires, até a decretação da sentença do Juiz.

Dalva e Tito passaram a brigar muito pela guarda da criança, com brigas verbais e mútuas acusações, mas Tito acabou usando as mesmas provas que Herivelto utilizou: As notícias mentirosas em jornais a respeito da moral duvidosa da cantora. Muito triste e infeliz, Dalva, perdeu a guarda de sua filha e voltou sozinha para o Brasil.

Ela retomou sua carreira, fazendo mais sucesso do que nunca. Em 1963, já há alguns anos separada, a separação oficial finalmente foi deferida pelo juiz, já que casamento entre estrangeiros, na época, demorava muito a ser transformado em divórcio.

Dalva de Oliveira voltou a Buenos Aires para assinar os papéis e se divorciou de Tito, voltando logo em seguida para o Brasil. Seus pequenos momentos de felicidade ocorriam quando seus três filhos a visitavam nas férias escolares de Janeiro. Iam visitar a mãe no Rio de Janeiro, e passavam um mês com Dalva, em sua mansão. A cantora cancelava todos os shows do mês para ficar com eles. Seu desejo era poder viver com os três, sempre juntos, um sonho que não pôde realizar. Os anos se passaram. Dalva vivia sozinha em sua mansão, e já havia se acostumado com a solidão.

Para compensar a tristeza, passou a ter relacionamentos sem compromisso, e namoros rápidos, sem pretensão de casar novamente. Também não tinha tempo de dedicar-se a um relacionamento, pois viajava o mundo em turnês musicais. Estava concentrada em sua carreira e fazendo mais sucesso ainda, quando, sem estar à procura, ela conheceu Manuel Nuno Carpinteiro, um homem vinte anos mais jovem, por quem se apaixonou perdidamente, e com quem redescobriu o amor. Com poucos meses de namoro, ele foi morar na sua casa. Com alguns anos juntos, se casaram oficialmente. Este foi o seu terceiro e último marido. Ao assumir o namoro, foi alvo de muitos preconceitos, mas preferiu fazer o que seu coração pedia.

Em 19 de agosto de 1965, Dalva e Manuel, na época ainda namorados, sofreram um grave acidente de carro. Ele dirigia o veículo embriagado, e acredita-se que haviam discutido por causa de ciúme. Manuel perdeu o controle, atropelando e matando quatro pessoas. Dalva ficou em coma durante alguns dias, teve afundamento no maxilar esquerdo, bacia fraturada e ficou com uma marca na bochecha que, apesar de vários procedimentos cirúrgicos, não foi possível a recuperação total. Ao saber que Dalva estava bem e fora de perigo, Manuel assumiu a culpa pelo acidente, pois na verdade era ele que estava dirigindo. Dalva se desesperou ao saber que haviam morrido quatro pessoas, e que ela teria que pagar as indenizações aos familiares das vítimas. Isso contribuiu para o seu prejuízo patrimonial.

Dalva de Oliveira morreu em 30 de agosto de 1972, na casa de saúde Arnaldo de Morais em Copacabana, na presença de seus filhos, Pery Ribeiro, Bily e Gigi, vítima de uma hemorragia interna, causada por um câncer de esôfago. Seu corpo está enterrado no Cemitério Jardim da Saudade, na Cidade do Rio de Janeiro.

 

Herivelto Martins & Pery Ribeiro – Ave Maria no Morro

 

 

Que Será – Dalva de oliveira

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 11 de agosto de 2023

BOI DE PIRANHA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BOI DE PIRANHA

Violante Pimentel

O império dos cornos é o paraíso dos homens ricos, poderosos e “fuderosos” (com a devida vênia). Quanto mais dinheiro eles tem, mais se interessam por mulheres burras, mas belas, cujos filhos “são políticos ou tarados” (viva Juca Chaves!).

Insinuantes e de beleza chocante, mesmo à base de silicone, botox, ou bisturi, a beleza marmórea das mulheres “plastificadas”, para certos homens, compensa o custo-benefício.

O avanço da cirurgia plástica faz da estética do corpo um milagre. É uma pena que, para melhorar a beleza da alma e do caráter, não exista plástica, cadeia ou escola rígida que dê jeito. Ladrão nasce, cresce e morre sendo ladrão.

O mau-caratismo é uma doença crônica, que se manifesta logo cedo. Não tem cura. E fascina aqueles que recebem as migalhas do poder.

Há aqueles que metem a mão na massa, se locupletam com o dinheiro público e se dão bem. Outros não tem a mesma sorte. Passam a vida bajulando os peixões, e, como sardinhas, pagam o pato, na hora “h”, por tudo de mal feito que os grandes praticam. Só recebem as migalhas e a fama de maus.

Os mais fracos são usados como “boi de piranha”, nas roubalheiras e falcatruas praticadas pelos poderosos.

Ver as sardinhas pagarem o pato pela desonestidade dos tubarões, é revoltante. São atos criminosos, que adoecem as pessoas providas de sentimento humano.

Pois bem. Completando a salada, juntei “alhos com bugalhos”, só pra contrariar os que se consideram “certinhos”.

Somente os iguais aceitam a maldade que está sendo praticada nas imorais CPIs, mostradas na mídia.

Enquanto os grandes se banqueteiam com lagosta e caviar, regados a vinhos caríssimos, gargalhando, como se estivessem assistindo ao desenrolar da comédia humana, os peixes miúdos são humilhados, tendo a saúde e a família abaladas

Os “Andersons” da vida representam o boi de piranha da expressão popular brasileira. Os inocentes pagam pelos pecadores, que assistem de camarote à comédia humana.

“Boi de piranha” é uma expressão popular brasileira, usada para se referir a um indivíduo que é escolhido para levar a culpa pelo erro de um grupo todo, envolvido em tramoia. É usada quando alguém leva sozinho a culpa de um infortúnio.”

Alguém é sempre o “boi de piranha”, quando há uma situação de conflito no alto escalão da política do nosso País.

Segundo o professor Ari Riboldi, “o boi de piranha é aquele que se submete ou é submetido a um sacrifício, para livrar outra pessoa de uma dificuldade ou da culpa”.

No seu livro O Bode Expiatório, o professor conta que a expressão surgiu da antiga necessidade de atravessar o gado em rio com piranhas. O boiadeiro deveria escolher um animal velho ou mais fraco, feri-lo e colocá-lo na água em local acima ou abaixo do ponto de travessia. O sangue atraía as piranhas, que, rapidamente, devoravam o boi que sangrava.

Enquanto as piranhas devoravam o boi escolhido, os demais passavam pelo rio e seguiam a caminhada sem dificuldade e com êxito total.

É o que o Brasil está assistindo agora, estarrecido, na desastrosa CPI, que a mídia tem mostrado. Uma vergonhosa desumanidade.

Os corifeus do mal estão provocando choques anafiláticos no organismo social do nosso país.

Falta ao sistema político atual a moral social, que norteava os antigos governantes como Getúlio Dorneles Vargas e Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil de 1951 a 1956, e responsável pela construção da nova capital, Brasília – DF.

O boi de piranha sempre existiu, inclusive na política brasileira.

Caixinha, Obrigado – Juca Chaves – Gravação de 1960

 

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de agosto de 2023

OS CORVOS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS CORVOS

Violante Pimentel

Ave da família dos corvídeos, o corvo é caracterizado pela sua plumagem preta e é encontrado em quase todos os continentes. Popularmente, o corvo é interpretado como o sinal místico de mau presságio, do agouro e do azar.

No entanto, também pode simbolizar algumas características positivas, como a sabedoria, a astúcia e a fertilidade, na literatura e demais artes, principalmente como tema central de histórias fantásticas e de terror.

 

 

O escritor estadunidense Edgar Allan Poe se imortalizou através do poema se sua autoria, O Corvo, (The Raven, no original em inglês), e se popularizou como um dos autores mais icônicos do romantismo sombrio.

Os corvos tem as seguintes peculiaridades, que os tornam animais misteriosos e macabros:

São necrófagos (comem cadáveres); imitam o tom de voz de alguns animais incluindo os humanos; são predominantemente pretos, a cor atribuída tradicionalmente às trevas e ao que é obscuro e maligno.

Apesar da conotação negativa atribuída ao corvo na maioria das culturas ocidentais, diversas mitologias antigas tinham esta ave como um símbolo de proteção, regeneração e de mensageiro de boas energias.

Devido ao seu tamanho, sociabilidade e suas habilidades defensivas, o corvo comum tem poucos predadores naturais. Predadores de seus ovos incluem corujas, martas e outros corvos.

Pois bem.- Contam os alfarrábios milenares, através de uma fábula, que, em uma determinada época, os homens, cansados das agruras da guerra e dos horrores da caserna, resolveram fazer um pacto de paz.

Não haveria mais guerras, e eles passariam a viver o reino da paz, com a política da boa vizinhança. Haveria controle sobre as ambições humanas, e todos seriam felizes.

A ideia mereceu os mais fortes aplausos do Olimpo e de todos os lugares.

Mas, como tudo na vida tem um “mas”, surgiu um protesto violento, e uma dissidência inesperada, naquela frente única de civismo e humanidade.

Os responsáveis pelo protesto eram os corvos, que ficaram indignados, ao saberem desse absurdo pacto de paz entre os humanos.

Houve inúmeros discursos de protesto, pois os corvos eram excelentes parlamentares. Fizeram narrativas, sustentando que o sentimento da guerra era inato ao homem, e que

ninguém mais do que eles, os corvos, entendiam desse assunto. Somente eles conheciam a delícia da guerra, coisa que fazia parte da natureza humana.

Gritavam indignados, que a paz levaria o homem à ociosidade, mãe de todos os vícios.

Diziam os corvos em seus discursos acirrados, que as vicissitudes das guerras fazem o homem forte, corajoso, apto para o trabalho e para a luta. Sem as guerras, o homem não poderia defender a Pátria ultrajada, nem poderia vingar a honra nacional conspurcada pelos inimigos. Deixaria de existir o mais belo sentimento do homem: o Amor à Pátria.

Esses eram os argumentos dos corvos, para defender as guerras.

E as narrativas dos corvos venceram. As guerras continuaram campeando.

O patriotismo dos corvos, entretanto, estava intrinsecamente ligado ao estômago. Quanto mais guerras, mais compensações eles teriam. Com as guerras, a cadeia alimentar dos corvos estaria garantida.

Os corvos fizeram a defesa das guerras, não por sentimento de patriotismo, mas por amor ao estômago, se é que corvo tem estômago.

Para os corvos, o tempo da guerra é o tempo das vacas gordas: é quando eles tem muito com que encher o papo.

Os cadáveres dos soldados insepultos oferecem aos corvos ricos banquetes.

Nos dias atuais, não falta quem, como os corvos, aferre-se com unhas e dentes, na defesa de uma ideia, falando em nome do patriotismo, da civilização e do civismo, quando,

na realidade, as causas que movem esse ardor quixotesco são interesses secundários: a maldita fome do “ouro” e a insaciável ambição das riquezas, que leva, muitas vezes o ser humano a cometer crimes.

Estamos vivendo a era dos corvos, e do seu verdadeiro “patriotismo”.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 28 de julho de 2023

AMOR MATERNO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AMOR MATERNO

Violante Pimentel

Soneto do tempo do Ronca, encontrei “Amor Materno”, da autoria do poeta pernambucano Cyridião Durval (03.03.1860 – 17.10.1895), num caderno de poesias, escrito com a letra da minha saudosa mãe.

Com certeza, esse soneto, anos depois, deve ter servido de inspiração ao compositor e cantor Antônio Vicente Filipe Celestino (Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1894 – São Paulo, 23 de agosto de 1968 ), ao compor a canção “Coração Materno”.

AMOR MATERNO (Cyridião Durval – 03/Mar/1860 – 17/Out/1895)

Isaura, a mais cruel de todas as perdidas,
Entre os braços de Fausto, o mísero rapaz,
Disse um dia a sorrir: — “quem ama tudo faz,
Exijo deste amor as provas decididas.”

Pede tudo, mulher, se queres destruídas
As dúvidas que tens: ordena e então verás
Se tenho amor ou não; de tudo sou capaz,
Por ti arrancarei milhões, milhões de vidas!…

E a Dalila, soltando estridula risada,
Disse a Fausto: — “pois bem, se tu não temes nada,
Quero de tua mãe tragar o coração.

E o louco o foi buscar… De volta, no caminho
Tropeçou e caiu… disseram-lhe baixinho:
“Magoaste-te, meu filho?… Aceita o perdão.”

Cyridião Durval nasceu no dia 3 de março de 1860 em Tatuamanha, então distrito de Porto de Pedras, Alagoas. Filho de Rogério José de Santana e Teotônia Durval de Santana, teve os seguintes irmãos: Hermillo Durval, Manoel Durval, Fernandina Durval e Maria Durval Moreira, esposa de Manoel Moreira e Silva. Sua avó materna era Maria do Carmo Durval.

Foi na bela e aprazível Tatuamunha que aprendeu as primeiras letras com a ajuda de um professor público. Percebendo que o filho tinha gosto pelo estudo, seus pais o internaram em Recife, no Colégio Santo Amaro.

Depois foi transferido para o Ginásio Provincial, onde terminou o curso de humanidades em 1881 e diplomou-se em Direito pela Faculdade de Recife em 1885. Teve como colegas Martins Júnior, Clóvis Bevilacqua, Arthur Orlando, Porto Carneiro, Phaelante da Camara e outros.

Cyridião Durval faleceu no dia 17 de agosto de 1895, com apenas 35 anos de idade.

Por sua vez, Antônio Vicente Filipe Celestino, conhecido como Vicente Celestino (Rio de janeiro, 12 de setembro de 1894 – São Paulo 23 de agosto de 1968) foi um famoso compositor e cantor brasileiro, filho de imigrantes italianos, autor de inúmeras canções, entre as quais, “Coração Materno”, que, segundo ele, baseava-se numa lenda que teria mais de cinco séculos.

O tema do soneto “Amor Materno” (Cyridião Durval) e da canção Coração Materno (Vicente Celestino) é o mesmo. Ambos falam de um nefasto matricídio.

A gravação original de “Coração Materno” ocorreu na gravadora Victor, em 18 de março de 1937. Segundo os estudiosos do assunto, essa música, na época em que foi lançada, fez um sucesso estrondoso no rádio brasileiro.

Em 1951, Vicente Celestino e sua esposa Gilda Abreu lançaram o filme “Coração Materno”, estrelado por eles mesmos, e baseado na famosa música. O sucesso do filme foi bem menor do que o da canção.

Os antigos circos que percorriam o interior nordestino, com espetáculo de palco e picadeiro, cuja 2ª parte era uma encenação de uma peça de teatro, levavam a plateia às lágrimas, ao encenar a peça “Coração Materno”.

A música “Coração Materno”, de Vicente Celestino, sempre foi respeitada, até que surgiu no Brasil, o movimento musical Tropicália, comandado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros, que destruíram e ridicularizaram composições antigas de respeitáveis compositores, tentando reinventar a música brasileira.

Era a época da Tropicália, movimento de protesto, deflagrado pelos artistas da MPB, contra a situação política do País.

As músicas de protesto e o deboche imperavam entre os compositores de vanguarda. Revolta, censura, prisão, perseguição aos artistas de esquerda, tudo concorria para que os compositores e cantores revoltados com a censura se opusessem a tudo que prezasse pela ordem e costumes.

O cantor e compositor Caetano Veloso, na época com 26 anos, vindo do interior da Bahia, gravou “Coração Materno”, de Vicente Celestino”, num deboche gritante, segunda música do disco coletivo-manifesto Tropicália ou Panis et circencis, que pode ser visto como sua primeira grande performance vocal. Apesar de compor canções inteligentes e ter uma voz agradável, o artista, com sua veia irônica e visivelmente debochada, simulou uma homenagem ao respeitável cantor e compositor Vicente Celestino, que se sentiu humilhado ao assistir ao ensaio geral do show da Tropicália, onde se encenava uma cena bíblica com Gilberto Gil representando Jesus Cristo e a multiplicação dos pães feita com bananas.

Caetano Veloso gravou “Coração Materno”, em tom satírico, com barulho exagerado de baterias, guitarras e distorções, inserindo essa canção no álbum manifesto do movimento Tropicália. E prepararam um espetáculo tropicalista, dirigido por José Celso Martinez Correa, com vistas a se tornar um programa de TV.

Convidado pelos tropicalistas, para participar do show, Vicente Celestino foi antes assistir ao ensaio geral e ficou indignado: “Um Cristo negro eu ainda admito, mas bananas no lugar dos pães já é um desrespeito”. O Cristo era Gilberto Gil.

Contrariado, Vicente Celestino voltou ao seu hotel em São Paulo e neste mesmo dia, coincidência ou não, faleceu, de um ataque cardíaco.

Caetano afirma em suas memórias ter ouvido a canção na infância e gostado muito, no que conheceu e sofreu o “patrulhamento do gosto”.

Questionado sobre a origem de sua inspiração, em sua biografia, O hóspede das tempestades, Vicente Celestino afirmou ter escrito a letra a partir de uma lenda medieval. Mas as palavras, os detalhes, a narrativa e os estados latentes, no entanto, são seus e não uma mera adaptação.

Resgatada pelos tropicalistas, a canção adquiriu força potencial e anárquica, e, literalmente, matou o autor.

O desrespeito a Vicente Celestino foi gritante. Mesmo um ouvinte que houvesse adquirido o álbum em 1968, ocasião do seu lançamento, vendo no encarte a previsão de uma versão de “Coração Materno”, mesmo conhecendo os tropicalistas, não esperava o exagerado barulho com baterias e guitarras, e distorções absolutas de melodia, num verdadeiro achincalhamento, ultrapassando o limite da paciência de um ouvinte tradicional.

Mas, Caetano explicou a sua versão de “Coração Materno” como sendo totalmente tropicalista. A execução da canção, ele considerou tecnicamente impecável. “A contravenção do arranjo de cordas mencionada se deve a sutis humores esquizofrênicos que atravessam a orquestração e que na original inexistem – pelo caráter adulatório, típico dos arranjos comerciais, adotado por esta.”

De acordo com a crítica, o canto de Vicente Celestino é másculo, heroico, voz de tenor, arrebatado em expressividade, mostrando o sotaque rústico do europeu abrasileirado. Já o canto de Caetano é, sobretudo, andrógino, macio e pausado. Traz a dicção que conhecemos como urbana ou “correta”, pronunciando as palavras com lentidão, exatidão e contenção.

A pseudo-apropriação tropicalista destruiu a música de Vicente Celestino e feriu sua autoestima.

Vicente Celestino, em fato bruto e sintomático, falece em agosto de 1968, aos 74 anos, no exato dia em que faria uma apresentação com os tropicalistas.

 

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 21 de julho de 2023

CUSTO-BENEFÍCIO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLNISTA DO ALMANAQUE RAIMUDO FLORIANO)

 

Violante Pimentel

Zé de Rosa não era de reclamar. Era muito econômico e vivia dentro das “quatro linhas” do dinheiro do seu salário de ferroviário. Família grande, com esposa e cinco filhos, aguardava com ansiedade o décimo terceiro.

 

 

 

Quando saía o pagamento, esse dinheiro já tinha destino certo. Junto com a esposa Elza, os dois compravam calçados novos, para eles e os filhos, e cortes de tecidos para que ela, que era costureira, confeccionasse as roupas que eles vestiriam nas festas de natal e final de ano.

Do dinheiro do décimo-terceiro, não sobrava um “tostão”. Além de calçados e tecidos, Zé ainda gastava com presentinhos de Natal, que costumava dar a alguns familiares.

Não tinha para onde correr. Terminava o final de ano “liso, leso e louco”.

Fazia tudo para não dever a banco. Conseguia esse propósito, com muito sacrifício, até o final de novembro.

Quando entrava dezembro, tudo se desmantelava novamente, por causa das “despesas natalinas”, que desequilibravam suas poucas finanças.

Zé de Rosa era mais um pobre brasileiro “da Silva”, assalariado, que via tocha todo final de ano. Só entrava o ano novo devendo muito. Já estava ficando careca e não conseguia se aprumar.

A luta contra o consumismo, o delírio provocado pelas propagandas da televisão, e a tentação do pagamento em “parcelinhas”, oferecidas pelo cartão de crédito, que se arrastaria durante todos os meses do ano seguinte, levavam Zé de Rosa a um dilema: “Dever ou não dever.” E a roda-viva, de compras de final de ano, levava Zé de Rosa à depressão.

Mal entrava o novo ano, vinham as obrigações com IPTU, matrícula dos filhos em colégios, e material escolar.

Desesperado, no ano que passou, resolveu fazer uma lista de compras prioritárias, para as crianças pobres da sua própria casa: seus filhos.

Se continuasse dando “festas” à família toda, como costumava fazer, mesmo tendo recebido o décimo- terceiro, seria obrigado a contrair dívidas para pagar em parcelinhas.

Resolveu encarar a esposa e abrir o jogo. Teriam de conter os gastos. Afinal, eles tinham cinco filhos para sustentar. Aliás, esta cena acontecia todos os anos, religiosamente.

Ao entrar o novo ano, Zé de Rosa sempre “caía na real”. Observava que o custo-benefício dessas festas de final de ano não compensava. Materialmente, só tinha prejuízo. Como ele aniversariava uma semana depois do Natal, nessa noite, todos se justificavam, dizendo que só lhe dariam a lembrança de Natal no seu aniversário.

Lógico que o mais importante não era a troca de presentes e sim o calor humano, que toma conta das pessoas na mágica Noite de Natal. Mas ele não podia mais “abarcar o mundo com as mãos”. A situação financeira dele estava “russa”. E, mais uma vez, entregou os pontos.

Como sempre acontecia, tentou convencer a família de todos passarem as festas de fim de ano numa praia. E os costumeiros presentes passariam a ser distribuídos somente nos respectivos aniversários.

A ideia não foi aceita. Todos protestaram, indignados, e terminou havendo a reunião do Natal em sua casa, do mesmo jeito. E a harmonia da família reunida, como sempre acontecia, compensou qualquer preocupação com parcelinhas.

Daí, vale a pena rememorar o antigo ditado:

“Mais vale um gosto, do que cem mil réis.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 14 de julho de 2023

TEMPOS MODERNOS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMNDO FLORIANO)

 

TEMPOS MODERNOS

Violante Pimentel

Jesus e a mulher adúltera

 

Os tempos mudaram e a modernidade impera em todos os segmentos da sociedade: Político, religioso, social e familiar.

Mudaram, a começar pela liberdade que hoje a mulher desfruta, de poder estudar, votar, trabalhar e ser gente, sem ser mais qualificada profissionalmente como “do lar” ou “de prendas domésticas.” Essa qualificação significava que a mulher era a “administradora” da casa e da família, uma subalterna, que dependia do marido ou do pai, para comer, vestir e, finalmente, para viver. Não tocava no dinheiro deles.

Em Nova-Cruz (RN), pequena cidade do interior nordestino, onde nasci e me criei, estudei no Colégio Nossa Senhora do Carmo, da ordem Franciscana, onde se fazia uma oração antes de começarem as aulas, e se rezava o terço, diariamente, no mês de maio. O Colégio também ensinava civilidade, e o Hino Nacional era cantado todas as sextas- feiras, por freiras e alunos, havendo o hasteamento da Bandeira.

O colégio exigia farda completa e limpa, e sapato colegial preto, com meias brancas.

Só oferecia até o Curso Ginasial. Quem quisesse continuar os estudos teria que estudar na capital, o que nem todas as famílias podiam, financeiramente, oferecer aos filhos.

A mulher, nos tempos modernos, também é eleitora e pode participar do processo eleitoral como candidata, chegando até aos mais altos escalões do serviço público. Ela já chegou à presidência da República e aos ministérios, sem se privar de ser companheira do homem nem da convivência com os filhos, e sem abrir mão do sublime direito de ser mãe.

Hoje, a mulher estuda, se forma, trabalha no serviço público ou privado, faz mestrado e doutorado e outros cursos, dentro ou fora do País, se assim quiser e puder.

A mulher pode estar hoje onde ela bem quiser e fizer por merecer.

Casa e se separa se quiser, sem ser hostilizada ou discriminada, como décadas atrás acontecia. Se bem que o respeito entre o casal é condição “sine qua non”, para que as uniões sejam preservadas.

Desde o tempo de Cristo, a mulher sempre foi uma sofredora.

Ainda bem que a figura bíblica da adúltera não existe mais. Não é mais condenada à morte, em caso de adultério, por apedrejamento, como nos primórdios.

E foi o próprio Cristo que absolveu a mulher adúltera. Essa figura, bíblica ou profana, hoje não existe mais. Quem for justo, que atire a primeira pedra em quem pecou.

Recordando o sofrimento da mulher em épocas remotas.

* * *

(João, VIII, 112)

“Numa tarde, regressava Jesus do monte das Oliveiras, quando, em meio do caminho, com o sol a esconder-se, ao longe, no leito de fogo das montanhas, foi rodeado por um pequeno grupo de fariseus, que traziam de rastros, pálida e desgrenhada, uma pobre mulher que se debatia entre eles. Supondo confundir o rabino com a sua consulta inesperada, um escriba, de nome Baraquias, adiantou-se dois passos, e pediu, com fingida humildade:

– Mestre, esta mulher foi surpreendida a trair o esposo, a quem jurara fidelidade. A lei de Moisés determina que ela seja apedrejada, e morta pela multidão. Que devemos fazer?

Jesus, que lhe ouvira o coração antes de lhe escutar a palavra, baixou-se na areia da estrada, e pôs-se, com o dedo, a escrever.

– Mestre – tornou o fariseu, – esta mulher foi apanhada em flagrante, traindo o seu esposo. Devemos matá-la à pedrada, como estabelece a lei de Moisés?

Jesus, em silêncio, continuava a escrever sobre a areia, quando, de repente, erguendo-se, respondeu:

– Só o justo pode punir o pecador. Aquele, pois, que, dentre vós, nunca pecou, atire a primeira pedra!

A estas palavras, Baraquias desapareceu, e, com ele, um a um, aqueles que o acompanhavam, ficando no caminho, apenas Jesus e a pecadora.

Agradecida e assustada, ia a mísera mulher atirar-se de joelhos para beijar as sandálias do Mestre, quando o Rabino a deteve pelos braços, dizendo-lhe, severo:

– Nada me deves, mulher. Em verdade te digo, que as leis de meu Pai são mais implacáveis do que as leis de Moisés. Poupei-te a vida porque a própria morte não puniria a tua falta!

E, repelindo-a com a mão, suavemente:

– Anda; vai! A vergonha do teu crime, na tua velhice, será, na terra, o teu castigo.

E, baixando os olhos, continuou, sozinho, a caminho de Jerusalém.”

* * *

Pois bem. Nos dias de hoje, assistimos na mídia, a tentativa diária da destruição física e moral de homens e mulheres, praticada por vermes humanos que destilam ódio no coração, e cujo passado nebuloso esconde tenebrosos pecados morais e políticos que já cometeram, sem que tenham ainda acertado contas, definitivamente, com a justiça. Esses vermes querem ser mais rei do que a majestade, como diz o ditado popular.

Themis, a divindade grega por meio da qual a justiça é definida, no sentido moral, como o sentimento da verdade, da equidade e da humanidade colocado acima das paixões humanas, esta mulher de olhos vendados e com uma balança na mão, nos tempos modernos enxerga o que bem quer, e usa dois pesos, duas medidas. Sente-se mais importante do que o próprio Jesus Cristo.

Lamentavelmente, nos tempos modernos, o sentido da venda nos olhos de Themis e da balança que ela traz em uma das mãos foi desrespeitado.

“Dois pesos e duas medidas” é uma expressão popular, de origem bíblica, utilizada para indicar um ato injusto e desonesto, algo feito de forma parcial.

Está relacionada com situações iguais, mas tratadas de formas completamente diferentes, e seguindo critérios também diferentes, à mercê da vontade das pessoas que as executam.

No entanto, a expressão oficial é “dois pesos e duas medidas”, registrada inicialmente na bíblia sagrada, no livro de Deuteronômio (25:13-16), que deu origem ao uso da expressão:

“Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta. Usai apenas um peso, um peso honesto e franco, e uma medida, uma medida honesta e franca, para que vivais longamente na terra que Deus vosso Senhor vos deu. Pesos desonestos e medidas desonestas são uma abominação para Deus vosso Senhor. (Bíblia, Deuteronômio 25:13-16)

Esta expressão é uma referência ao antigo sistema de medidas e pesagens, quando ainda não existia um método definitivo que padronizasse os pesos. Assim, cada pesagem e medida era feita de forma desigual, instituindo um roubo generalizado.”

Claro que, no âmbito jurídico, o ditado “dois pesos e duas medidas” não deveria ser aplicado.

Teoricamente, todos os cidadãos devem ser tratados da mesma forma perante a justiça.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 13 de julho de 2023

A ANCESTRALIDADE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A ANCESTRALIDADE

Violante Pimentel

Os conceitos de ancestralidade e ancestrais indicam uma conexão geral com pessoas ou coisas do passado.

Num conceito genético, porém, eles têm um significado mais específico. Nossos ancestrais são as pessoas das quais descendemos biologicamente.

Tenho uma irmã, que, psicologicamente, é bem diferente de mim. Para ela, pesquisar o passado é delírio, coisa de gente doida, pois não adianta cultuar quem já morreu, se a morte é o fim de tudo. Quanto mais distante o passado, mais ela faz tudo para esquecer. Não quer saber de velharia, como móveis antigos e fotos emolduradas, postas nas paredes.

Bate de frente comigo, quando vem ao meu apartamento, pois uma das paredes da minha sala é repleta de fotos emolduradas, de entes queridos que já partiram e que eu faço questão de cultuar.

Sou, exatamente, o oposto dela. Vivo olhando o mundo pelo retrovisor do tempo. Adoro fotografias, principalmente as antigas, de meus familiares queridos, que não se encontram mais neste plano, e vivo pesquisando o passado.

Mas, reconheço que cada pessoa pensa de um jeito, mesmo tendo o mesmo sangue.

Mal me lembro do meu avô paterno, Manoel Ursulino Bezerra, pois ele se encantou quando eu era muito criança. Éramos vizinhos dele, minha avó Júlia e tios. Mas tive a graça de conhecer e conviver com meu avô materno, Professor Celestino Pimentel.

Desde criança, fui fã do meu avô Celestino Pimentel. Convivi com ele na minha juventude, da mesma forma que conviveram meus irmãos, um por um. Fomos hóspedes dele, da minha segunda avó materna e minha tia Carmen, quando viemos cursar o segundo grau em Natal, já que em Nova-Cruz só havia até o Curso Ginasial. Vim cursar a Escola Normal, para ser professora. Mas a roda-viva mudou o curso dos meus sonhos, pois terminei o curso pedagógico, me casei e deixei o magistério pra lá. Terminei cursando Direito, e dei outro rumo à minha vida, sentindo-me realizada.

Meu avô Celestino tinha o porte de um lorde inglês. Era alto, corado, forte, elegante, bonito e culto; muito sério, impunha respeito e simpatia.

Parecia o personagem de “O Professor Alsaciano”, poema de autoria do poeta português Acácio Antunes (1853 – 1927).

Pesquisando a ancestralidade do meu avô materno, Professor Celestino Pimentel, encontrei no Livro das Velhas Figuras, de Luís da Câmara Cascudo, volume II, Edição do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – 1976, a história do avô do Professor Celestino Pimentel, que também se chamava Celestino, e que aqui transcrevo, para o meu deleite e o de quem se interessar por História.

* * *

“O VELHO ARSÊNIO

O Coronel Celestino Pimentel, do exército português, tinha seu solar na Vila Nova de Portimão, castro velho com pedra d’armas ilustre, onde surge, lendário e fulvo, um leão na chapa do escudo.

O coronel casou em família de França. Dois filhos nasceram, alegrando a beleza da Quinta dos Três Bicos, casa solarenga dos Pimenteis, ramo fidalgo que se fixara no Algarves.

Começa a idade dos estudos. Bernardo Celestino, o primogênito, seguiu para a Universidade de Coimbra, onde se bacharelou em Direito. O segundo, Sizenando Celestino, repetindo a viagem fraterna, voltou engenheiro.

 

O Coronel Celestino Pimentel vê, jubiloso, o início da carreira dos filhos. Mandou o primeiro para a administração e o outro para o Exército, fiel à trilha paterna. E morreu tranquilo, confiante no destino dos filhos. A viúva, grávida, deu à luz, em 16 de abri de 1830, a um póstumo. Chamou-se Arsênio Celestino Pimentel. (Este viria a ser o pai do Professor Celestino Pimentel, nascido em 21.6.1884 e falecido em 11 de dezembro de 1967, em Natal).

No tempo justo enviaram Arsênio para Coimbra. Havia de ser médico.

Essa era a época convulsa na terra de Portugal. É a fase de bronze que imobiliza figuras hirtas e grandes de patriotas e soldados valentes. Costa Cabral domina, desmarcado, imponente, desdenhoso, abrindo caminho entre as montanhas de ódio, insensível ao medo, a covardia, sem recuar, sem ceder. Dona Maria II, a Rainha que nascera no Brasil, irmã de D. Pedro II, debate-se entre vinte partidos antagônicos, frementes, intolerantes. Contra Costa Cabral o povo eleva ondas imensas de cóleras. Uma após outra, as guerrilhas estalam, enfrentadas pelo ministro imperioso e duro.

Dona Maria teme. Despede Costa Cabral. Chama o Duque de Palmela, dúctil, hábil, maneiroso, polido, senhorial. Chama Mousinho de Albuquerque, o legislador do Duque de Bragança, que fora Rei de duas pátrias e doador de duas coroas. O Duque da Terceira é nomeado lugar-tenente do Norte. Explode o golpe- de- Estado de 6 de outubro de 1846.

Outro Duque, o de Saldanha, soldado grande e valoroso, neto do Marquês de Pombal, guerreiro que perdia no Parlamento e que ganhava nos campos de batalha, é o senhor da situação.

A cidade do Porto reage. Cria a Junta de Governo que o conde das Antas preside e onde os Passos (José e Manuel) mandam. Sá da Bandeira aderiu à revolução. A junta tem tanta popularidade quanto é infeliz. O Barão de Casal derrota Sá da Bandeira. Saldanha espatifa as hostes do Conde do Bonfim.

Mas para que haja a paz é preciso força moral que não existe no país. Intervém as potências. O General Concha traz a Espanha no seu Exército. Uma esquadra inglesa imobiliza a esquadrilha que a Junta possuía, literária e romanticamente.

Mas inda se luta. Vinhaes acaba com a resistência do Visconde Sá da Bandeira, batendo-o no alto do viso.

No meio desses combates, escaramuças, guerrilhas, encontros, ataques e saques, soa a voz aguda das mulheres, dos homens do campo, dos estudantes que fugiam de Coimbra e vinham na turba doida e brava, cantando a “Maria da Fonte”. (A instigadora dos motins iniciais terá sido uma mulher do povo chamada Maria, natural da freguesia de Fonte Arcada, ou Fontarcada, que por isso ficaria conhecida pela alcunha de Maria da Fonte. Como a fase inicial do movimento insurreccional teve uma forte componente feminina, acabou por ser esse o nome dado à revolta).

Os Passos, José Estevão, os liberais do Porto são da Maria da Fonte. Ela é um auxílio. Populariza a revolução. Espalha os nomes. Divulga o ideal. A convenção de Gramido, a 10 de junho de 1847, assegura uma tranquilidade momentânea.

Arsênio Celestino Pimentel, abandonando expositores e cadáveres, mestres e tricanas, fados e guitarras, metera-se na revolta. Andava no meio, arrastando um espadagão comprido, com duas pistolas na cinta de seda vermelha e um lume de cigarro saloio no canto da boca juvenil. Tinha dezessete anos. Batera-se em todos os encontros. Uma bala partira-lhe a mandíbula. Golpes fundos de sabre rendava-lhe o pescoço e o tórax. Continuava afoito, alegre, irrequieto, dançador do chegadinho e vai-de roda, mestre do varapau, guerreiro sem soldo, pronto para bater-se e a morrer.

Os irmãos, entretanto, vencem, sobem. Bernardo é Governador dos Açores. Sizenando é oficial do Corpo de Engenheiros. Ambos são estudiosos, sisudos, impassíveis, na tradição clássica dos algarvinos aristocráticos.

Em 1849, Costa Cabral volta ao poder. A Rainha fá-lo marquês de Tomar. Uma política de reação, de economia feroz, de energia trepidante se inicia. Tomar repete o nosso Feijó, o ataque uniforme às hidras incontáveis. O fogo das insurreições crepita novamente.

E Arsênio desaparece da Universidade, segura as pistolas, afia o sabre, retomando seu canto na mata sem nome e esquecimento. Tomar reage. Expulsa, exila, despede, demite, prende.

Arsênio foge. Vem até os Açores. Recusa assinar o pedido de indulto a Rainha, como o irmão lhe pedia. Não pisará areia de Portugal, enquanto reinar Da. Maria II. Decide-se pelo Brasil. Pernambuco.

Arsênio é alto, forte, ágil, bonito. Toca piano, entende de medicina, entende de tudo. Ensina, clinica, negocia. Tem nome, devotos, relações.

Os Antunes de Oliveira, fixados no vale do Ceará-mirim, rogam sua presença no Rio Grande do Norte. Arsênio cede. Em 1873, está em Natal, para sempre.

Por aqui viveu com vária fortuna. O tempo pintou de branco sua barba. Era salineiro, pequeno proprietário, dava remédios. Ainda vivem ex-alunas de piano. Administrou a “Colônia Sinimbu”. Defendeu-se tão cabalmente, quando acusado, que o austero Visconde de Sinimbu enviou-lhe uma carta de felicitações.

Casou. Os filhos vieram. Antônia Perpétua, esposa de José Cândido Céa, da Marinha Mercante, CELESTINO, professor e várias vezes diretor do Atheneu Norte-Rio-Grandense, Arsênio, que viajou para o Norte, não dando notícias, e Maria Rosa, casada com Luiz Damasceno Bezerra.

Toda a cidade o conheceu e respeitou. Era o Velho Arsênio.

A 17 de agosto de 1916, na fazenda “Mororó”, Lajes (RN), faleceu Arsênio Celestino Pimentel, o guerrilheiro da “Maria da Fonte”, o acadêmico de Coimbra, fidalgo da Quinta dos Bicos, no reino dos Algarves.

(09.04.1942)”

(Texto copiado da obra “O Livro das Velhas Figuras”, de Luís da Câmara Cascudo, volume II, páginas 161, 162 e 163 – Edição do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – 1976)

Em memória do meu avô materno, Professor Celestino Pimentel, filho do Velho Arsênio, transcrevo o poema O Professor Alsaciano, do poeta português Acácio Antunes (1853 – 1927).

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O Estudante Alsaciano

Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor as cãs, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atenta, gravemente — uns pequeninos sábios.
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando aquele,
De manso, com carinho e paternal amor.

Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra d’um sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão.
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Frequentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo

— Mas de íntima tristeza, aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado…

— Pela pátria talvez! — Doze anos só teria.
O mestre, d’uma vez, chamou-o á geografia:

— “Diz-me cá, rapaz… Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?”

— “Meu pai, no último reduto,
Em defesa da pátria!”

— “Ah! sim, bem sei, adiante…
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quais são as principais nações da Europa? Vá!”

— “As principais nações são… a França…”

— “Hein? que é lá?…
Com que então, a primeira a França! Bom começo!

De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
D’onde irradia a ciência a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!”

Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou n’um gesto negativo,
E tornou com voz firme:

— “A França é a primeira!”
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga enérgica lhe escapa.

— “Sabes onde está a França? Aponta-ma no mapa!”
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta, febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Exclama:

— “É aqui dentro! aqui é que está a França!”

Autor: Acácio Antunes (1853-1927)
Editado por: nicoladavid


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 12 de julho de 2023

A VELOCIDADE DO TEMPO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A VELOCIDADE DO TEMPO

Violante Pimentel

Quando se vê, a vida já passou. Ninguém segura o tempo, nem por decreto.

O dia, que tem 24 horas, na nossa adolescência demorava muito a passar, até que chegasse a noite, para os divertimentos, flertes e namoros.

Não se espera mais que a noite chegue, para se namorar. O tempo para o namoro é qualquer um. Qualquer hora é hora. Desapareceu o romantismo, e vale tudo. A poesia e os sonhos desapareceram da vida das pessoas, e o tempo passa muito rápido..

A era cibernética não deixa ninguém raciocinar. As máquinas raciocinam por você. Já lhe entregam o prato feito. Resultado: Você se sente inútil, e os valores da alma, cada vez mais são esquecidos. O homem é inimigo do próprio homem.

O tempo não espera por ninguém. Não há tempo mais para nada. Da meia idade para a frente, quase sempre, os planos não se completam.

As perdas de entes queridos levam um pedaço de nós. Sem querer, morremos um pouco, a cada dia. E as perdas são para sempre. Ninguém, nem nada, substitui ninguém.

As metas que pensávamos cumprir, hoje não tem mais sentido.

Hoje, o dia já amanhece tarde. As 24 horas do dia, hoje, são um pingo d’água no oceano, comparando-se com a velocidade do tempo, e, consequentemente, com a rapidez com que a vida passa. E vemos que o tempo não nos dá tempo, para que realizemos todos os nossos planos.

O tempo não espera por ninguém. Não há tempo mais para nada. Da meia idade para a frente, então, muitos planos não se completam. É triste dizer isso, mas é a mais pura verdade.

A perda de entes queridos levam um pedaço de nós. Sem querer, morremos um pouco, a cada dia. E as perdas são para sempre. Nada nem ninguém substitui ninguém.

As metas que pensávamos cumprir, de repente, não tem mais sentido. É preciso ser forte, para que o homem não sucumba ao desânimo.

Hoje, os jovens não precisam mais esperar que a noite chegue, para conversar com os namorados (as). Não existe mais o lirismo da noite de núpcias. A juventude de hoje é livre para amar, sem amarras, nem policiamento dos pais. Qualquer dia é dia, qualquer hora é hora para se ser feliz.

O romantismo está desaparecendo a cada dia. Vale tudo. O tempo para o namoro é qualquer um.

A poesia e o romance desapareceram da vida das pessoas. O lirismo está diminuindo cada vez mais.

Sinto saudade do tempo em que havia troca de cartas de amor e notícias pelo correio. O tempo passava mais lento e os amores pareciam eternos.

Em homenagem ao dia de São Pedro, terceira festa junina, que ontem (29/06) se comemorou, relembro um singelo poema de amor, que não se sabe a autoria:

Ele partiu, ela ficou…
Chorando a sua grande dor…
Cartas desde já foram chegando…
Saudades, juras de amor…
E com que ansiedade, ela esperava o carteiro…
E ele vinha…
E logo davam uma conversazinha

Quantas surpresas o destino traz,
Por este mundo inteiro…

Final: Ela esqueceu-se do rapaz,
E terminou casando com o carteiro

* * *

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 11 de julho de 2023

SÃO JOÃO COM CHEIRO DE SAUDADE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMNDO FLORIANO)

 

SÃO JOÃO COM CHEIRO DE SAUDADE

Violante Pimentel

Estes dias de junho me enchem de lembranças felizes, dos tempos idos e vividos. Recordo meu tempo de menina-moça, aguardando, ansiosa, a festa de São João.

A nossa casa era um relicário, onde reinavam a harmonia e os sonhos cheios de esperança.

A véspera de São João era um dia cheio de alegria, e os preparativos para a noite festiva começavam pela manhã. Minha querida mãe, Dona Lia, administrava a cozinha, e o preparo das comidas de milho verde, próprias da época junina.

À tarde, meu pai ornamentava o terraço da nossa casa com bandeirinhas e lanternas coloridas, onde à noitinha se acendiam velas para embelezar a casa.

Minha saudosa mãe, enquanto preparava as iguarias para a “festa de São João”, cantarolava “Mané Fogueteiro” (Composição de João de Barro, o Braguinha, e gravação original de Augusto Calheiros), que conta a história de um fogueteiro que fazia fogos para as festas juninas.

Também aproveitava o dia de São João, para recitar para nós, a poesia matuta, Kremmesse, de Olegário Mariano, que ela adorava.

Sonho sempre em Nova-Cruz, e os meus sonhos tem cheiro de saudade. Desperto emocionada e não consigo evitar que chova nos meus olhos.
Ontem mesmo, sonhei com o antigo São João em Nova-Cruz.

A rua onde nasci e me criei era um verdadeiro corredor de fogueiras acesas, pois todas as casas tinham sua fogueira.

Entretanto, ao lado da nossa casa, destacavam-se as fogueiras de Seu José Henrique e Dona Eugênia, e a de Seu Manoel Silvério e dona Conceição. Eram fogueiras enormes, que queimavam até amanhecer o dia.

Minha mãe preparava a mesa com iguarias deliciosas, típicas dessa época do ano. Não faltavam canjica, pamonha, milho cozido e pé-de-moleque. O maior destaque viria em seguida: O milho assado na fogueira de São João.

Isso encantava minha alma, desde o meu tempo de criança.

No final da tarde, chegava a hora de acender a fogueira.

A notícia de que o fogo havia pegado e a fogueira estava acesa, era sinal de Sorte, recebida com alegria por crianças e adultos.

O cheiro da lenha queimando inundava o ar. A fumaça da fogueira fazia chorar. Mas eram lágrimas misturadas com sorrisos de alegria.

A noite de São João era uma festa! E a alegria era contagiante. Não havia luz elétrica na cidade e, por isso, fogos, foguetes e balões eram permitidos sem restrições.

As lembranças doem dentro de mim. Trago na memória bandeirinhas tremulando, lanternas e fogueiras acesas, e um Céu cheio de estrelas. Todos os corações estavam em festa.

Era o nascimento de São João Batista, primo de Jesus Cristo.

Os fogos, bandeirinhas e lanternas coloridas completavam o cenário da história do nascimento do menino João Batista, quando Santa Isabel, sua mãe, anunciava a boa nova à prima Maria Santíssima.

As fogueiras aqueciam e iluminavam a nossa alma. E o sereno era o bálsamo que caía sobre as famílias que enchiam as calçadas, nessa noite de magia, amor e alegria.

Juntando-se a isso, as adivinhações, “casamentos”, batizados, celebração de parentescos, e juras de amor trocadas em torno das fogueiras, coisas que faziam parte da cultura popular nordestina e crendice popular.

Hoje, ao recordar o antigo São João de Nova-Cruz, meus olhos ficam molhados de saudade.

Saudade de Nova-Cruz, da nossa fortaleza e do nosso porto seguro, Dona Lia e Seu Francisco, ninho de amor, em torno do qual, nós, os cinco filhos, gravitávamos e de onde tivemos os maiores exemplos de vida

Portanto, nestes tempos juninos, a fogueira da saudade queima forte no meu coração, e a imagem da minha saudosa Mãe, Dona Lia, não me sai do pensamento. Ela cultuava a poesia, herança da sua Mãe, poetisa Anna Lima.

E de repente, Nova-Cruz da minha infância ressurge como a fênix da lenda, trazendo consigo imagens distantes, de familiares e amigos que o tempo já levou, mas continuam vivos na minha lembrança e na minha saudade, como é o caso do meu querido irmão Adriano Pimentel Bezerra, que se encantou em 26.10.2022.

Este poema matuto, “Kremmese”, do poeta Olegário Mariano, minha mãe gostava de recitar, na noite de São João. Também gostava de cantar Mané Fogueteiro.

Minha homenagem à Dona Lia, minha inesquecível Mãe!

* * *

POESIA MATUTA – Kremmesse (QUERMESSE) – Olegário Mariano

Foi um dia de kremesse.
Depois de rezá três prece
Pra que os santo me ajudasse,
Deus quis que nós se encontrasse
Pra que nós dois se queresse,
Pra que nós dois se gostasse.

Inté os sinos dizia
Na matriz da freguezia
Que embora o tempo corresse,
Que embora o tempo passasse,
Que nós sempre se queresse,
Que nós sempre se gostasse.

Um dia, na feira, eu disse
Com a voz cheia de meiguice
Nos teus ouvido, bem doce:
Rosinha si eu te falasse…
Si eu te beijasse na face…
Tu me dás-se um beijo? – Dou-se.

E toda a vez que nos vemo,
A um só tempo perguntemo
Tu a mim, eu a vancê:
Quando é que nós se casemo,
Nós que tanto se queremo,
Pro que esperamos pro quê?

Vancê não falou comigo
E eu com vancê, pro castigo,
Deixei de falá também,
Mas, no decorrê dos dia,
Vancê mais bem me queria
E eu mais te queria bem.

– Cabôco, vancê não presta,
Vancê tem ruga na testa,
Veneno no coração.
– Rosinha, vancê me xinga,
Morde a surucucutinga,
Mas fica o rasto no chão.

E de uma vez, (bem me lembro!)
Resto de safra… Dezembro…
Os carro afundando o chão.
Veio um home da cidade
E ao curuné Zé Trindade
Foi pedi a sua mão.

Peguei no meu cravinote
Dei quatro ou cinco pinote
Burricido como o quê,
Jurgando, antes não jurgasse,
Que tu de mim não gostasse,
Quando eu só amo a vancê.

Esperei outra kremesse
Que o seu vigário viesse
Pra que nós dois se casasse.
Mas Deus não quis que assim sesse
Pro mais que nós se queresse
Pro mais que nós se gostasse.

Olegário Mariano Carneiro da Cunha (Recife, 24 de março de 1889 — Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1958)

* * *

Augusto Calheiros MANÉ FOGUETEIRO

 

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 16 de junho de 2023

AS FESTAS JUNINAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS FESTAS JUNINAS

Violante Pimentel

As Festas Juninas são consideradas, hoje, os melhores festejos populares do Brasil. Sem luxo nem violência, essas festas agradam a todos e as famílias podem se divertir juntas.

Foram os jesuítas portugueses que trouxeram os festejos juninos, ou joaninos, para o Brasil.

As primeiras referências às festas de São João no Brasil datam de 1603 e foram registradas pelo religioso franciscano brasileiro, frade Vicente do Salvador. A princípio, a festa era só em homenagem a São João. As homenagens a Santo Antônio e São Pedro só começaram posteriormente, mas como também aconteciam em junho passaram a ser chamadas de festas juninas. O curioso é que antes da chegada dos colonizadores, os índios do Brasil realizavam festejos relacionados à agricultura, no mesmo período. Os rituais tinham canto, dança e comida à base de milho e mandioca.

A tradição junina brasileira homenageia, influenciada pela Igreja Católica, os três Santos nascidos em junho: Santo Antônio (13/6), São João (24/6) e São Pedro (29/6). Os festejos começam na véspera de Santo Antônio (12/6), considerado o santo casamenteiro.

Em algumas partes dos Brasil, principalmente no Nordeste, as festas juninas são chamadas, simplesmente, de “festas de “São João”. Campina Grande (PB) e Caruaru PE) disputam o título de “ Melhor São João do Brasil”, durante todo o mês de junho.

Dos salões refinados da França medieval, vieram as danças, principalmente, a “Quadrilha”, dança feita por quatro casais, daí a expressão “ Dançar quadrilha”.
Aqui no Brasil, a quadrilha se transformou em um bailado de casais, caracterizados com vestimenta tipicamente caipira.

Alguns quitutes, consumidos nas festas juninas, são de origem tupi, como : a canjica, o curau, a pamonha, bolo de milho, e outras iguarias, especialmente, o milho verde cozido e também o milho assado, preferencialmente, no calor da fogueira.

As bebidas, por sua vez, tem influência europeia: Quentão e Vinho Quente.

A decoração com bandeirinhas vem de um ritual católico. Era comum nas festas juninas do século XIX que as imagens de Santo Antônio, São João e São Pedro fossem pintadas em grandes bandeiras coloridas. Essas bandeiras eram colocadas em água em um evento conhecido como lavagem dos santos. A ideia era a purificação da água e de quem se banhasse com ela. Com o passar do tempo, as grandes bandeiras – ainda presentes em alguns lugares – deram vez às famosas bandeirinhas, em alusão a esse ritual.

Para os cristãos, a fogueira representa o nascimento de São João Batista. Isso, porque Santa Isabel teria usado o recurso para avisar a Maria que seu filho ia nascer e de que precisava de ajuda no parto. Alguns contam ainda que a fogueira protege a pessoa dos maus espíritos.

Já os balões e fogos de artifício, de origem chinesa, foram colocados nas festas juninas e serviam como uma forma de comunicação. Alguns eram soltos com o objetivo de avisar a parentes e vizinhos da região que a festança estava por começar.

O casamento caipira é uma sátira aos casamentos tradicionais. Santo Antônio ficou conhecido como o santo casamenteiro. Essa fama, segundo alguns religiosos, veio de pedidos feitos por moças ao santo, em busca de noivo e marido. E há várias simpatias, para o Santo Casamenteiro atender ao clamor das donzelas casadoiras.

O mastro com três bandeiras e fitas coloridas representa os santos populares da festa: Santo Antônio, São João e São Pedro. Já a brincadeira do tradicional Pau de Sebo é um mastro untado de sebo (gordura animal) que se presta a uma atividade recreativa, típica das Festas Juninas. A brincadeira consiste em subir num alto mastro de madeira ensebado, com o objetivo de alcançar um prêmio colocado no topo.

No Nordeste, tradicionalmente, as músicas típicas das festas juninas, usadas para animar as danças, são o forró-pé-de-serra, o xote e o baião, tocadas pela sanfona, triângulo e zabumba.

Fora isso, os “arraiais”, fogueiras queimando, e muitos fogos de artifícios alegram as noites de Santo Antônio, São João e São Pedro, caracterizando o maior São João do Brasil, principalmente do Nordeste.

 

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 09 de junho de 2023

ÁGUA GELADA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ÁGUA GELADA

Violante Pimentel

Nunca gostei de água gelada, por falta de costume. O motivo é simples: Em Nova-Cruz, cidade do interior nordestino, onde nasci e me criei, não havia energia elétrica e, consequentemente, não se tinha geladeira, salvo os ricos fazendeiros, que tinham gerador próprio.

Somente em 1963, chegou a Nova-Cruz a energia de Paulo Afonso. Tempos depois, quem tinha boas condições financeiras, passou a gozar do conforto de ter geladeira e ventilador.

Antes da chegada da energia de Paulo Afonso, os municípios do interior do Rio Grande do Norte eram iluminados por meio de motores elétricos a óleo, que eram ligados às seis da tarde. Às nove horas da noite era dada a primeira “piscada”, um aviso à população de que os candeeiros e as lamparinas deveriam ser acesos.

 

 

 

Mesmo depois da chegada de uma geladeira em nossa casa, me recusei, ainda mocinha, a beber água gelada. Inventava que me dava dor de dente, ou que me irritava a garganta. Mas era a tal coisa: desculpa de amarelo é comer barro. Eu não suportava água gelada mesmo. Continuo, até hoje, preferindo água natural. Foi um costume que eu assimilei desde criança e conservo até hoje.

Meu saudoso irmão Adriano, o primogênito, era muito espirituoso. Depois que serviu ao Exército, foi aprovado em concurso para a Petrobrás e foi nomeado para trabalhar em Ilhéus (BA). Depois foi transferido para Maceió (AL), Aracaju (SE), Joaçaba (SC), e, finalmente para o Rio de Janeiro (RJ), onde, anos depois, se aposentou. Morou em Niterói (RJ), até o fim dos seus dias.

Certa vez, depois que chegou energia elétrica em Nova-Cruz, um conhecido oportunista, que não pagava nem promessa a santo, lhe telefonou pedindo dinheiro emprestado, para comprar uma geladeira. Adriano, recém casado, e ainda mobiliando uma casa para morar, respondeu:

– Rapaz, estou recém-casado e ainda não pude comprar uma geladeira. Por enquanto, continuo bebendo água do filtro. Coloco uma pastilha de hortelã “garoto” na boca e a água fica gelada, que é uma beleza. Faça isso, que você vai gostar! A água desce gelada, gelada.

O cara ficou desapontado, e não insistiu.

Outra vez, um outro conhecido enrolão, dizendo que sua geladeira tinha dado o prego, telefonou para Adriano, em Niterói, pedindo dinheiro emprestado para mandar consertá-la.

Ironicamente, meu irmão deu a mesma resposta:

– Rapaz, a minha geladeira também está quebrada. Resolvi não mandar mais consertar, pelo menos por enquanto. Aqui em casa, estamos bebendo água do filtro, com uma pastilha de hortelã “garoto” na boca. É a água gelada melhor do mundo!!! Experimente!

Ele tinha um humor fino, e quando vinha de férias, com a esposa e filhos para Nova-Cruz, gostava de brincar com Dona Severina, uma empregada antiga da minha avó e perguntava se ela ainda subia no coqueiro para tirar coco, como fazia antigamente.

A mulher respondia:

– Que nada, Adriano. Não tenho disposição mais pra me trepar num coqueiro e tirar coco.

E ele perguntava, achando graça:

– Então, a senhora não trepa mais num coqueiro?

Ela respondia:

– Estou velha e minhas pernas não aguentam mais. Não trepo nem num tamborete, muito menos num coqueiro!!!

Todos prendiam o riso…

Dona Severina gostava de fazer uma fezinha no jogo do bicho, todos os dias. Jogava uns trocadinhos, somente no grupo. Para um bom palpite, ela enchia uma xícara com café, riscava um fósforo, jogava dentro e cobria com o pires. Cinco minutos depois, descobria a xícara e o bicho estava desenhado no café, pelo menos para ela. Vez por outra, ganhava um dinheirinho no bicho e ficava radiante.

Para ajudar no palpite, ela dizia que rezava uma oração forte, que era “tiro e queda.” A oração fazia com que o desenho do bicho dentro do café ficasse nítido de dar gosto.

Na cozinha da casa da minha avó, com os olhos fixos na xícara de café, Dona Severina rezava:

“Meu São Marcelo do couro preto, me mostrai o bicho de hoje, que eu lhe dou o que o senhor quiser de mim, até mesmo o impossível.”

E essa oração era supimpa, para dona Severina ganhar no jogo do bicho.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 02 de junho de 2023

EVOCANDO *GENI E O ZEPELIM* (CRÔNICA MADRE SUPERIORA VIOLANGE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Zepelim é um tipo de dirigível feito com material rígido, criado na Alemanha, que foi muito usado para fins militares e para transporte de passageiros sobre os oceanos, na década de 30.

Quanto à composição “Geni e o Zepelim“, é uma das mais significativas e verdadeiras da MPB. Composta pelo gênio Chico Buarque em 1978, como parte do espetáculo Ópera do Malandro, a música permanece atual e suas críticas continuam válidas.

Na década de 70, o Brasil vivia sob o Regime Militar e ainda estava em vigor o Ato Institucional Número 5, que marcou o auge da censura no país.

Nessa época, Chico Buarque ficou conhecido por enfrentar a repressão e se posicionar abertamente contra a censura em suas composições, ao lado de vários outros artistas.

Esse sentimento se manifestava em canções sobre problemas sociais e opressão, como é o caso de “Geni e o Zepelim” e da peça teatral Ópera do Malandro.

Em “Geni e o Zepelim“, aparece uma característica das composições de Chico Buarque, que é o protagonismo da personagem feminina.

O cantor escreveu muito sobre mulheres em diferentes universos (“Terezinha”, “O meu Amor”) e em “Geni e o Zepelim”, ele traz essa questão de um modo diferente, ao falar sobre o uso do corpo, a objetificação e a condenação pela sociedade.

A letra começa nos apresentando Geni e o primeiro aspecto retratado é sua vida sexual. O corpo dela é entregue a qualquer um, como um objeto, e, na descrição, ela se resume basicamente a isso.

Para a sociedade, Geni era apenas um corpo para ser usado.

Ópera do Malandro deixa claro que Geni era um travesti, cujo nome de batismo era Genivaldo, e que atendia a todo tipo de gente. Fazia sucesso entre homens e mulheres, nas mais diversas situações, desde os presos, os adolescentes do internato, e até “os velhinhos sem saúde e as viúvas sem porvir.”

Ela se submetia a isso tudo, porque era um poço de bondade. Não tinha nenhum tipo de preconceito, e com isso despertava a fúria e o desprezo da cidade.

O refrão da música ressalta a crueldade das pessoas da cidade contra Geni. Ela era completamente desumanizada, e agredida física e psicologicamente, por se entregar a qualquer um.

Essa seria mais uma razão para despertar a fúria contra ela, já que o musical se passa em uma sociedade conservadora da década de 40.

Certo dia, a cidade entrou em pânico, com a chegada do enorme e brilhante Zepelim.

Chegou sobre a cidade, já com os canhões apontados, ou seja, com a clara intenção de atacar.

Ao ver o Zepelim, os habitantes da cidade ficam apavorados, já esperando a destruição.

No entanto, eles são surpreendidos, quando o comandante do dirigível aparece e diz que mudou de ideia.

Ele explica os motivos pelos quais pensou em destruir a cidade e também a razão da desistência.

Olhando do alto, o comandante se encantou por uma mulher, e está disposto a cancelar o ataque, se puder passar a noite com ela.

Para espanto de todos, ele queria uma noite de amor com Geni. Somente ela, por quem a cidade tinha verdadeira ojeriza e desprezo, seria capaz de salvá-la.

Apesar de parecer absurdo à população da cidade, Geni foi a única dama que despertou o fascínio do comandante do Zepelim.

A música enfatiza a relação controversa de poder: logo ela, tão insignificante, conseguiu dominar um homem tão poderoso.

Apesar da cidade inteira dizer em coro, que “Geni dava pra qualquer um”, o povo acaba descobrindo que não era bem assim. Geni também tinha os seus caprichos. “Ao deitar com homem tão nobre, tão cheiroso a brilho e a cobre, preferia amar com os bichos.” O comandante do Zepelim em nada a atraía.

Dentro da Ópera do Malandro, é possível perceber que a música “Geni e o Zepelim” traz outras críticas mais discretas, além da história principal. Essa estrofe é vista como uma aversão ao capitalismo.

A principal mensagem da música começa a ser apontada nessa estrofe, quando a cidade muda seu comportamento perante Geni, por puro interesse.

As figuras do prefeito, do bispo e do banqueiro representam os três pilares da cidade: o poder público, o capital e a igreja, todos rendidos aos pés da mulher que antes odiavam.

E a cidade em peso clama pela ajuda de Geni, a quem agora todos chamam de bendita. Por fim, diante de todas as súplicas, Geni resolveu ceder e abrir mão de sua única objeção.

A composição diz que ela dominou seu asco, e aceitou se submeter àquela situação pelo bem da cidade, mesmo sentindo aversão ao homem com quem teria que se deitar.

“Entregou-se a tal amante, como quem dá-se ao carrasco”, ou seja, deixou que ele usasse seu corpo como bem quis.

Depois de fazer tudo o que queria, o comandante cumpriu sua promessa e foi embora, deixando a cidade intacta, logo ao amanhecer.

Ao ver que tudo aquilo tinha acabado e que estava livre de novo, Geni se sentiu aliviada, e “tentou até sorrir”. Mas, a tranquilidade durou pouquíssimo tempo.

Logo as coisas voltaram a ser como antes, em relação a Geni, que se sacrificou para salvar a cidade..

A cidade em peso, depois de ser salva por ela, voltou a tratá-la com desprezo novamente.

É essa a conclusão da história, que faz com que muitos a entendam como uma crítica à hipocrisia da sociedade.

A Música Popular Brasileira é cheia de composições como essa, com histórias profundas e muito ligadas aos problemas sociais de cada época.

Foram vários os artistas que, como Chico Buarque, contribuíram para o enriquecimento da Música Popular Brasileira.

 

 

Geni e o Zepelim – Chico Buarque

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada

 

Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato

E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim

A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geleia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: Mudei de ideia!

Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniquidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir

Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni!

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro

Acontece que a donzela
(E isso era segredo dela)
Também tinha seus caprichos
E ao deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos

Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão

Vai com ele, vai, Geni!
Vai com ele, vai, Geni!
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni!

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco

Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado

Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir

Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de maio de 2023

PALHAÇADA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PALHAÇADA

Violante Pimentel

O cantor que marcou a minha adolescência era brasileiro mesmo: Milton Santos de Almeida, conhecido como Miltinho, na época, um dos maiores intérpretes de samba e músicas românticas do Brasil.

Miltinho deu voz, na década de 60, a inúmeros sucessos, como Mulher de Trinta, Palhaçada, Lembranças, Leva Meu Samba, Meu Nome é Ninguém e outros.

 

 

Fui “menino do interior”, onde demorou muito a chegar energia elétrica e água encanada. Confesso que nunca me familiarizei com os cantores internacionais. Nessa época, final dos anos 60, o romantismo e os sonhos explodiam em mim. Mas era no rádio de pilha ou a bateria, que eu ouvia o cancioneiro romântico de que eu tanto gostava.

Certa vez, quando eu era ainda “um brotinho”, num domingo à tarde, fui assistir à apresentação de Miltinho na Rádio Poti, em Natal, no programa de auditório, “Vesperal dos Brotinhos”, comandado pelo radialista Luiz Cordeiro. Fui acompanhada por Salete, a manicure da minha saudosa tia Carmen, em cuja residência eu estava hospedada. Minha tia sabia do meu fanatismo por Miltinho e me fez uma surpresa. Pediu a Salete para ir comigo ao programa da Rádio Poti, para que eu conhecesse Miltinho no palco, “ao vivo e a cores”. Foi um presente que eu nunca esqueci.

A apresentação de Miltinho foi sensacional!!! Saí da Rádio Poti com uma foto dele em tamanho postal. Pra mim, foi a glória! Cheguei em casa, “com a alma lavada e enxaguada” de felicidade.

No meu caderninho de músicas, só dava Miltinho, disparado. Eu sabia quase todas as músicas da discografia dele, de cor. Escutava muito programa de rádio e comprava revistas do rádio, que chegavam às sextas-feiras, às três horas da tarde, no trem que vinha de Recife para Natal, e tinha uma parada em Nova-Cruz. O vendedor já separava as minhas preferidas.

Das músicas de Miltinho, eu tinha as minhas favoritas: Lembranças, Volta, Devaneio, Ri… Eu e o Rio, Poema das Mãos, Poema do Adeus, e tantas outras.

Milton Santos de Almeida, ou Miltinho, (1928-2014), começou sua carreira na década de 40, como ritmista (tocava pandeiro desde os cinco anos de idade). Foi integrante de diversos grupos vocais, como “Anjos do Inferno” (com o qual chegou a viajar aos Estados Unidos, acompanhando Carmen Miranda), “Namorados da Lua”, “Quatro Ases e Um Coringa”, “Milionários do Ritmo” e “Cancioneiros do Luar”.

Na década de 60, Miltinho lançou seu primeiro disco solo, “Um Novo Astro”. Iniciava, assim, uma carreira de enorme sucesso, marcada pela sua bonita voz, afinada e anasalada, afeita aos sambas de teleco-teco e às canções românticas.

Consagrou-se com a música “Mulher de 30”, e com ela ganhou o reconhecimento do público. Recebeu vários prêmios, participou dos principais programas de televisão da época e de um filme estrelado por Mazzaropi.

As melhores lembranças daquela primeira metade dos anos 1960, Miltinho deve ao repertório dos seus discos, e aos compositores como Luiz Antônio, autor, sozinho, de alguns dos seus grandes sucessos. Além de “Mulher de trinta”, ele compôs “Menina moça”, “Ri”, “Poema das mãos” e a favorita do cantor, “Eu e o Rio” (“A melodia mais linda que alguém já fez, uma beleza de letra”, como ele dizia).

No total, gravou mais de cem discos, mas na década de 70, com o declínio do seu gênero musical, saiu de cena nas grandes capitais, concentrando suas apresentações em cidades do interior.

Luiz Antônio pode ter sido o responsável pelas canções que Miltinho, com seu jeito diferente, balançado (ou sacudido, não é, Magnovaldo?), de cantar samba, transformou em hits. Mas ele disputou a voz do amigo com outros grandes nomes da época, como Ataulfo Alves (“Mulata assanhada”), Haroldo Barbosa e Luís Reis (“Palhaçada”, “Só vou de mulher”), Evaldo Gouveia e Jair Amorim (“Serenata da chuva”, “Samba sem pim pom”), Miguel Gustavo (“Samba do crioulo”) e João Roberto Kelly, autor da ferina “Só vou de balanço” (“Nada de twist / de twist e de chá-chá-chá / só vou de balanço / só vou de balanço / Vamos balançar”). Canções bonitas e espirituosas, que embalaram muitos romances e as pistas de dança.

Por coincidência, certa vez, fui visitar uma outra tia, que morava no Rio, e o marido dela, que era auditor fiscal da receita federal, aposentado, disse que no Clube Português, que ficava perto do prédio onde eles moravam, na Tijuca, sempre jogava gamão com um colega de trabalho. Certo dia, ele teria sabido que esse colega “andou gravando umas músicas”. E o nome do colega era Miltinho. E pronto. É impressionante, como há pessoas que são completamente indiferentes à música.

O sambista também animou carnavais com marchinhas como “Nós os carecas”.

No seu aniversário de 70 anos, em 1998, lançou o CD “Miltinho Convida”, com elenco de alguns de seus aprendizes confessos, como João Nogueira, João Bosco, Luiz Melodia, Chico Buarque, entre outros. Chegou a gravar com Dóris Monteiro, Elza Soares, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Ed Motta e outros. Como intérprete, lançou João Nogueira e Luiz Ayrão.

As músicas “Mulata assanhada”, “Palhaçada”, “O conde”, “Laranja madura”, “Volta” e “Menina moça” são outros de seus sucessos, que lhe renderam o apelido de “Rei do Ritmo”.

Palavras de Miltinho:

“A vida, a meu ver, como ritmista, é um ritmo. Você tem ritmo para andar, para pegar ônibus… Se bobear, tropeça e cai”, disse o cantor em entrevista para o documentário “No tempo do Miltinho” (2008), de André Weller.

Assim Miltinho se definia:

“Eu não sou astro de coisa nenhuma. Sou apenas um mero cantor de samba. O que me honra muito”.

Também no cinema, foi vencedor do prêmio de melhor curta brasileiro no festival “É Tudo Verdade”, de 2009.

Elza Soares, uma de suas parceiras, o elogiava:

“A divisão de Miltinho, acho que ele tem ritmo até na ponta da orelha. Para mim, ele é único.”

Miltinho morreu aos 86 anos, em 7 de setembro de 2014, vítima de uma parada cardíaca, no Hospital do Amparo, zona norte do Rio. O cantor deixou um universo de canções, que integra o grande legado do samba no Brasil.

Um dos grandes sucessos de Miltinho, “Palhaçada”, parece ter sido gravado hoje. Trata do famoso golpe contra um bobão apaixonado. O tema nunca foi tão atual.

Ao encerrar a carreira por motivos de saúde (enfisema pulmonar), Miltinho dizia que o sucesso lhe trouxe muitas alegrias, mas só não lhe trouxe dinheiro.

E disse:

– Mas isso não me importa, pois sempre tive meu trabalho no Ministério da Fazenda, pelo qual me aposentei. Aqueles foram discos feitos com cuidado. Hoje em dia é tudo feito para vender.” “Mas não é inveja, não. Eu fiz o meu, deu certo, me sinto honrado por ser um cantor de samba – dizia Miltinho, para quem “o segredo de um bom samba é dissertar sobre um tema que atinja diretamente o coração do povo, o que não é fácil. – Mas o segredo mesmo é ser sambista, o que eu sou com muita honra!”

E que sambista! Miltinho tinha o samba na alma!

“Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão” (Artur da Távola, pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros).

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de maio de 2023

AS PROPAROXÍTONAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS PROPAROXÍTONAS

Violante Pimentel

A dupla caipira “Alvarenga e Ranchinho”, formada em 1929 por Murilo Alvarenga, mineiro de Itaúna, e Diésis dos Anjos Gaia, paulista de Jacareí, iniciou sua carreira apresentando-se em circos no interior de São Paulo.

Em 1934, Murilo e Diésis foram contratados pelo maestro Breno Rossi e passaram a se apresentar na Rádio São Paulo.

A carreira da dupla se consolidou, após a mudança para o Rio de Janeiro, onde os dois gravaram o seu primeiro disco, em 1936, e passaram a integrar o grupo de atrações do Cassino da Urca. Foi aí que trabalharam durante dez anos e aprimoraram o talento para a sátira política, uma das suas principais características. Por causa dessas sátiras, participaram de dezenas de campanhas eleitorais e também acabaram presos diversas vezes.

A dupla participou do primeiro filme falado feito em São Paulo, “Fazendo Fita”, (1935), levada por Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado. Fizeram participações em mais de 30 filmes.

Em 1949, a dupla “Alvarenga e Ranchinho” lançou a composição “O Drama de Angélica”, na qual, cada verso termina com uma palavra proparoxítona, ou seja, a sílaba tônica cai na antepenúltima sílaba. Essa música foi o seu maior sucesso.

Ao que parece, essa dupla foi a precursora das composições com versos terminados em palavra proparoxítona.

“O Drama de Angélica” nos remete àqueles “causos” que ouvíamos de nossos antepassados, histórias das quais ansiávamos pelo final, mesmo que fosse trágico. Uma verdadeira novela, arrebatadora, com idas e vindas, em uma interpretação perfeita da dupla. Ao final, não há como não sorrir, em face do modo satírico, como é contado “O Drama de Angélica”.

A formação original da dupla se desfez em 1965, quando Diésis a abandonou definitivamente. Sumiços anteriores já haviam ocorrido, quando, então, havia sido substituído por Delamare de Abreu, irmão por parte de mãe de Murilo Alvarenga.

Com o rompimento definitivo, um “terceiro” Ranchinho surgiu, Homero de Souza Campos, conhecido também como Ranchinho da Viola e como “Ranchinho II” (apesar de ter sido o “terceiro”). Homero cantou com Alvarenga de 1965 até o falecimento deste, em 1978.

Pois bem. Em 1971, cerca de vinte anos depois do lançamento de “O Drama de Angélica”, de “Alvarenga e Ranchinho”, foi lançado o LP “CONSTRUÇÃO”, de Chico Buarque de Holanda, com dez músicas belíssimas, onde se destaca “Construção”, que dá nome ao disco, com estrondoso sucesso no cenário da MPB.

Por coincidência, “Construção” de Chico Buarque e “O Drama de Angélica”, da dupla caipira “Alvarenga e Ranchinho”, tem em comum, versos cuja última palavra é proparoxítona. Além disso, “Construção” também retrata um drama do cotidiano, tal qual a música “O Drama de Angélica”, com a diferença de que esta última tem conotação satírica.

Para muitos admiradores, somente Chico Buarque, com a sua inteligência privilegiada, seria capaz de usar essa peculiaridade, numa composição musical.

Indiscutivelmente, Chico Buarque é genial. Mas, em relação às proparoxítonas ao final dos versos, a dupla caipira, “Alvarenga e Ranchinho”, já tinha feito o mesmo, há mais de vinte anos (1949), com a música “O Drama de Angélica”.

A coincidência de versos, finalizando com uma palavra proparoxítona, feitos por compositores de mundos e épocas diferentes, chamou a atenção da crítica.

Na verdade, a genialidade é universal. Não existe regra geral para se nascer gênio, pessoa com grande capacidade mental. Ela pode se manifestar por um intelecto de primeira grandeza, ou um talento criativo fora do comum.

Chico Buarque, intelectual com ótima formação cultural, e a dupla “Alvarenga e Ranchinho”, de origem humilde, que iniciou a carreira artística em circo, tiveram inspirações parecidas, ao escrever um drama, com versos terminados com uma palavra proparoxítona.

Ainda hoje, o LP “CONSTRUÇÃO”, de Chico Buarque, lançado no início de 1971, é considerado um dos grandes discos da história da MPB, com versos alexandrinos (o que contém doze sílabas poéticas) e uma palavra proparoxítona no final de cada verso.

O primeiro poeta brasileiro a usar versos alexandrinos foi Machado de Assis, ainda no período do Romantismo, movimento artístico caracterizado pelo sentimentalismo, subjetivismo e fuga da realidade.

Esse movimento surgiu no século XVIII na Europa, durante a revolução industrial, e logo se espalhou por diversos países, como: França, Alemanha, Inglaterra, Brasil e Portugal. Durou até meados do século XIX, quando surgiu o Realismo.

A coincidência que há nas duas canções, “O Drama de Angélica (1949 – Alvarenga e Ranchinho) e “Construção” (1971 – Chico Buarque) não está relacionada somente à presença de uma palavra proparoxítona no final de cada verso. As duas canções descrevem, respectivamente, um drama do cotidiano.

Chico Buarque descreve, em “Construção”, o dia a dia de um operário da construção civil, com todos os riscos e desencantos, usando versos alexandrinos ( o que contém doze sílabas poéticas) e uma palavra proparoxítona no final de cada verso. No caso, as proparoxítonas funcionam como tijolos em uma construção mágica e trágica, em uma tensão crescente, embalada pelo bonito arranjo do maestro Rogério Duprat (1932 – 2006).

Chico Buarque é um intelectual, com sólida formação cultural. Tornou-se um ícone da Música Popular Brasileira.

Por sua vez, a dupla “Alvarenga e Ranchinho”, de origem humilde, iniciou a carreira artística em circo e tornou-se um ícone da música caipira, hoje chamada “Música Sertaneja”.

Salve a genialidade do Compositor Brasileiro!

 

Drama de Angélica (1949) – Murilo Alvarenga e M.G. Barreto

 

 

Ouve meu cântico
quase sem ritmo
Que a voz de um tísico
magro esquelética
Poesia épica
em forma esdrúxula
Feita sem métrica
com rima rápida

 

Amei Angélica
mulher anêmica
De cores pálidas
e gestos tímidos
Era maligna
e tinha ímpetos
De fazer cócegas
no meu esôfago

Em noite frígida
fomos ao Lírico
Ouvir o músico
pianista célebre
Soprava o zéfiro
ventinho úmido
Então Angélica
ficou asmática

Fomos ao médico
de muita clínica
Com muita prática
e preço módico
Depois do inquérito
descobre o clínico
O mal atávico
mal sifilítico

Mandou-me célere
comprar noz vômica
E ácido cítrico
para o seu fígado
O farmacêutico
mocinho estúpido
Errou na fórmula
fez despropósito

Não tendo escrúpulo
deu-me sem rótulo
Ácido fênico
e ácido prússico
Corri mui lépido
mais de um quilômetro
Num bonde elétrico
de força múltipla

O dia cálido
deixou-me tépido
Achei Angélica
já toda trêmula
A terapêutica
dose alopática
Lhe dei em xícara
de ferro ágate

Tomou num fôlego
triste e bucólica
Esta estrambólica
droga fatídica
Caiu no esôfago
deixou-a lívida
Dando-lhe cólica
e morte trágica

O pai de Angélica
chefe do tráfego
Homem carnívoro
ficou perplexo
Por ser estrábico
usava óculos
Um vidro côncavo
o outro convexo

Morreu Angélica
de um modo lúgubre
Moléstia crônica
levou-a ao túmulo
Foi feita a autópsia
todos os médicos
Foram unânimes
no diagnóstico

Fiz-lhe um sarcófago
assaz artístico
Todo de mármore
da cor do ébano
E sobre o túmulo
uma estatística
Coisa metódica
como Os Lusíadas

E numa lápide
paralelepípedo
Pus esse dístico
terno e simbólico
“Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza Helênica

Morreu de cólica!”

* * *

Construção, de Chico Buarque

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de maio de 2023

“À NOITE, TODOS OS GATOS SÃO PARDOS” (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

“À NOITE, TODOS OS GATOS SÃO PARDOS”

Violante Pimentel

“À noite todos os gatos são pardos” é uma expressão popular da língua portuguesa, que remete à ideia de que todas as coisas são semelhantes ou iguais no escuro. Interpretando este provérbio a partir de um ponto de vista literal e físico, compreende-se que em ambientes com pouca luminosidade, as coisas são dificilmente distinguíveis ou reconhecíveis pelos seres humanos.

As imperfeições físicas mal aparecem à noite, ao contrário das imperfeições de caráter, que são sempre visíveis através de gestos e atitudes, nas 24 horas do dia.

Antigamente, num passado remoto, quando não havia energia elétrica, o recolhimento das pessoas acontecia ao anoitecer, para evitar a escuridão. Com o êxito, em 21.10.1879, da invenção do norte-americano Thomas Alva Edison (1847–1931), a noite ganhou o brilho do dia, e a vida se tornou mais fácil.

Há pessoas notívagas, que trocam o dia pela noite, como também alguns animais.

A biologia descreve o comportamento observado em alguns animais, que dormem durante o dia e tornam-se ativos durante a noite.

A maioria dos seres vivos, principalmente os idosos, tem na noite, o período de descanso, muitas vezes com profundas alterações no metabolismo, tais como: redução dos batimentos cardíacos, diminuição da temperatura corporal (animais homeotérmicos ou substituição da fotossíntese pela respiração (vegetais superiores).

São denominados notívagos os seres que têm, no período noturno, o de maior atividade, não só no reino animal (morcegos, anfíbios e felinos), como entre os humanos.

 

 

Há pessoas que adoram a noite e se pudessem amanheciam o dia na rua, principalmente os boêmios.

Às vezes, em casas noturnas populares, é comum aparecerem algumas jovens, quase crianças, vendendo botões de rosa a homens, para ofertarem às suas namoradas.

Por mais bonitos que sejam os botões de rosa, simbolizando o amor, a atividade noturna dessas crianças/adolescentes não condiz com a idade que elas tem. `No horário em que deveriam estar dormindo, perambulam pelos bares da noite, vendendo flores, talvez para entregar o dinheiro a algum adulto, familiar ou não, e se expondo aos olhares maliciosos de pedófilos e outros degenerados, que tem em mente lhes fazer o mal.

À primeira vista, esse gesto está ligado à necessidade da sobrevivência. Entretanto, também pode ser uma porta aberta à prostituição infantil.

O que pensar de uma criança que, altas horas da noite, ao invés de estar dormindo, está perambulando pelos bares, implorando aos homens que lhe comprem um botão de rosa para a pessoa amada.

A primeira impressão é de que, ali, está o retrato da fome, da miséria, e da luta pela sobrevivência.

Entretanto, é constrangedor, ver os adultos dançando, comendo, bebendo e se divertindo na noite, enquanto uma criança pede esmola, usando como disfarce a venda de um botão de rosa.

Dificilmente, não se percebe a gravidade dessa atividade mercantil feita por uma criança, em plena noite, quando deveria estar em casa dormindo. Com certeza, algum mau-caráter se esconde por trás disso, e é quem fica com o dinheiro apurado no final da noite. Mas, pode acontecer coisa pior. Pode aparecer alguma proposta tentadora, de programa com cunho sexual, mais vantajosa do que a venda de botões de rosa, altas horas da noite.

Um simples botão de rosa, oferecido na noite por uma criança/adolescente, pode ser uma motivação para um pedófilo.

Mesmo que, com a compra desse botão de rosa se pense estar praticando um gesto de solidariedade, na realidade, quem assim procede, talvez esteja tentando absolver sua própria consciência, por estar, talvez, contribuindo para a prostituição infantil.

Esses contumazes frequentadores de bares, geralmente alcoolizados, se divertem na noite, enquanto a quase criança perambula por ali, tentando vender botões de rosa, ao mesmo tempo em que se expõe à prostituição infantil.

Neste mundo cão em que vivemos, com a prostituição infantil imperando, esse botão de rosa pode representar a moeda de troca, tanto para a prostituição infantil, como para amenizar a consciência dos incautos.

Longe dos olhos protetores da família e perto dos pervertidos olhos do seu algoz, é fácil imaginar quem sairá como vencedor. As esquinas das ruas mostram muito bem o placar desse perverso jogo.

A popular expressão “juntar a fome com a vontade de comer” teria aí um grande exemplo, pouco importando se a “comida” fornecida é indigesta, imoral ou criminosa. Os cidadãos comuns, frequentadores da noite, também tem sua parcela de culpa na prostituição infantil.

Mesmo porque, a expressão “a noite é uma criança” tem como público alvo os adultos, os adúlteros, os boêmios e os amantes da vida.

O que os frequentadores da noite fazem para ajudar a essas crianças/adolescentes é comprar os botões de rosa que as manterão, até, posteriormente, serem colhidas como rosas pelos jardineiros da exploração infantil.

De várias formas, podemos ajudar no combate à prostituição infantil. Há muitas instituições sérias, que trabalham com a inclusão social, e precisam de voluntários.

A omissão da sociedade não fica adormecida somente durante a noite. Durante o dia, ela também cochila, pois nunca se viu alguém denunciar a prostituição infantil, que existe no trabalho doméstico de crianças e adolescentes, que terminam violentadas pelos filhos dos patrões, ávidos por sexo, ou por eles próprios.

São estas omissões, noturnas ou diurnas, que estimulam e fazem aumentar a exploração e a violência contra crianças e adolescentes.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 28 de abril de 2023

PODEROSOS ENDEMONIADOS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PODEROSOS ENDEMONIADOS

Violante Pimentel

“A astúcia dos pobres não é nada, se comparada à picaretagem dos poderosos”.

O poder é o demônio do homem. A sede do poder é mais forte do que a fome e outras necessidades básicas. Pela disputa do poder é que se faz a guerra.

O homem pode ter saúde, alimentação, divertimento, moradia, mas, mesmo assim, o que ele mais deseja na vida é o poder. O demônio do poder está sempre lhe atentando e quer ser satisfeito.

 

 

Lutero disse: “Se nos tiram o corpo e haveres, honra, mulher e filhos, bom proveito lhes faça. – não nos hão de tirar o poder.”

Segundo Nietzsche, o poder tem escalas: o poder do pai, do Estado, do chefe e do subchefe, o poder, enfim, que explica todas as formas do mal que vulgarmente é centralizado no demônio – o demônio do homem, que o leva a comer o fruto da árvore do Bem e do Mal para ser poderoso igual ao Deus que o criou.

É na vida política, que o demônio do poder mais se manifesta. O maior explora o menor, o menor explora o mínimo, e o mínimo busca outro mínimo a explorar.

Até mesmo na vida particular de cada um, o poder é o objetivo final de cada ação, por mais simples que seja. O poder do marido sobre a mulher, do guarda sobre o motorista, do motorista sobre o transeunte e, evidentemente, de um presidente de empresas ou da República sobre seus subordinados e sobre a nação.

O demônio do poder está no embrião de todo o processo político, das alianças e das rupturas. Aparentemente, há limites legais para o exercício do poder, mas, no subsolo das paixões, tudo é permitido, desde que, guardadas as conveniências de ocasião, o demônio que está a rugir em volta sempre faz mais um súdito.

Não se deve chutar cachorro atropelado. É uma maldade. Há um entendido de uma rede de TV, que a toda hora, nos debates políticos, diz ao vivo e a cores, não gostar do ex-presidente da República, e chega a lembrar o holocausto dos nazistas contra os judeus, desejando-lhe uma prisão perpétua ou pena capital. Se o poder estivesse nas mãos desse endemoniado, o ex-Presidente estaria “perdido”.

Mas o feitiço sempre vira contra o feiticeiro. E a lei do retorno faz com que o mal que se deseja a alguém retorne em dose dupla.

Pois bem. Há dois mil anos, o filósofo grego Diógenes saiu de casa, com uma lanterna na mão. Como o sol brilhava naquela manhã, todos perguntavam a ele a razão de levar uma lanterna e por que fazia isso. Diógenes respondia: “Procuro um homem.”

Diz a lenda que não encontrou nenhum homem nas ruas, nem nos lugares públicos. Todos eram incompetentes ou corruptos.

Alguém que já ocupou, honestamente, importantes cargos públicos no passado, hoje não aceitaria mais exercer nenhum cargo, pois a corrupção se alastrou e a contaminação é grande. A ganância e a inveja continuam ocupando os corações dos homens.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 21 de abril de 2023

O PODER DA MÚSICA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O PODER DA MÚSICA

Violante Pimentel

“Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.”

“Amor é fogo que arde sem se ver” é um soneto de Luís Vaz de Camões (1524-1580), um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. O famoso poema foi publicado na segunda edição da obra Rimas, lançada em 1598.

Dona Lia, minha querida mãe, que há 24 anos se encantou (19.04.1999), ficava triste, sem saber por que, quando ouvia a canção napolitana “TORNA A SURRIENTO”. Durante toda a sua vida, minha Mãe se emocionou, ao ouvir essa lindíssima música. Ela dizia que aquela música mexia com o coração dela. Sentia uma mágoa que vinha de dentro, uma saudade que ela não sabia de que, nem por que. Não entendia porque essa música mexia tanto com ela. Aquele sentimento “que não se vê, e dói não sei por que”, como disse Camões. Era uma saudade que ela não identificava.

Certa vez, conversando com sua velha tia Idyla Lima, tocou nesse assunto, e ficou sabendo por ela, o que tinha a ver essa música com a tristeza que ela sentia, sempre que a ouvia, a ponto de vir às lágrimas.

Disse-lhe a tia Idyla, que, poucos dias depois da morte de sua irmã, a poetisa Anna Lima, que morreu de parto em 1918, deixando seis filhos órfãos, inclusive minha mãe com quatro anos, a levou, junto com os irmãos, num domingo à tarde, para distrai-los, a um teatro, onde uma importante orquestra daria um concerto.

Pois bem. Essa orquestra, entre outras músicas, tocou a belíssima música italiana, “TORNA A SURRIENTO”. Esse fato e a beleza da música marcaram tanto a alma da minha mãe, criança de quatro anos, que, até o fim da sua vida, se ouvisse essa música, se emocionava, a ponto de chegar às lágrimas. Antes, chorava sem saber por que. Mas, depois que soube pela tia Idyla, que aquela era a música de grande sucesso na época em que ocorreu a morte de sua mãe, Anna Lima, a emoção passou a ser maior, pois conheceu a história, e isso a marcou.

Torna a Surriento é uma famosa canção napolitana, composta por Ernesto de Curtis e Giambattista de Curtis, em 1902, sendo registrada oficialmente em 1905. Vários intérpretes a gravaram, como Benjamino Gigli, José Carreras, Plácido Domingo, Luciano Pavarotti, Mario Lanza, Robertino Loretti e outros. Serviu de base para várias versões. Na língua inglesa, a mais famosa é Surrender, de Elvis Presley, de 1961.

Pois bem. As tias queriam adotar os órfãos de mãe, mas o viúvo, Celestino Pimentel, não concordou. Poucos meses depois de viúvo, ele contraiu novas núpcias, para sanar o problema dos filhos, muito mais do que por amor à nova esposa.

Lia, que anos depois se casou com Francisco Bezerra, e os dois vieram a ser meus pais e dos meus cinco irmãos, não se lembrava das feições de Anna Lima, nem da convivência com ela. Só a conhecia por retrato, por tê-la perdido em tenra idade. Somente os filhos mais velhos de Anna Lima se lembravam, vagamente, da mãe.

“O amor é a força mais sutil do mundo”. (Gandhi)

E o amor materno é o sentimento mais forte do mundo.

Imagino a aflição da poetisa Anna Lima, minha avó materna, ao sentir que iria morrer e deixar seis crianças órfãs. E o pavor das crianças, ao verem a mãe se encantar para sempre, sem contar nunca mais com o aconchego e o amor dessa mãe extremada, que vivia para os seus “querubins”, como dizia em versos. Eles eram a maior razão da sua vida.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 14 de abril de 2023

“MEXERICOS DA CANDINHA” (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

“MEXERICOS DA CANDINHA”

Violante Pimentel

O modismo esteve sempre presente na nossa vida. Ele existe nos hábitos de alimentação, modelos de roupas e calçados, cortes e cores de cabelos, móveis e automóveis, e até nos remédios. Também existe nas palavras, gírias e costumes.

Assim como os políticos e o dólar, as palavras tem seus altos e baixos. Hoje, podem valer muito , mas, amanhã, podem não valer nada.

A palavra “mexerico”, tão em alta nos anos 60, teve sua baixa e foi substituída por “fofoca”.

“CANDINHA”, como era conhecida a maior mexeriqueira da TV e do rádio brasileiros dos anos 60, reinava absoluta do alto de sua caricatura de óculos gatinho, na “Revista do Rádio“. Não tinha concorrente.

Sua coluna, “MEXERICOS DA CANDINHA”, era tão famosa, que mereceu uma música cantada pelo “Rei”, Roberto Carlos, com o mesmo título.

Hoje em dia, os astros e estrelas do círculo dourado da TV estão pouco se lixando para os inúmeros mexericos semanais, que aparecem nas revistas especializadas, que, de certa forma, os mantém na mídia e até os protegem de qualquer escândalo maior. O troca-troca de maridos e até “maridas” (palavra inventada e que está na moda) não causa espanto a ninguém, na atual sociedade, tamanha a degeneração dos costumes.

As colunas sociais atuais não mais se preocupam se determinada atriz está de caso com seu galã. Assim que os dois aparecem de mãos dadas na noite, as colunas de mexericos de hoje já se encarregam de chamar o mesmo de “maridão”, não importando se aquele homem ou aquela mulher ainda divide a cama com o “ex” ou a “ex”. Tempos modernos…

Candinha era diferente. Quando dizia que “fulana estava ontem jantando com sicrano”, todos os leitores sabiam qual era a comida. E não era exatamente uma “pizza”.

A coluna de mexericos, assim como a crítica diz, é um subproduto da TV. O público gosta de descobrir que, por trás daquela carinha de anjo ou do famoso galã, alguma coisa de podre acontece. É como se, a cada semana, eles puxassem a máscara de alguém e expusessem sua verdadeira face.

E nesse campo, Candinha foi campeã.

Nos dias atuais, “MEXERICOS DA CANDINHA” deveria ser o nome de um programa de debates de uma certa emissora de TV, com seus intoleráveis comentaristas fanáticos, num debate contínuo onde a palavra-chave é o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, 24 horas por dia. Nesta emissora de TV, cai como uma luva, o título “MEXERICOS DA CANDINHA”. Sistematicamente, o tema dos debates é a vida do ex-Presidente Bolsonaro, numa perseguição gritante e mesquinha.

Ontem à noite, numa das reprises costumeiras de um dos debates, um conhecido jornalista, respondendo a uma pergunta sobre o que havia feito de bom o atual presidente nestes 100 dias de governo, respondeu que este não está fazendo nem fará nada, enquanto não se esquecer do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, e deixar de, diariamente, atirar pedras contra ele, procurando injuriá-lo, difamá-lo e caluniá-lo, cada vez mais. E que isso só contribui para o crescimento do ex-Presidente, e o arrependimento de quem fez o L.

Enquanto isso, o MST continua invadindo terras produtivas ou improdutivas, a cada dia, como aconteceu recentemente em Pernambuco, sem que o atual presidente tenha feito, até agora, nestes 100 dias de governo, qualquer pronunciamento no sentido de conter a fúria dos invasores.

A referida emissora de TV, a cada dia, atiça e faz crescer cada vez mais a paixão dos bolsonaristas pelo seu ídolo, que, inclusive, foram impedidos pela força policial suprema, de recebê-lo nos braços no saguão do aeroporto de Brasília, na manhã do seu retorno do imprescindível autoexílio. Gente para recebê-lo, não faltou, mas Bolsonaro foi levado a deixar o aeroporto pela saída dos fundos, frustrando a multidão que o aguardava. Isso aumentou ainda mais a revolta do povo..

A mídia petralha fala mal do ex-Presidente Bolsonaro 24 horas por dia. Sobre o atual Presidente, quando muito, destacam a forma irresponsável da sua fala, ao dizer em entrevista, que o Senador Sérgio Moro fez “armação”, ao denunciar que estava, junto com a família, sendo ameaçado de sequestro e possível morte, por um esquema criminoso.

É revoltante um canal de TV se posicionar, ostensivamente, contra um ex-presidente, quando o dever do jornalista é mostrar a verdade dos fatos, sem expor suas preferências políticas nem suas opiniões pessoais e maldosas. Isso não é jornalismo sério! São os “MEXERICOS DA CANDINHA”, dos anos 60, subproduto da televisão, essa “máquina de fazer doidos”, segundo Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto, 1923-1968)

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 07 de abril de 2023

EVOCAÇÃO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

EVOCAÇÃO

Violante Pimentel

 

“Uma esmolinha, pra minha Mãe jejuar no dia d’hoje!”

Era com essas palavras, que as crianças pobres de Nova-Cruz (RN) esmolavam de porta em porta, na Quinta-Feira Santa e Sexta Feira da Paixão.

Ainda hoje, essa frase ecoa nos meus ouvidos, como um apelo desesperado contra a fome.

Na sala da nossa casa, ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que Dona Lia, minha mãe, distribuía aos pedintes nos dias da Semana Santa. Mas o número de pedintes aumentava mesmo era na Quinta-feira Santa e Sexta-Feira da Paixão.

 

 

Nessa época, final da década de 50, e anos 60, bacalhau era produto de baixo custo. Não chegava a Nova-Cruz o bacalhau de 1ª qualidade.

A Semana Santa, principalmente para os católicos, era uma época triste e sombria. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito.

Para começar, não havia aula durante a Semana Santa. Não se ouvia música profana; ninguém chamava “nome feio”, e ninguém brigava. Era um período de reflexão, arrependimento, união e orações.

Na Quarta-Feira de Trevas, que antecede o martírio de Jesus, parecia que o mundo estava de luto, com a perspectiva de que no dia seguinte começaria o seu Calvário. Na Igreja lotada de fiéis, era rezado o “Ofício das Trevas”, no final da tarde,

A crendice popular era tão forte, que grande parte do povo da roça chegava ao ponto de não tomar banho na Quarta-Feira de Trevas, achando que era pecado e temendo ficar entrevado (aleijado). Foi preciso a intervenção de Frei Damião, numa das “Santas Missões” que costumava fazer na cidade, para convencer o povo da roça de que não era pecado tomar banho na Quarta-feira de Trevas. E o Santo Frade Capuchinho sempre terminava seus sermões pela manhã, dizendo:

– Agora, vocês voltem para suas casa, e vão tomar banho!!! Não quero que cheguem aqui na Igreja mais tarde, cheirando mal.!

Na Quinta-Feira Santa, quando se revive a traição de Judas durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza e solidariedade. Revivia-se o começo do martírio de Jesus, que carregou sua Cruz até o Calvário ou Gólgota, colina na qual foi crucificado e que, na época, ficava fora de Jerusalém.

Era comum o furto de galinhas na noite da Sexta-Feira da Paixão, costume oriundo da cultura popular nordestina. O produto do furto garantia o tira-gosto aos cachaceiros de plantão, que bebiam até o amanhecer. Essa “brincadeira” grosseira, detestada pelas donas de casa, quase sempre era praticada por turmas de amigos, que gostavam de farrear.

Para se precaver dessa prática desalmada, à tardinha, as donas de casa mais cuidadosas transferiam as galinhas, do galinheiro para um quarto dentro de casa.

Na Semana Santa, as comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma com coco de presente, feitos em Casa de Farinha. O cheiro e o gosto desses beijus, eu nunca esqueci.

Os católicos não comiam carne durante a Semana Santa. O almoço tinha como “mistura”, bacalhau popular, peixe salgado, ou fritada de sardinha “Coqueiro”. Estou falando de uma época em que o progresso estava muito distante de Nova-Cruz. Não havia energia elétrica e, consequentemente, não havia geladeira.

Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem. Era o chamado dia do “beija”.

Nesse dia triste, eram obrigatórios, de acordo com os preceitos da Igreja Católica, o jejum e a abstinência de carne e bebidas alcoólicas.

As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois não se tirava leite naquele dia. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, e vendido por 30 moedas.

Os clubes sociais, bares ou outros ambientes de entretenimento, também não funcionavam.

A tristeza só desaparecia no Sábado de Aleluia, que revive a expectativa da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nesse dia, havia a malhação de Judas, um boneco/homem, de palha ou de pano, em tamanho natural, exposto em praça pública para ser castigado, por ter traído Jesus.

A malhação ou queima de Judas é uma tradição vigente em diversas comunidades católicas e ortodoxas, que foi introduzida na América Latina pelos espanhóis e portugueses.

É também realizada em diversos outros países, sempre da Sexta-Feira da Paixão para o Sábado de Aleluia, à meia noite. Simboliza a morte de Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus.

A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre da madrugada do Sábado de Aleluia para o Domingo da Ressurreição, a data mais importante do calendário Cristão.

Segundo a Bíblia, Cristo ressuscitou três dias depois de morrer crucificado. Este é o maior motivo e fundamento da Fé Cristã.

Esse é o retrato da Semana Santa da minha infância e juventude, um tempo feliz, quando a vida me sorria e todos estavam vivos.

Olhando pelo retrovisor do tempo, sinto saudade do meu porto seguro, Francisco e Lia, e da família reunida durante a Semana Santa.

Evoco um país de sonhos, trazendo no peito um coração cheio de saudade.

Quero voltar o tempo, mas sei que é impossível. E a saudade faz chover nos meus olhos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 31 de março de 2023

PENSAMENTO DE POBRE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PENSAMENTO DE POBRE

Violante Pimentel

Pessoas como eu, criadas sem luxo, que se acostumaram a não ter contato com coisas supérfluas, não perdem o sono, pensando em diamantes e outras pedras preciosas de altíssimo custo, que jamais tiveram ao seu alcance.

 

 

Os valores variam de pessoa para pessoa. Entretanto, o povo brasileiro se vê, agora, obrigado a prestar atenção aos acontecimentos que a mídia exibe 24 horas por dia, e que enlouquecem os devotos do supérfluo.

Não tenho joias como gênero de primeira necessidade. Nunca senti necessidade de ter uma joia.

Não sinto necessidade de joias, nem nunca pensei em comprá-las, mesmo para pagar em “parcelinhas” de cartões de crédito. Minhas prioridades são outras. Jamais deixaria de comer para luxar.

Esses informantes da mídia não cansam de fazer uma barulheira nos jornais, rádios e TVs sobre as tais joias valiosíssimas, recebidas da Arábia Saudita, legalmente, pelo Presidente Jair Messias Bolsonaro, durante a sua gestão. Esse assunto é a bola da vez.

Com ódio nos olhos e um riso sardônico nos lábios, os comentaristas políticos da mídia babam de inveja, por não estarem no lugar do ex-presidente, para terem recebido essas pedras preciosas. Pelo tempo, já as teriam vendido e estariam usufruindo do dinheiro. Ao contrário, os mimos continuam bem guardados e preservados no acervo presidencial.

Estamos vivendo um verdadeiro Febeapá – “Festival de Besteiras que Assola o País” (1966). Sérgio Porto, o nosso inesquecível Stanislaw Ponte Preta (Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1923 — Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1968), faz muita falta. Lá no Céu onde se encontra, deve estar escrevendo muito no Jardim do Éden e se divertindo com os assuntos que dominam a mídia brasileira.

As falências se sucedem e muitas casas comerciais sólidas veem-se ameaçadas com o aumento de tributos. Para que haja um comércio próspero, é necessário que ele exista onde a população também seja próspera e endinheirada.

O comerciante, para ser bem sucedido, precisa ter tino comercial no sangue, coisa que se transfere de pai para filho, com raras exceções. Não é preciso ter frequentado nenhuma academia de comércio, nem curso de Ciências Contábeis, Ciências Econômicas ou Atuariais, para se ter tino comercial. Via-se isso, nas vendas e armazéns do interior, num passado remoto, onde havia comerciantes riquíssimos, mesmo analfabetos. Bastava que tivessem um guarda-livros (contador), honesto, e o comércio prosperava.

Quando é começo de mês, época dos pagamentos salariais, as vendas tem um grande movimento. É a fase em que os consumidores compram mais. No meado do mês, as compras diminuem, e no final do mês, a pindaíba é grande, para os trabalhadores assalariados. Enquanto isso, os políticos e artistas tomam banho com o dinheiro público.

Os impostos e outras tributações fiscais concorrem para a queda dos comerciantes.

Pois bem. Eu jamais deixaria de comer para poder luxar. Não consigo entender como se tem loucura por joias. Nunca me senti atraída por esses faiscantes objetos.

Meus valores são outros. Perguntem-me para que servem a carne, o leite, as verduras, e outros gêneros alimentícios, que estou por dentro. Sobre as joias, o que eu sei é que elas não dão saúde a ninguém. E a morte quando se aproxima, não recebe propina, nem em joias.

Finalmente, não entendo de preço de joias. Nem me interesso por elas. Em compensação, uma coisa eu digo sem pestanejar: O preço da carne está pela hora da morte. E a picanha prometida à mesa do pobre ficou no esquecimento.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 24 de março de 2023

A ALCATEIA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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A ALCATEIA

Violante Pimentel

O lobo é um animal carnívoro e grande predador. Vive em bandos, denominados de alcateias.

O operam em grupo, onde cada membro tem um papel específico. Assim, matam presas que não iriam conseguir capturar sozinhos.

Alcateia é o coletivo de lobos. Designa um grupo de lobos, animais selvagens, que vivem, caçam, comem e dormem juntos. É uma estrutura familiar.

 

 

 

O termo é confundido com matilha, coletivo de cachorros.

Muitos pesquisadores já se dedicaram ao estudo das alcateias. Isso, porque a maneira hierárquica que os lobos usam para se organizar é intrigante, principalmente por serem animais selvagens e perigosos. Lembram muito os humanos.

A alcateia pode ser comparada a uma organização política ou familiar.

Como acontece nos núcleos familiares e políticos, na alcateia há o lobo líder, que exerce o domínio sobre os demais.

Na verdade, há o lobo líder e o vice-líder, que assume o lugar do chefe, na sua ausência.

O líder é o lobo mais forte e o mais dominante. Dá assistência a qualquer tipo de problema. Além disso, é ele que sai para a caça e determina quem comerá — depois dele.

A fêmea do líder, por sua vez, lidera as outras fêmeas da alcateia e usa sua sabedoria para garantir o bem-estar de todos.

O vice-líder é submisso, e verdadeiro saco de pancadas do líder, quando alguma coisa não dá certo. É o comando secundário da alcateia.

É comum que o vice-líder, na alcateia, esteja em segundo lugar, nos quesitos força e prestígio. A fêmea do líder é a responsável pelos lobinhos. Exerce o papel de babá, garantindo que todos os lobinhos cresçam saudáveis.

Por último, existem os lobos chaleiras, puxa-sacos ou babões, que não deixam de ser perigosos. São os lobos que não possuem um lugar garantido na alcateia; são mão de obra e andarilhos, meros prestadores de serviço. Por conta da insegurança do posto, esses lobos são tratados como companheiros de 2ª classe. Essa categoria de lobo sempre come por último. São tratados como verdadeiros “bodes expiatórios.” Mesmo assim, em termos, são protegidos pela alcateia.

De longe são reconhecidos os lobos puxa-sacos, pois a submissão é obrigatória na alcateia. Eles são deixados de lado nas brincadeiras e também precisam se encolher, baixar as orelhas, lamber o focinho do líder e, ainda, manter os rabos entre as pernas.

Daí, originou-se a expressão “ficou com o rabo entre as pernas”, que se diz, vulgarmente, quando alguém é maltratado e não reage.

Devemos ter muito cuidado, pois os lobos estão soltos!!! e há lobos vestidos com pele de cordeiro.

Está na Bíblia:

“Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores.” (Mateus 7:15-20).


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 17 de março de 2023

ESPANTANDO OS URUBUS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ESPANTANDO OS URUBUS

Violante Pimentel

 

Zezinho pula cedo da cama e, como sempre faz, deixa-a desarrumada. Também não tira o pijama, porque não dorme de pijama; tem a péssima mania de dormir de roupa. Toma um café preto e ralo e sai de casa tremendo de frio. Hoje não calçou o Conga; preferiu o sapato super velho, pois já sabia o que o esperava e aonde teria que ir.

Como companhia, um cajado pequeno, do seu tamanho, um ou dois sacos plásticos de supermercado e um lenço que sua mãe lhe amarra ao pescoço. Em determinado momento, esse lenço vai servir para cobrir seu nariz e sua boca: há gases no lugar onde ele vai, há péssimos cheiros, há micróbios, há bactérias e outros tipos de porcaria. Era o lenço de seu pai, agora é seu, pois virou o homem da casa desde que seu velho saiu para comprar cigarro e nunca mais voltou.

A mãe grita da porta: “Não esquece de cobrir os olhos, também, e não respire a fumaça que sai do chão”.

Depois de andar quase uma hora, Zezinho chega àquele monte enorme, o lixão. Percebe que está atrasado e quase não há onde fuçar.

Mais de cinquenta meninos chegaram antes dele e fuçaram primeiro; já pegaram os melhores restos, os mais frescos, aqueles que ainda serviam para comer. Mesmo assim, Zezinho cobre o rosto com o lenço, mete os pés no monturo e, com o cajado, espanta os urubus. Consegue salvar alguns restos de comida e se apressa em voltar para casa, onde a mãe o aguarda ansiosa.

Não tenho nada contra os urubus. Pelo contrário, gosto muito dos urubus, pelo serviço que eles prestam á humanidade, limpando o solo e a podridão dos animais em decomposição.

“Os urubus, aves becadas por natureza, não tem grandes dotes para canto, mas já decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haverão de se tornar grandes cantores.”

Os urubus tem fama de dar azar. Isto é pura superstição. O ditado “um urubu pousou na minha sorte”, ´´e muito antigo, e faz parte da sabedoria popular.

Na minha terra natal, Nova-Cruz (RN), já ouvi gente dizer:

“Estou tão sem sorte, que só falta, agora, um urubu fazer cocô na minha cabeça.”

Se isto acontecer, será moleza demais!!!

Voando sob o céu azul, os urubus apresentam um espetáculo muito bonito: Fazem curvas suaves no espaço. Entretanto, mesmo com curvas suaves no voo, representam um perigo para a aviação. Eles tem sido responsáveis por inúmeros acidentes aéreos, na decolagem e no pouso, momentos críticos dos voos, conforme atestam as estatísticas. Os urubus se aproximam das turbinas dos aviões e são sugados, ou se lançam contra os vidros, como suicidas.

É impossível se cercar o ar ou erguer muralhas no espaço aéreo, pois, afinal, este pertence a todos, inclusive aos urubus.

Existem recursos técnicos, como a fumaça, que diminuiriam o perigo e afastariam os urubus. Mas, eliminá-los completamente é impossível. Outra solução seria deslocar os depósitos de lixo, das proximidades dos aeroportos, o que também é impraticável.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de março de 2023

O MINISTRO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O MINISTRO

Violante Pimentel

Sully, Maximiliano de Béthune, Barão de Rosny, (1559 – 1641) foi um dos mais ilustres ministros da França, durante o reinado de Henrique IV (1553-1610) .

Era protestante. Seu pai apresentou-o a Henrique de Navarra, que o levou consigo para Paris, onde ele cursou o Colégio de Borgonha. Escapou à matança de São Bartolomeu e prestou o serviço militar no exército do rei de Navarra.

Henrique IV (Pau, 13 de dezembro de 1553 – Paris, 14 de maio de 1610), também conhecido como “o Bom Rei Henrique”, foi o Rei de Navarra como Henrique III de 1572 até sua morte, e também Rei da França a partir de 1589.

Depois que Henrique IV subiu ao trono da França, Sully foi o seu confidente preferido. Nomeado, sucessivamente, Secretário de Estado em 1591, Conselheiro do Conselho das Finanças em 1596, Inspetor-mor em 1597, Superintendente das Finanças e Grão-mestre da Artilharia em 1599.

Foi, sobretudo, pelas suas reformas financeiras, que Sully se tornou célebre. Soube, à força de atividade, ordem e economia, realizar os planos concebidos por Henrique IV. Para remediar a penúria da França e do tesouro real, começou por estabelecer uma contabilidade severa e puniu os concussionários (funcionários que recebiam propina); fiscalizou a repartição da capitação (certo imposto pago por cabeça; o que cabia a cada um pagar); diminuiu as isenções; reduziu os juros da dívida por meio de uma conversão; estabeleceu, numa palavra, um verdadeiro orçamento de 40 milhões; protegeu a Agricultura, reparou as estradas, as pontes, procurou dotar a França com uma rede de canais, mas só pôde levar a efeito o canal de Briare. Restabeleceu as fortificações das Praças fronteiras e deu ao país uma excelente artilharia.

Muito apreciado por Henrique IV, Sully opôs-se, frequentemente, às suas prodigalidades e às das suas amantes.

Impediu que o rei casasse com Gabriella d’Estrées e trabalhou para o seu casamento com Maria de Medici.

Henrique IV soube, todavia, resistir ao seu ministro, criando e desenvolvendo as indústrias de luxo, das quais Sully não era partidário.

Henrique IV da França (III de Navarra) morreu em Paris, França, no dia 14 de maio de 1610, quando partia para uma campanha militar. Foi assassinado por um fanático chamado François Ravaillac.

Após o assassinato do rei, Sully conservou as suas funções, e em 1611 as intrigas da Corte obrigaram-no a demitir-se do cargo de Superintendente das Finanças, e de Governador da Bastilha. Exigiu, então uma soma avultada e uma grande pensão, porque estava longe de ser desinteressado.

O seu ciúme de todos os outros ministros e favoritos era perceptível a olho nu. No entanto, ele foi um excelente homem de negócios, e se opôs às despesas exageradas com as cortes, que foram a perdição de quase todas as monarquias europeias nesses tempos.

Era dotado de capacidade executiva, acima de tudo, com profunda devoção ao seu rei. Havia ganho, implicitamente, a confiança de Henrique IV, e provou ser o assistente mais capaz em dissipar o caos em que as guerras religiosas e civis tinham mergulhado a França.

A Sully, ao lado de Henrique IV, pertence o crédito para a transformação feliz que houve na França, entre 1598 e 1610, pelo qual a agricultura e o comércio foram beneficiados, e a paz externa e a ordem interna foram restabelecidas. Foi um mercantilista prático.

Sully não era popular. Era odiado pela maioria dos católicos romanos, porque era um protestante, e também pela maioria dos protestantes, porque era fiel ao rei, que havia se tornado católico romano. Portanto, por ser um dos favoritos do rei, Sully era odiado por todos e considerado egoísta, obstinado e rude.

Em 1634, foi-lhe dado o bastão de Marechal, por intervenção de Richelieu. Escreveu umas memórias, que foram publicadas com o título de “Sábias e Reais Economias de Estado”.

Sendo Sully ministro da Fazenda durante o reinado de Henrique IV, da França, certo dia este o notou preocupado, e perguntou-lhe a razão.

Senhor – respondeu o ministro Sully: – as necessidades do Estado são urgentes e vamos ser obrigados a criar novos impostos. É isto o que me preocupa.

Oh! Novos impostos!- exclamou o rei, ficando sisudo e perdendo, de repente, todo o ar de sua graça.-Irritado, desabafou:

– Não me fale nisto! Meu povo já está muito sobrecarregado de impostos para que lhe imponhamos outros! Mais impostos, é impossível!!!…

– Senhor – continuou Sully, – acho-me diante de sérios compromissos. As despesas aumentam dia a dia e as rendas diminuem, não dando para cobri-las. Preciso fazer grandes pagamentos e me encontro sem recursos. Já sabeis, Majestade, que aquele que segura o cabo da caçarola é o que em pior situação se acha.

Irritado, o rei perguntou:

– Quem disse isto?

– A sabedoria popular, Majestade. É voz corrente. – Respondeu o ministro.

– Pois está enganado! – contestou o monarca de cara fechada:

 – O que se acha em pior situação é o que está se cozinhando dentro da caçarola e não o que lhe segura o cabo!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 03 de março de 2023

SÃO AS ÁGUAS DE MARÇO… (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO AMAJNAQUE RAMUNDO FLORIANO)I

 

SÃO AS ÁGUAS DE MARÇO…

Violante Pimentel

À propósito, no dia 22 de março de 1992, a Organização das Nações Unidas – ONU instituiu o Dia Mundial da Água, além de promover a Declaração Universal dos Direitos da Água, através da RES/64/292 de Julho de 2010, garantindo por lei o direito ao ser humano de usufruir de saneamento básico e acesso à água limpa e segura.

O calendário que usamos foi uma evolução do antigo calendário romano, e os nomes dos meses utilizados vieram dos deuses.

O nosso calendário, para contagem do tempo, permanece o mesmo, estabelecido pelo imperador romano Júlio César.

Escrevendo a história dos nomes dos meses do ano, é como se estivéssemos assistindo a um desfile dos meses romanos.

JANEIRO e FEVEREIRO DE 2023 já passaram. Estamos em Março, o terceiro mês, considerado o mês das águas.

MARÇO – Nome originado de Marte, o deus da guerra.

No desfile imaginário dos deuses romanos, Marte (Março) passa num carro puxado por dois cavalos, cujos nomes eram Terror e Fuga.

Para os romanos, Marte era mais do que um guerreiro. Era um deus que podia conseguir tudo pela sua grande força. Pediam-lhe chuva, e a chuva vinha.

Atualmente, março de 2023, continuamos ameaçados por um desfile fictício, onde o deus da guerra, Marte, nos ameaça, puxado por cavalos, que representam o ódio, a vingança e a censura. E a força das águas tem destruído vidas no Sul do País.

Falando nas águas do mês de março, ressaltamos a belíssima canção de Antônio Carlos Jobim, “Águas de Março“, uma verdadeira metáfora da imagem da passagem da vida cotidiana, sem interrupção, e sua inevitável progressão rumo à morte – como as chuvas do fim de março, que marcam o final do verão, no sudeste do Brasil.

A letra aproxima a imagem da “água” a uma promessa de vida, uma renovação.

O tema dessa composição começou a ser trabalhado por Tom Jobim, ao violão, no seu sítio do Poço Fundo, em São José do Vale do Rio Preto, região Serrana do Rio de Janeiro. De acordo com depoimento de Thereza Hermanny, esposa de Tom à época, a inspiração para “Águas de Março” surgiu ao final de um dia cansativo de trabalho de onde surgiram os primeiros versos “é pau, é pedra, é o fim do caminho”. Assim como quem estava cansado mesmo e querendo descansar.”

No ano anterior à composição de “Águas de Março“, Tom Jobim havia sofrido a única grande perseguição política em sua vida. Em um protesto contra a censura que vigorava durante a ditadura militar no Brasil, Tom Jobim e alguns compositores assinaram um manifesto e se retiraram do Festival Internacional da Canção, da Rede Globo. Doze artistas, entre os quais Tom, foram detidos e, durante algumas horas, interrogados. Segundo declarações posteriores de Chico Buarque, Edu Lobo e Ruy Guerra, um diretor da emissora esteve presente e insistiu para que os compositores voltassem atrás e retornassem ao festival. A pressão não funcionou, mas – na opinião de Chico e Ruy – instigou o aparelho repressivo do regime a enquadrá-los na Lei de Segurança Nacional. Depois, Tom foi intimado várias vezes a prestar depoimento, chegou a ter o seu telefone grampeado e as suas cartas, violadas. Segundo Tom, a questão foi resolvida “de uma maneira bastante brasileira”, quando um escrivão de polícia solidário o chamou e disse: “Olhe, o senhor não queira se meter com polícia… Isso aqui não é bom. Negócio de polícia não é bom. Vou bater um negócio aqui para o senhor…” E assim, o escrivão bateu à máquina de escrever uma declaração, que Tom assinaria. “Este papel aqui diz que o senhor não teve intenção”.

Para a revista Playboy, em 1988, Tom contou que, à época da criação de “Águas de Março“, o médico lhe disse que iria morrer de cirrose. E ele escreveu: “É um resto de toco, é um pouco sozinho'”.

Em 1992, para o Jornal do Brasil, ele declarou que escreveu “Águas de Março” em um período em que estava numa grande fossa. Parecia que tudo havia acabado para ele, e que não lhe restava nada a fazer. Por isso, se entregava à bebida.

A letra de “Águas de Março” é estruturada em um único verbo (ser), conjugado na terceira pessoa do singular, no presente do indicativo em, praticamente, todos os versos – exceto no refrão, transformado em plural (“São as Águas de Março …”. Há uma constante alternância entre versos considerados otimistas e pessimistas, além do uso de antítese (“vida”, “sol” / “morte”, “noite”), pleonasmo (“vento ventando”), paronomásia (“ponta” / “ponto” / “conto” / “conta”).

Sua letra tem caráter pouco narrativo e fortemente imagético, constituindo-se como séries descritivas conectadas a um espaço semântico amplo. Muitos elementos, de natureza geral, podem referir-se à cena do sítio: “pau”, “pedra”, “resto de toco”, “peroba-do-campo”, “nó na madeira”, “caingá”, “candeia”, “matita perê”, o que enquadra “Águas de Março” em um repertório de canções ecológicas.

A letra é uma profunda reflexão do sentido da vida.

ÁGUAS DE MARÇO

É o pau, é a pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba no campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira

É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento vetando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira

É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho

É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manha, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terça
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

Pau, erda
Im, inho
Esto, oco
Oco, inho
Aco, idro
Ida, ol
Oite, orte
Aço, zol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

 

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de fevereiro de 2023

EVOCANDO “O BOBO DA CORTE” (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

EVOCANDO “O BOBO DA CORTE”

Violante Pimentel

“Bobo da Corte” era o nome que se dava ao “funcionário” contratado pelas cortes europeias, na Idade Média, com a finalidade de divertir o rei, a rainha e seu séquito.

Comparado a um palhaço, o bobo, muitas vezes, contrariava a Corte, com brincadeiras abusivas, que apontavam de forma grosseira os defeitos da sociedade.

 

 

Esse “funcionário” era o único que podia fazer críticas irônicas ao rei, sem correr o risco de ser punido. Também participava dos banquetes do reino. Usava uniformes coloridos, espalhafatosos, e chapéus bizarros, com pontas e alguns chocalhos amarrados.

Além de fazer a corte rir com palhaçadas, o “Bobo da Corte” também declamava poesias, tocava algum instrumento, dançava, cantava, fazia mímicas e malabarismos. Era o cerimonialista das festas. Sua característica principal era o exibicionismo e o exagero, tanto nos trajes usados, como nos gestos e palavras.

Esses plebeus, pagos para divertir a nobreza e a realeza, não eram loucos nem tinham deformidades físicas. Também não faziam parte do grupo de corcundas e anões, que muitas cortes adotavam como circo particular.

Para alguns estudiosos, o “Bobo da Corte” era um sabidão, e de bobo só tinha o nome.

Na opinião do grande filósofo do século XVI, Erasmo de Rotterdan, o “Bobo da Corte” tinha, paralelamente, um papel principal, oculto, na Corte: Era ele quem contava ao rei o que ninguém queria que o rei ficasse sabendo. Era o espelho de todo o grotesco dos hábitos da Corte. Era uma espécie de “dedo duro” ou informante, com livre acesso ao rei. Era o fuxiqueiro da Corte.

A figura do Bobo da Corte sempre esteve associada ao divertimento, palhaçadas, e ao prazer que davam ao rei suas piadas e brincadeiras.

Usando-se a caracterização do “Bobo da Corte”, foi criada a décima terceira carta do baralho, o Curinga, a carta que pode alterar o jogo completamente.

Entre as habilidades do “Bobo da Corte”, estava ainda a de imitar ou “arremedar” as atitudes e gestos faciais e corporais das pessoas do reino. Também contava histórias por ele criadas, cheias de disparates e indiretas, incitando a reflexão das pessoas para a incoerência do comportamento dos poderosos.

O gênio do teatro inglês, William Shakespeare (1564-1616), deu destaque à figura dos bobos, dando a eles papeis de grande importância em sua obra. Nas suas peças “Rei Lear” e “A Noite de Reis”, o autor elevou a posição do bobo junto aos poderosos, com interpretações de papeis de grande importância e destaque. O bobo, nessas peças, é o personagem que se sobressai pela esperteza e inteligência. Pode fazer críticas aos próprios reis, com comentários picantes, mas com os quais o público vai às gargalhadas.

No baralho, o Bobo da Corte é representado pelo Curinga, a carta que pode alterar o jogo completamente.

A figura do “Bobo da Corte” existiu até o século XVII.

O vocábulo “bobo” consta no MINIDICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, de Ruth Rocha, como “Palhaço que divertia os nobres”.

Nos tempos atuais, a expressão “bobo da corte” é usada de forma pejorativa. Caracteriza alguém, sem conteúdo ou sem seriedade, uma figura tola e hilária, que não pode ser levada a sério.

Há vários “Bobos da Corte” na política atual. Verdadeiros palhaços, que fazem do povo brasileiro gato e sapato, e atropelam os preceitos constitucionais.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 20 de fevereiro de 2023

FALANDO EM CARNAVAL (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

FALANDO EM CARNAVAL

Violante Pimentel

 

O Carnaval é considerado reminiscência das festas pagãs Greco-romanas, que ocorriam entre dezembro e fevereiro.

No Brasil, o Carnaval chegou com os portugueses, na comemoração do entrudo, que festejava a entrada da primavera e abria as solenidades litúrgicas da Quaresma, período da abstinência de carne – palavra que designa o nome carnaval.

O entrudo era uma festa barulhenta, suja, e por vezes, violenta.

Foi a partir da segunda metade do séc. XIX, que o entrudo passou a conviver com bailes de máscara em teatros e clubes, à moda europeia.

A primeira música carnavalesca composta no Brasil foi “Ô Abre-alas”, composta por Chiquinha Gonzaga em 1899. Sinhô, compositor da época, também é considerado o pioneiro da mistura de classes sociais no carnaval. Primeiro passo, rumo à concepção atual dos desfiles das grandes escolas de samba.

Aos poucos, o carnaval foi se transformando na expressão que mais representa a identidade cultural do brasileiro, reflexo de sua formação, de sua história, de suas venturas e desventuras.

O Carnaval reúne samba, frevo, festa de rua, com muita gente suada, corpos bronzeados, beleza, erotismo, e, acima de tudo, uma explosão de alegria. No carnaval, há uma mistura de classes sociais. Não se sabe, ao certo, se a explosão de alegria do Carnaval representa felicidade ou desespero.

As grandes escolas de samba aproveitam o Carnaval para fazer denúncias sociais e protestar contra a política.

Nos dias de Carnaval, não me canso de evocar Nova-Cruz (RN), minha terra Natal.

Olho pelo retrovisor do tempo e me vejo menina, num clima de alegria, com confete, serpentina e cheiro de lança-perfume, numa época em que ninguém tinha morrido, nem a maldade havia nascido.

Pois bem. Morava em Nova Cruz (RN) um rapaz de nome José Teixeira, filho de uma viúva, pertencente a uma ramificação de tradicional família daquela cidade. Dizem que, desde criança, sempre demonstrou tendência feminina nos gestos, preferindo os brinquedos das meninas e desprezando carrinhos e bolas com que os meninos brincavam. Cresceu assim, e, dessa forma, tornou-se rapaz, passando a se dedicar às prendas domésticas. Revelou-se um verdadeiro artista, aprendendo a bordar, pintar, confeccionar flores e chapéus femininos ornamentados.

Com o passar do tempo, José Teixeira dedicou-se completamente à decoração de ambientes e preparação de festas, difundindo cada vez mais suas habilidades artísticas. Com elas, passou a ganhar dinheiro, ajudando no sustento da mãe, viúva pobre, e suas duas irmãs.

Era religioso, educado, e sabia respeitar as pessoas, sendo por isso também respeitado. Nenhuma festa acontecia na cidade, sem que estivessem presentes a sua arte e o seu bom gosto. O preparo de altares na Matriz da Imaculada Conceição, Padroeira da cidade, os andores para as procissões, festas de casamento, aniversários, enfim, quaisquer acontecimentos festivos contavam com a sua indispensável participação.

Tornou-se o decorador oficial da cidade, nos eventos públicos ou privados, inclusive nas festas religiosas do final do ano, onde havia uma Quermesse para angariar fundos para a Igreja. Eram frequentes os jantares, os saraus, os bailes, as procissões e novenas, como manifestações da realidade artística, religiosa e social da cidade. Em tudo, estava a presença marcante desse filho de Nova-Cruz.

Merece destaque o fato de José Teixeira nunca ter escondido sua tendência feminina, mantendo, entretanto, uma conduta discreta e digna. Vivia para o trabalho, e nunca se meteu em fofocas. Seu excelente círculo de amizade incluía moças, senhoras casadas, senhores e rapazes. Até o Padre da Paróquia de Nova-Cruz lhe fazia elogios publicamente, em agradecimento pelo seu trabalho de embelezador e colaborador das festas e procissões. Nessa época remota, o distúrbio genético apresentado por José Teixeira era raro, e a cidade que o viu nascer o aceitava como era.

Sua presença tornou-se indispensável nas festas de aniversários, casamentos e bailes. Também ocupava lugar de honra na vida familiar da cidade, sendo sempre convidado para almoços e jantares, e ainda para padrinho de crianças. Tornou-se amigo e confidente de todos. A cidade se desenvolveu e passou a ter mais festas, aumentando também o prestígio de José Teixeira. Era um verdadeiro “patrimônio” artístico de Nova-Cruz.

Surgiu o primeiro bloco de carnaval da cidade, tendo José Teixeira como organizador, decorador e figurinista. Esse bloco saía às ruas de Nova-Cruz no tríduo carnavalesco, “assaltando” as residências de pessoas da cidade, onde era recebido com bebidas e salgadinhos, à vontade. As calçadas e ruas transformavam-se em salões de festa e a alegria era imensa.

O nosso Tio Paulo, uma figura inesquecível, era um dos maiores incentivadores do bloco, e o “assalto” à sua casa era indispensável! Irmão do nosso pai, Francisco, as casas eram vizinhas, e o “assalto” era aproveitado por nós, ainda crianças. Dançávamos no meio da rua, jogando confetes e serpentinas, presenteadas por ele, num clima de felicidade sem igual.

Tio Paulo distribuía lança-perfumes para os seus amigos, compradas em Natal, que eram usadas para perfumar o cangote das moças. E o cheiro se espalhava pelo ar. Não havia porre, loló nem brigas. O carnaval era só alegria e higiene mental. O Rei Momo e a Rainha do Carnaval eram eleitos, uma semana antes, por uma comissão apontada por José Teixeira, da qual fazia parte.

José Teixeira confeccionava a alegoria, porta-estandartes e as fantasias para o carnaval. Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas (vem Odalisca do meu harém vem, vem vem… ) e Piratas eram as principais fantasias. A tarde entrava pela noite, com trombones, tamborins e outros instrumentos, executando os mais belos e tradicionais frevos e marchinhas de carnaval. A cidade era calma e o povo todo era conhecido. Não havia o carnaval sensual/sexual de hoje, e os seios e nádegas eram guardados com recato. As marchinha e frevos não tinham maldade. Tinham beleza e poesia.

Podemos dizer que, em Nova-Cruz, foi José Teixeira quem inventou o Carnaval, o bloco, a alegoria e o estandarte, numa época em que a maldade nem pensava em nascer. Assim era José Teixeira. Totalmente feminino, amado, respeitado, e aceito por todos, sem sofrer exclusão pelo seu modo involuntário de ser. Para mim, ele era um Anjo. E Anjo não tem sexo…

Hoje, desapareceram a pureza e o lirismo das músicas de carnaval! Roubaram as fantasias do nosso povo. Os Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas e Piratas se desnudaram. Restaram expostos, em abundância, seios, nádegas e tatuagens. A modernidade nos deixou apenas o direito de nos fantasiarmos de PALHAÇOS!!!Palhaços das nossas ilusões! Decepcionados, abafamos no peito a saudade dos velhos carnavais!

 

Ó, abre alas, que eu quero passar!

 

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 13 de janeiro de 2023

FALANDO SÉRIO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

FALANDO SÉRIO

Violante Pimentel

Não é difícil notar um quê de tristeza, no semblante de uma grande parte do povo brasileiro, decepcionado com o desfecho que tomou a cena política do nosso País.

Desde os tempos coloniais, impera no Brasil o hábito da falsa dádiva. A bondade, exercida com o dinheiro público, dá a impressão de que a produção da riqueza não pertence ao povo brasileiro. O poder público é obrigado a fazer o bem à sociedade. O que não pode é distribuir migalhas ao povo, como se estivesse dando esmolas.

A riqueza do País pertence ao povo. Os ladrões de colarinho branco não podem abocanhar o dinheiro público, como ratos famintos abocanham o queijo.

É comum, nas bocas e mãos dos que manipulam as vantagens dos cargos, funções e mandatos, a benevolência cômoda, como meio de promoções pessoais, para que aparentem grandes governantes.

Se hoje precisam ser mais cuidadosos, com as faturas controladas por lei, ainda restam os detritos de uma civilização, nutrida pelo estado, com o uso e abuso de artifícios, que promovem o culto pessoal e transformam o que é dever constitucional em falsa bondade.

Quantas vezes, os homens públicos são benevolentes com o povo, como se estivessem fazendo favor ou dando-lhe esmola! Na realidade, não fazem mais do que sua obrigação. Afinal, na hora solene da investidura ou posse, nos cargos que a sociedade lhes concede por voto ou nomeação, os políticos prestam compromissos legais, prometendo o bem comum ao povo.

Há muito tempo, a aspiração política abandonou o espírito público e foi substituída pela vaidade e ganância. O exercício do mandato, que deveria ser um bem à sociedade, deixou de ser atributo de transparência e equilíbrio, O dever de bem servir ao povo passou a ser meta e não compromisso. É como se o governante não tivesse obrigação nenhuma com o povo, e pudesse usar os cofres públicos ao seu bel prazer, ignorando a obrigatoriedade legal da transparência e usando o poder como um instrumento de culto à personalidade.

A sociedade passou a ter líderes artificialmente nutridos nos seus egos, com faturas para os cofres públicos. A vaidade faz com que os políticos, ditos representantes do povo, projetem a imagem de si mesmos, nas horas mais importantes do sistema político. E tudo diante de uma sociedade que somente agora parece dar os primeiros sinais de uma impaciência, que chega às ruas na forma de desabafos ideológicos ou sinais de revolta.

É difícil calar a boca dos revoltados, vestidos de verde-amarelo. E a crise que queimava em fogo brando, agora ferve.

* * *

Mudando o rumo dessa prosa, e rememorando o recentemente falecido Edson Arantes do Nascimento, hoje chamado “Rei Pelé”, que tantas alegrias proporcionou ao Brasil, segue um fato verídico, ocorrido com ele, no auge de sua brilhante carreira de jogador de Futebol:

“EXPULSO O JUIZ QUE EXPULSOU PELÉ

No jogo entre o Santos F.C. e a seleção Olímpica da Colômbia, realizada em 17.7.68, em Bogotá, que foi repleto de incidentes, o árbitro Guillermo Velasquez expulsou Pelé no primeiro tempo. A torcida colombiana reagiu e exigiu a expulsão do juiz, o que foi feito depois de 15 minutos de interrupção, sendo ele substituído pelo bandeirinha Omar Delgado.

Em seguida, a massa presente ao estádio exigiu a volta de Pelé, medida que foi determinada pelo novo árbitro, ainda no primeiro tempo. Em retribuição, Pelé teve uma atuação de gala e o Santos venceu por 4 X 2..

(Em “FUTEBOL TEM CADA UMA” – Armando M. Graça – Editora GOL- 1968).


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 31 de dezembro de 2022

REMINISCÊNCIAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

REMINISCÊNCIAS

Violante Pimentel

 

Há dias em que nos sentimos, como se a nossa alma fosse assaltada, pelos mais puros desejos de viver, e quase todas as lembranças vem à tona. Entretanto, o que passou jamais voltará. Se a vida é como um rio e as águas não voltam, cada dia é um novo dia.

“Rio caminho que anda, que vai resmungando, talvez uma dor…Ai, quanta pedra levaste, quanta pedra deixaste, sem vida e amor……..” – Eu e o Rio – Miltinho (Veja vídeo no final da postagem)

“Aguas passadas não movem moinho”, diz o dito popular. Entretanto, as recordações estão impregnadas, no âmago da nossa alma.

Passam anos e mais anos, e cada vez mais o universo dos nossos amores vai ficando menor. As perdas…Ah, as perdas!!! Como a nossa alma fica empobrecida, cada vez que perdemos um ente querido! À medida que os anos passam, a certeza da finitude da vida tolhe, a cada dia, a nossa alegria de viver e o ambiente feliz em que fomos criados cada vez mais se distancia de nós.

O Novo Ano de 2023 está prestes a raiar, e dele esperamos boas surpresas, mesmo sabendo que as surpresas perniciosas e indesejáveis, que advirão dos maus gestores, no âmbito da política, serão sempre mais fortes. Somente Deus punirá, pra valer, os carrascos da nossa sociedade.

Pesa nas nossas costas o pesado fardo dos asseclas de Nero, que usam a lei para oprimir e humilhar cidadãos de bem. A volúpia do poder, os sacos de dinheiro e uma caneta na mão são capazes de dilacerar a alma humana.

Os homens públicos, nossos algozes, nos tiram a tranquilidade, a paz de espírito e a calma que tanto pedimos a Deus. A força dos maus gestores predomina sobre o bem-estar da Nação.

O amanhã não quer ver ninguém bem. Por isso, o dia é hoje. E que Deus nos proteja da maldade humana ou da desumanidade dos homens, descendentes de Caim.

Evocando Fernando Pessoa.

Aniversário 

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
Ai, que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui…
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado…
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!…

Álvaro de Campos, 15-10-1929

Não consigo mais festejar o dia dos meus anos

O ano de 2022 está acabando. Cai a tarde tristonha e serena e caem os sonhos que, durante o ano, acalentamos. 2023 está se aproximando, sobrecarregado de medidas previamente tomadas pelo chamado Governo de Transição, numa exorbitância monetária, antes, nunca vista neste País. Abriram-se as portas de todas as prisões onde se encontravam presos os grandes ladrões.

Enterramos castelos ruídos e os amores sonhados se foram. A saudade pungente maltrata o nosso peito. É hora de perdoar e é hora de pedir perdão. Discurso de ódio deveria dar cadeia.

Violência gera violência. E a vida se acaba mais ligeiro.

Eu me pergunto:

– Ano Novo, que trazes pra mim? Já não posso conter o meu pranto…As lembranças estão no jardim, e a saudade sufoca o meu canto.

Quando a vida sorria pra mim, minha alegria transformou-se em dor, transformando em tristeza uma linda história de amor.

De repente, as lembranças afloram:

É Lia, é Francisco, é a luz! São os dias felizes da minha infância em minha querida Nova-Cruz, quando ninguém tinha morrido. E a saudade faz sangrar meu peito.

A barraca, a Banda de Música, a festa da Padroeira, Nossa Senhora da Conceição…

A cidade toda em festa. O Parque São Luiz, as paqueras, o leilão; alfenim enchendo as cestinhas; a pescaria com suas prendas baratas, que, na minha saudade, ressurgem num lampejo de amor e carinho, como mimos de ouro e prata.

O Parque São Luiz fazia parte da festa de final de Ano em Nova-Cruz. A alegria das crianças e adultos, com a amplificadora do Parque a exibir as mais lindas e dolentes melodias, “de José para Dorinha, com o peito explodindo de amor.“ E soava a voz do amor nos corações.

A alegria da noite de Ano Novo inebriava a todos que se encontravam naquela festa popular, que se realizava na frente da Matriz da Imaculada Conceição.

O Hino Nacional, executado pela Banda de Música da Polícia Militar, anunciava a passagem do Ano, num momento de magia e emoção. Entre abraços, sorrisos e lágrimas, era chegado o Novo Ano, que todos desejavam que trouxesse a Paz sempre sonhada, Saúde e comida para o povo. E todos desejavam:

“FELIZ ANO NOVO!!!”

Era um tempo feliz, em que a maldade nem tinha nascido!!!

Bem diferente dos dias de hoje, em que muita gente se comunica através da secura das redes sociais, sem o abraço caloroso ao vivo e a cores.
Estamos vivendo a era dos robôs, quando a tecnologia superou o homem. E o texto frio da lei superou a carne e o sangue.

Um Feliz 2023 para os queridos Editores do JBF, Luiz Berto e Aline Berto, respectivamente, Papa e Papisa da ICAS (Igreja Católica Sertaneja), como também para os queridos colunistas e leitores do nosso querido Jornal!

Muita Saúde e Paz!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 26 de dezembro de 2022

O PERU DE NATAL (POSTAGEM DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

O PERU DE NATAL

Violante Pimentel

 

 

Querido Editor Raimundo Floriano:

Feliz Dia de Natal!

Segue para você a beleza do poema O PERU DE NATAL, que minha saudosa Mãe, Dona Lia, gostava muito, e ensinou à minha fiha Diana,  ainda pequena, a recitar.

Grande abraço, extensivo à família!

BOAS FESTAS!

 

O PERU DO NATAL

Cornélio Pires

 

No Natal, Sinhá Luzia da Portela
pôs um peru debaixo da bacia,
para comer nas horas de alegria…
Mas em sonho o peru falou com ela…
Sinhá Luzia, não corte minha goela!
Quero lembrar Jesus na estrebaria!
A senhora me mate noutro dia!
Não me ponha no forno ou na panela!
Sinhá Luzia acordou em desaponto,
fez almoço pequeno, tudo pronto…
Só mandioca, chuchu e broa quente.
Quando o patrão pediu peru no prato,
ela disse: Eu morro, mas não mato!
Esse bicho é de Deus, que nem a gente!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de dezembro de 2022

ENTÃO, É NATAL… (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ENTÃO, É NATAL…

Violante Pmentel

 

Então, mais uma vez, é Natal. O que os homens ditos “poderosos” tem feito pelo bem-estar da humanidade, não se vê.

E o que os homens ditos “poderosos” do nosso País terão a dizer nesta data? Pedirão perdão ao povo pelo dinheiro roubado, e dirão “Feliz Natal”? A demagogia é grande.

As suas mesas estarão repletas de comidas finas e vinhos caríssimos, às custas do dinheiro público. E o pobre ficará somente com o cheiro do peru de Natal e as doações das pessoas de boa vontade.

Assaltaram, ininterruptamente, o erário público, e continuam crucificando Jesus Cristo, a cada dia. A sensação é de que o mundo mudou para pior.

Então, é Natal, para o enfermo, o são, o rico, o pobre ,o branco, o negro, com a pulsação de um só coração.

Infelizmente, a Paz sonhada pela humanidade ainda não chegou. Que seja feliz, quem só pratica o Bem!…

Há dois mil e vinte e dois anos, tarde da noite, guiado pela estrela-guia, um casal chegou a Belém da Judéia. Estavam cansados da viagem, com a mulher gravida montada num jumento, puxado pelo marido. Muito cansada, da viagem, a mulher, prestes a dar à luz, não se sentia bem e precisava descansar. Tentaram fazer pouso numa hospedaria, mas foi em vão. O aspecto de pobreza do casal fez com que o dono lhe negasse hospedagem. Em tom de deboche, lhes indicou uma manjedoura que encontrariam ao longo do caminho, onde eles não precisariam e de dinheiro. O marido, José, acolheu a informação e levou Maria ao lugar indicado. Ali estava o casal mais santo e importante da humanidade.

E foi nessa manjedoura, que nasceu o Menino Jesus! Logo chegaram os três Reis Magos para o adorar, e lhe trouxeram de presente o incenso, o ouro e a mirra.

Abrindo as torrentes do coração. -Tive uma infância e uma adolescência maravilhosas, e todos estavam vivos na noite de Natal. Hoje, na idade madura, ao comprar os presentes de Natal, sinto um aperto no peito, sob a forma de saudade, das pessoas queridas, que já não se encontram entre nós.

A pureza do Natal de antigamente já não existe. Mas, a Esperança de melhores dias permanece dentro de nós.

A chegada do Natal nos inspira os sentimentos de solidariedade, gratidão, amor e fraternidade, e nós temos obrigação de proporcionar alegria às pessoas queridas que nos cercam e com as quais temos a felicidade de conviver.

Elevemos nosso pensamento a Deus e oremos pelos amigos e entes queridos que já se encantaram, deixando em seu lugar uma imensa saudade.

No Natal, se festeja o nascimento do Menino Jesus, o mesmo menino que se fez homem e morreu crucificado, para salvar a humanidade!

A Noite de Natal é sagrada para todos os lares. Noite de encanto e mistério para as crianças, e noite de ternura e carinho para os pais. No silêncio da noite, quando tudo dorme, as crianças sonham com os possíveis presentes que receberão nos seus sapatinhos, postos ao lado de suas camas. Surge a imagem de Papai Noel, mostrando-lhes os mais variados presentes.

Numa manhã do Natal, um menino de oito anos, nascido na pobreza, levantou-se cedinho da cama, para matar a curiosidade e ver se, dessa vez, Papai Noel teria atendido o seu pedido e lhe daria um presente. Encontrou duas grossas moedas de dez tostões. O seu desapontamento foi terrível. Por que razão Papai Noel teria feito isso com ele?

Desde esse dia, o menino teve seu peito invadido pelo veneno da dúvida, e deixou de pedir presente a Papai Noel. Achou que aquilo era obra do seu pai, no intuito de desvanecer a sua fé em tal lenda, e colocando no seu sapatinho o seu repugnante dinheiro. Seu pai teve seu desejo realizado.

Conta uma antiga lenda que, numa véspera de Natal, dois mendigos caminhavam pela escuridão da noite. De repente, tropeçaram num gato abandonado, que miava timidamente, aparentando estar faminto. Sentiram que o gato era tão pobre quanto eles. Os pobres são bons para os pobres e ajudam-se uns aos outros, dividindo entre si o pouco que conseguem para comer.

Os dois mendigos, compadecidos com o estado do gato, levaram-no com eles, e lhe deram para comer um pouco do pão que haviam recebido de esmola. O gato, depois de comer, ficou mais forte e saiu caminhando, miando alto, como se estivesse guiando os dois através das trevas, até uma cabana abandonada. Na cabana, havia dois bancos e uma lareira, visíveis através do clarão da lua. Os dois mendigos sentaram- se em frente à lareira.

De repente, o gato desapareceu. Como por milagre, as duas brasas se acenderam e tornaram-se enormes. A claridade tomou conta da cabana, e os dois sentiram seus corpos aquecidos. Os pobres acreditaram que era o Menino Jesus quem mandara aquelas duas brasas para os aquecer. Adormeceram profundamente. As brasas brilharam até amanhecer o dia.

Os dois mendigos acordaram, como se estivessem despertando de um lindo sonho. Tinham recebido de presente de Natal um verdadeiro tesouro. Mesmo por uma única noite, dormiram sob o teto de uma cabana abandonada, aquecidos por uma misteriosa lareira. Olharam em sua volta e viram o gato dormindo. Pobre igual a eles, o gato lhes retribuiu o pão que lhe deram, levando-os até aquela cabana encantada.

Pelo menos, naquela noite de Natal, eles dormiram sob um teto, abrigados contra o frio e o vento.

Está provado que o grande tesouro dos pobres é a fantasia.

Desejo a todos um Natal cheio de Alegria e Paz, e que o espírito de confraternização permaneça no decorrer de todos os nossos dias!

Que a humanidade consiga viver em PAZ!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 18 de dezembro de 2022

“TU PISAVAS NOS ASTROS, DISTRAÍDA” (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

“TU PISAVAS NOS ASTROS, DISTRAÍDA”

Violante Pimentel

 

 

O milagre brasileiro ainda não chegou. Quem esperava por ele nas eleições/2022, espere sentado, pois em pé, cansa.

O que estamos vendo na cena política atual é um candidato descondenado, eleito e ainda não empossado, tentando passar como um trator por cima do ainda Presidente Jair Messias Bolsonaro, a detonar horrores contra ele, num ódio sanguinário e numa arrogância “antes nunca vistos na historia deste País”. E o pior, açambarcando bilhões em nome do “bolsa família”, como se a pobreza fosse novidade. Os ricos continuam cada vez mais ricos, principalmente os políticos que detém a chave do cofre.

Cada vez mais, a corrupção toma conta da Nação, e o FAÇUELE continua de vento em popa, com os bobões da corte aguentando a arrogância do “trilegal”, gritando na cara dos ministros e dando a última palavra nas mudanças que ousa querer fazer, contra tudo e contra todos.

A situação política atual mais parece um fim de banquete de séculos passados. Cada um sai com os garfos nos bolsos. As mulheres escondem os pratos nas bolsas. Alguém pergunta: – “Onde está meu guarda-chuva?” Outro diz: -“Levaram meu chapéu!” Um sugere ao outro:- “Leva esse peito do peru, disfarçadamente, embaixo da casaca.” Outro ainda diz: – “Vou levar uns doces para os meninos, em casa”. Nesse tempo, o hábito da lagosta, da picanha e do caviar ainda não existia.

Isso, depois de um antigo banquete, daria para engolir. Mas num Congresso, com o dinheiro do povo, jamais!!!

Os asseclas de Nero estão doidos para incendiar a Nação!!!

Lembrei-me de uma música, “Lugar de Cobra é no Chão” (Chico Buarque), que diz:

” A sua risada nervosa contamina o ambiente
Deram asas à cobra e a cobra voou
E continua voando, espalhando seu veneno…”

É a cena atual do nosso País.

Mudando o rumo dessa prosa:

A música é o alimento da alma.

Chão de Estrelas” (1956), de Orestes Barbosa, tem versos cheios de lirismo, que tocam a nossa alma.

“Tu pisavas nos astros distraída…”.

Esses versos, da composição “Chão de Estrelas”, da autoria de Orestes Barbosa, mereceram do poeta Manuel Bandeira, em 1956, esse comentário:

“Grande poeta da canção, esse Orestes! Se se fizesse aqui um concurso, como fizeram na França, para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes, que diz:

“Tu pisavas nos astros, distraída…”

 

 

CHÃO DE ESTRELAS

Minha vida era um palco iluminado
E eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guisos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão lá no morro do salgueiro
Tinha um cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje quando do Sol a claridade
Cobre meu barracão sinto
Saudade da mulher pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Nas cordas qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
E a Lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
E tu, tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura dessa vida
É a cabrocha, o luar e o violão

* * *

Orestes Barbosa, compositor, escritor e jornalista, nasceu no Rio de Janeiro/ RJ, em 7/5/1893 e faleceu em 15/8/1966.

Aprendeu a ler, nos jornais e letreiros de bonde, com Clodoaldo Pereira de Moraes, pai de Vinícius de Moraes. Nessa época começou a se interessar por violão e com dez anos já sabia tocar.

Durante a infância, a família viveu em dificuldades financeiras e somente aos doze anos entrou numa escola, o Liceu de Artes e Ofícios, onde aprendeu o ofício de revisor.

Em 1907 o menino, que já fazia alguns versos, conseguiu seu primeiro emprego como revisor no jornal O Século, dirigido por Rui Barbosa.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 11 de dezembro de 2022

PARA AFASTAR A TRISTEZA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PARA AFASTAR A TRISTEZA

Violante Pimentel

 

Antes mesmo de ter tomado posse, o que ocorrerá no dia 1 de janeiro de 2023, o presidente eleito já está exercendo o governo provisório, com ânsia de cifrões exorbitantes, e querendo açambarcar o dinheiro público.

“CALE-SE, povo brasileiro!!!” – .”PERDEU, MANÉ!!!NÃO AMOLA!!!” – Dizem os supremos encapados. Enquanto isso, o legítimo presidente ainda é Jair Messias Bolsonaro, que está sendo ignorado pela corja vermelha do governo provisório, quase todos com passagem pela lava-jato.

Os leitores e torcedores, amantes do Futebol, nestes tempos intranquilos em que, no Brasil, se ergue uma “estátua à corrupção”, necessitam de razão para sorrir.

Até o próximo dia 18 de dezembro, quando acontecerá a partida final da Copa do Mundo, o brasileiro verde e amarelo tem Pão e Circo à vontade, para se divertir. Enquanto isso, o País caminha para mergulhar na mais terrível corrupção da História. A “moeda” padrão a ser adotada pelo novo governo já passou a ser “bilhão”.

Neste momento, o Futebol é o melhor remédio para afastar a tristeza do povo verde e amarelo, como pretende a ala do cordão encarnado, do País do carnaval.

O torcedor precisa ter razões para sorrir, nos dias de hoje, mesmo que o nosso País esteja prestes a ser abocanhado por um faminto monstro devorador do dinheiro público, que vimos “emergir da lagoa”, numa descondenação fantástica. Para o monstro devorador, o Céu é o limite da ladroagem.

O Futebol tem o condão da catarse circense, com que os velhos sábios de Roma lambuzavam o pão triste das massas. Não podendo xingar o patrão que o rouba, o operário xinga os juízes das partidas e procura insultá-los, como se fosse o bandeirinha mais próximo, o responsável procurador da prepotência, do arbítrio e dos outros sinais do mundo injusto que o oprime.”

Evocando Milton Pedrosa (1911 – 1996), em “O RISO – NÃO O PRANTO – É LIVRE

Futebol é guerra, é jogo, é arte, é uma graça, mora?

É uma e outra. É uma coisa de cada vez e tudo isso ao mesmo tempo. De onde o suor e o sangue, a alegria e as lágrimas. O choro e o riso.

O craque dribla? – ganha aplausos. O juiz claudica? – Recebe vaias. O dirigente impera indiferente? – Herda o desprezo…o esquecimento.

Mas o futebol é, sobretudo, vida. A emoção do momento inédito, sempre criado e recriado para as imensas plateias. Cada um deles, inesperado. Dramático, curioso, violento, umas vezes. Divertido, alegre, hilariante, muitas outras. Ontem, hoje, amanhã.

Todos os dias, em qualquer parte, a qualquer hora, Nos estádios-monumentos, nos campos de pelada. Onde quer que a bola role, e se desenrole uma partida. Aí estarão, de mãos dadas, lágrimas e risos.

O riso que vem de longe, Que corre através dos tempos, desde as primeiras experiências do homem ante a pelota. Desde que este descobriu o jogo, a guerra, a garra, a arte, a graça, mora. Desde que descobriu o jeito de atuar com a bola nos pés.

Desses momentos, nasceram histórias hilárias, episódios, casos. Nascidos da realidade, nos campos de jogo, na relação bola-homem- e homem-bola-homem.

Seus autores são os craques ou os pernas-de-pau que, de bola nos pés, dançam o mais fascinante balé que as multidões veem e reveem.

E procuram como a um novo pão-nosso de-cada dia.

O leitor – como o torcedor – merece ter do que rir nos dias de hoje.”

Atualmente, a corrupção é vista abraçada aos ministros togados e às velhas raposas socialistas. Para afastar a tristeza, Futebol é o melhor remédio.

O torcedor precisa de razões para sorrir nos dias de hoje, mesmo quando o nosso País esta prestes a ser abocanhado por um faminto monstro devorador do dinheiro público, onde o céu é o limite.

Pelé surgiu para os olhos do mundo na Copa de 1958, disputada na Suécia, quando o Brasil foi Campeão. O que pouca gente sabe é que aquele então adolescente de 17 anos, ficou de fora dos dois primeiros jogos (3X0 na Áustria e 0X0 na Inglaterra).

Na comemoração, surgiu a famosa marchinha “A taça do mundo é nossa, com o brasileiro, não há quem possa”.

Entretanto, das músicas comemorativas da Copa do Mundo, considero a mais bonita e significativa, até hoje, o “Frevo do Bi”. da Copa de 1962- autoria de Silvério Pessoa e gravada por Jackson do Pandeiro.

“Vocês vão ver como é,/ Didi, Garrincha e Pelé/ Dando seu baile de bola…,,,, “

 

 

 

Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 06 de dezembro de 2022

A VOLÚPIA DO PODER (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A VOLÚPIA DO PODER

Violante Pimentel

 

A insânia ronda os destinos do Brasil, porque há homens roídos pela ambição do poder, pela sede de mando, acometidos por uma verdadeira vesãnia, querendo arrastar o país a uma guerra civil,

Cada fase da história política do Brasil tem o seu político odiado.

Atualmente, o povo brasileiro enfrenta um político ameaçador, que não perde tempo em ameaçar os cidadãos com medidas restritivas de liberdade, proibindo-os de fazer declarações contrárias às suas, nas redes sociais. Já calou alguns jornalistas e deputados, sob o olhar incrédulo do povo. Deve ter como ídolo, o incendiário Nero, da Roma antiga, ou Filinto Muller, considerado o mais violento militar e político do século passado.

A pressa da diplomação do presidente eleito, antecipada do dia 19 de dezembro de 2022, para o dia 12, deixa no ar uma urgência desesperada, que aumenta a cada dia. “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.

A antiga história política do Brasil registra o político Filinto Muller (11.07.1900 – 11.07.1973) como o político mais polêmico que já houve no nosso país. Foi chefe do Conselho Nacional do Trabalho, líder de dois partidos políticos e líder da maioria no Senado, em um governo democrata e de três ditadores.

Aos 72 anos, o Senador Filinto Muller transformou-se no mais respeitado político brasileiro. Percorreu os corredores do Senado, como um sumo sacerdote. Seu gabinete, onde seis funcionários respondiam a mais de seiscentas cartas por mês, era o mais frequentado do Congresso.

Filinto Muller, o todo poderoso do Mato Grosso, foi o responsável pela mais ambiciosa tarefa política desde 1964.

Chegou a revelar um momento de fugaz ceticismo que, num instante, transformou-se na mais definitiva de suas conclusões realistas: “Eu fui muito mais do que queria ser. Pensava em chegar a deputado e fui senador. Queria ser governador do meu estado e fui eleito – não tomei posse em 1934 porque Getúlio pediu que continuasse com ele. Nunca pensei em chegar a presidente do Senado. E muito menos do partido. Mas não tenham ilusões. Os políticos são rapidamente esquecidos. E daqui a alguns anos só se lembrarão de um terrível chefe de polícia do “tempo do Onça”, que também foi um chefe de polícia.” Palavras fatídicas.

Onça foi o apelido dado a um chefe de polícia do início do século passado, conhecido por sua violência. Um dia ele foi visto sentado num dos bancos da praça que hoje chama-se Tiradentes, no Rio. E nunca mais. Desapareceu. Uns dizem que foi morto, outros garantem que entrou para um convento.

Estado Novo, ou Terceira República Brasileira, foi uma ditadura brasileira instaurada por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, que vigorou até 29 de outubro de 1945. Foi caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e por seu autoritarismo.

Em 1945, quando acabou na Europa o “Reich dos Mil Anos”, ruiu também no Brasil o Estado Novo. Começou um período de acerto de contas. O país, que inegavelmente assistira à consolidação do seu poder federal durante a ditadura, se deu conta de quais eram as verdadeiras normas de convivência entre os homens. E cada dia da democracia saboreado significava uma visão mais profunda, da irracionalidade dos atos do regime de exceção.

Enquanto Filinto Muller esteve com o Dr. Getúlio Vargas, foi um poderoso chefe de polícia. E mesmo quando saiu, os três anos que restaram ao Estado Novo, foi sempre um cidadão acima de qualquer suspeita.

O barco afundara, mas sua carga não era tão preciosa quanto parecia. Os melhores figurões já haviam desaparecido. Muitos, dando-se conta da mudança, rasgavam, enraivecidos, a bandeira que eles mesmos haviam bordado e na qual durante tanto tempo se haviam agasalhado.

Durante o Governo Vargas, Filinto Muller destacou-se por sua atuação como chefe da polícia política, e por diversas vezes foi acusado de promover prisões arbitrárias e a tortura de prisioneiros. Pertencia à Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

No alto da estante de Filinto Muller, repousava um dos mais sérios libelos que lhe foram dirigidos: “FALTA ALGUÉM EM NUREMBERG”. Falta quem? Filinto Muller, segundo o autor do livro, o jornalista David Nasser (01.01.1917 – 10.12.1980)

O político brasileiro Filinto Muller faleceu em 1973, em um acidente aéreo, em Paris (França). no qual a esposa, Consuelo, e o neto Pedro também foram vítimas.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 27 de novembro de 2022

PODER USURPADO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

PODER USURPADO

Violante Pimentel

 

Escreve ele: “A coruja de Minerva alça seu voo somente com o início do crepúsculo. O papel da filosofia é justamente elucidar o que não é claro ao senso comum, é alertar acerca da vida. O crepúsculo é o linear do dia pra coruja.”

E enquanto terminamos nosso trabalho e nos recolhemos aos nossos lares, a coruja “alça seu voo” a trabalho. É a noite que a fascina, por isso seu nome em latim é “Noctua” – , “ave da noite”. 

 

 

O destaque da coruja não é a beleza, mas a capacidade de ver o que aves diurnas não conseguem ver. Seu pescoço gira 360º, dando-lhe uma visão completa, capacitando-a a ver o todo. É também uma ave de rapina, rápida na escolha, e que por ver a presa e não ser vista, sempre tem sucesso na caça, apanhando os despreparados e desprovidos, que se arriscam na noite escura.

A coruja, o pássaro de Minerva, voa apenas á noite. Mas a funesta coruja da supremacia togada voa diuturnamente. Destila seu veneno e vomita seu ódio sobre a parte decente do País, que clama por justiça, revoltada com as injustiças supremas.

Os dias se passaram e a situação política da Nação permanece a mesma. Os doentes morais continuam se embebedando para afogar os seus infortúnios nos surtos amnésicos do álcool e nas comilanças milionárias em hoteis internacionais, às custas da Nação.

O bobo da corte vermelha se refugiou, com incandescente avidez, no turbilhão embriagante da política, para nesse ignóbil mostruário de compra e venda de intrigas adormecer e esquecer as suas desditas.

O cheleleu substituto continua bajulando-o incessantemente. É um grande e incorrigível ambicioso; uma criatura sem escrúpulo, a quem se aplicam estas banais considerações e melindres, que para o público vulgar são um tema de respeito. A convivência já havida com o bobo da corte fora bastante para que a astuta raposa formasse infalível juízo sobre o seu caráter, recursos, méritos e talentos.

O bobo da corte vermelha está sempre pronto e arrogante, na inflamada fé que lhe assegura o seu permanente sucesso. É tão corajoso e insensível, que não tem vergonha do seu passado nebuloso.

Estamos em pleno governo de transição, constituído de políticos com processos nas costas, alvos de investigações e, com raras exceções, longe dos “fichas limpas”. Todos com passagem pelos tribunais e com ligações com o bandoleirismo rotativo, afoitos e ávidos por manejar o implacável facão da economia.

E o governo de transição já anunciou a que veio. Veio para quebrar, mais uma vez, o País, extrapolando todos os limites do teto fiscal, querendo invadir a propriedade privada, confiscar imóveis e contas bancárias do menor ao maior investidor. A Nação está revoltada, sem aceitar ser imolada no altar de sacrifícios onde o povo brasileiro sempre esteve.

Mas, é evidente que esse proceder do governo, pela dureza flagrante dos atritos, deverá desgastá-lo brevemente. O plano agora é fortalecer o partido e engrandecer-se por meio de uma dupla manobra – avocar a si os descontentes e simultaneamente impor-se com o seu poder.

A situação política do País continua instável, apesar de já haver transcorrido quase um mês das eleições. Até hoje, os resultados duvidosos não tiveram o condão de convencer totalmente o eleitorado. O descrédito na apuração das urnas eletrônicas continua. Como é triste a frase fatídica escorrida da boca de veludo de um ministro togado: “eleição não se conquista; eleição se toma”. E foi o que aconteceu.

Para legitimar a indecente usurpação do poder, desvirtuaram o grande princípio racional da eleição. Metade do poder legislativo é verdadeira e a outra metade é de pura e completa manipulação do governo. E graças à corrupção, devida em grande parte à estupidez do corpo eleitoral, na mais absoluta impunidade e com êxito absoluto, o poder explora, esmaga e domina sempre!

A manutenção do princípio da autoridade é condição essencial na vida do povo, desde que essa autoridade seja legítima. Entretanto, não tem legitimidade a açambarcante usurpação do poder por parte dos togados, num desrespeito gritante à Constituição Federal.

À Suprema Corte, cabe impedir o malfeito, e não se tornar coautora dele. Mas o que vemos são as tendências políticas dos togados, que impõem suas preferências pessoais, ignorando o ordenamento jurídico e muitas vezes investindo sem disfarce contra ele.

Cabe ao juiz interpretar o Direito e, com base nele, decidir as causas que lhe são apresentadas. Não pode, contudo, julgar contra as leis, principalmente contra a Lei Maior.

Quando ministros do STF contrariam a Constituição Federal, suas decisões atentam contra as normas instituídas para assegurar a convivência humana e zelar pelo cumprimento dos fundamentos da República: Soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho.

Nesses casos, suas decisões deixam de emanar a luz que deveriam, e passam a emanar a luz que cega e que não tem nada de divino.

Não são decisões que iluminam, mas decisões que já nascem cegas pelo ódio e pela tirania. Ainda que essas decisões devessem trazer a luz, trazem as trevas. São decisões inspiradas em Lúcifer, o rei das trevas. São decisões tiranas que tem o objetivo de humilhar e oprimir os cidadãos de bem.

Os supremos togados não podem correr o risco de ir buscar luz nas chamas mantidas por Lúcifer, porque as consequências danosas atingirão a toda a sociedade e cada um dos indivíduos que a compõem. Pior do que isso: elas se propagarão e contaminarão a vida institucional do País por muito tempo.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 20 de novembro de 2022

ASSECLAS DE NERO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ASSECLAS DE NERO

Violante Pimentel

 

Entre as maldades do imperador romano NERO, conhecido na História pela sua tirania, está o incêndio de Roma, por ele provocado e ao qual ele teria assistido com indiferença, dedilhando sua lira.

Esse grande incêndio de Roma ocorreu em 18 de julho de 64, e depois de seis dias em chamas, a cidade estava com dois terços reduzidos a escombros.

 

 

Logo se divulgou o boato de que Nero teria mandado atear fogo em Roma, para apreciar o espantoso espetáculo e depois escrever um poema baseado na cruel realidade.

Para afastar de si as suspeitas, Nero tratou de atribuir a culpa aos cristãos. Daí, tiveram início as perseguições aos seguidores do Cristianismo. Homens, mulheres e crianças foram presos e condenados aos piores suplícios.

Sob o governo de Nero, Roma teria conhecido o clímax do desregramento moral e político.

Paulo, discípulo de Jesus, foi decapitado. Pedro teve a morte na Cruz. Muitos cristãos eram atirados às feras, no Circo Máximo, num espetáculo que visava acalmar a revolta do povo.

Após o incêndio, o imperador Nero iniciou, imediatamente, um grande projeto de reconstrução da cidade. Logo confiscou bens para construção de seu palácio, a “Domus Aurea” (Casa Dourada), que ocupava, com seus jardins, extensa área urbana.

O Brasil, atualmente, parece infiltrado de asseclas de Nero.

Como num pesadelo, o povo se vê na iminência de ter de volta um ex-presidente, que, depois de indiciado, julgado e condenado em alguns tribunais, e em pleno cumprimento de pena em um órgão federal, foi beneficiado por uma reviravolta processual, o que resultou em sua “descondenação”, tudo sob medida, o que pareceu, para uma boa parte do povo brasileiro, uma verdadeira “diarreia jurídica”. De repente, o condenado tornou-se “descondenado”. E em seguida, foi considerado apto a concorrer, mais uma vez, à Presidência da República.

Em pleno cumprimento de pena por improbidade administrativa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva, o condenado foi libertado em nome de um suposto “erro de comarca”, numa jogada capciosa e maléfica, para que pudesse novamente se candidatar à Presidência da República. O resultado foi uma surpreendente e misteriosa vitória, após eleição com o uso de urnas eletrônicas, que continuam “atravessadas” na garganta de grande parte do eleitorado brasileiro.

Sob a iminência de ver, pela terceira vez, esse fantasma devorador do dinheiro público, assumir a Presidência da República, o povo brasileiro está decepcionado com os togados que compõem a Suprema Corte do nosso País.

A contratação de 283 componentes para integrar o governo de transição, com altos salários, é uma demonstração do que virá pela frente, com esse novo governo. Somente um assecla de Nero, no seu delírio, teria essa coragem, contra tudo e contra todos, de assumir altos compromissos, antes mesmo de tomar posse no cargo de Presidente da República, o que somente ocorrerá em 1 de janeiro de 2023.

A política, no seu significado mais amplo e mais nobre, deveria ser, com efeito, a arte de organizar a vida coletiva e individual. Entretanto, ela não passa da mais despudorada mentira.

Estamos assistindo, antes da hora, ao espetáculo de um “rei” desfrutar das regalias da Nação, num gasto sem freios, com aprovação dos vermes do poder.

Esse grupo domina e escraviza a grande massa da população. São algumas centenas de homens cavalgando bilhões, impiamente. E ainda por cima, eles chamam de ímpios aos que se revoltam contra os gastos desenfreados do dinheiro público.

Eles dispõem de tudo quanto racionalmente forma o grande patrimônio comum. Açambarcam o que seria o seu quinhão e o dos outros. Para eles, o aumento da abundância; para os pequenos, os horrores da miséria.

Não podemos caminhar, melhorar ou progredir, enquanto os nossos homens públicos continuarem se julgando uma casta à parte, bem acima da Nação.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 13 de novembro de 2022

SÓ NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SÓ NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES

Violante Pimentel 

 

O povo é uma entidade abstrata, em nome da qual muito se fala e pouco se faz. Está sempre na linha de frente dos discursos dos políticos e na retaguarda das benesses prometidas e recebidas.

 

Zaqueu mora numa casinha modesta, na periferia da cidade, um local “onde o vento faz a curva”.

Certo dia, Zaqueu, chegou em casa eufórico e disse para Marina, a esposa, que tinha uma grande surpresa para ela, e pediu que adivinhasse.

A primeira impressão dela foi que eles tinham sido sorteados no “Baú da Felicidade”, mas não era isso; depois, pensou que ele tivesse tido um bom aumento de salário, também não era. Depois de muito suspense, Zaqueu ele revelou a novidade: -Você sabe quem vai chegar, mulher? A Democracia!!!

A mulher ficou deslumbrada:

– Meu Deus. A Democracia vai chegar?!!! É verdade? Será Que você não escutou errado, Zaqueu?

O marido falou sério e a mulher ficou sem saber o que fazer. Andou nervosa de um lado para o outro e disse ao marido que iria tomar um banho e passar um pente no cabelo. Ele lhe pediu que passasse o ferro no paletó antigo que tinha sido do casamento deles, pois queria ver a chegada da Democracia de paletó e gravata, pois o acontecimento que eles iriam assistir era muito importante.

Pediu que ela vestisse o vestido novo das festas de fim de ano, pois não queria que a Democracia a conhecesse vestida com roupas molambentas. Disse que na fábrica onde trabalhava, seu patrão tinha comentado que há muitos anos a Democracia não vinha ao Brasil.

Eufórico, Zaqueu só falava no festão que estava programada para a chegada da Democracia.

Muito contente, mandou que a mulher fizesse um bolo, enfeitasse a casa e telefonasse de um orelhão para a rádio Bujari, estação rodoviária e estação ferroviária, para saber, ao certo, a data e horário da chegada da Democracia. Disse à mulher que enquanto isso, iria até o Bar do Primo, avisar à rapaziada da chegada dessa visitante ilustre, a Democracia.

Os frequentadores do bar estavam jugando Sinuca e Zaqueu gritou: “Olha aí, turma, a grande novidade que eu trago pra vocês: Adivinhem quem vai chegar???

– Waldick Soriano!!!! – disse logo um biriteiro.

– Não. A Democracia!!!. É pouco, ou querem mais? “Dá pra tu, ou fica frouxo?”

A rapaziada arregalou os olhos, todos espantados com a novidade..

Um deles perguntou desconfiado:

– Zaqueu, estás querendo fazer a gente de besta?

– Não! Eu quero que minha alma vá pro inferno, se eu estiver mentindo!

Houve um minuto de silêncio, e um mecânico que lá se encontrava falou:

– Poxa, que legal! Sabe que, na minha vida, eu nunca vi a Democracia? Sou louco para conhecer.

Um bombeiro que lá estava também falou:

– Eu também nunca vi a Democracia. Eu só conheço a burocracia.

O mecânico perguntou:

– Zaqueu você já viu a Democracia alguma vez? Como é ela?

Mentindo, Zaqueu respondeu:

– Eu só vi a Democracia uma vez, mas era muito pequeno. Por isso, não me lembro direito.

Um empregado de uma padaria que estava no bar, quis se mostrar:

– A Democracia é um sarro – eu escuto sempre os homens falando em democracia pra cá, democracia pra lá, mas não sei direito o que é. Afinal das contas, o que é que a gente vai poder fazer quando ela chegar?

Muito falante, Zaqueu respondeu:

– Tudo. A democracia é o governo do povo e para o povo. Com a Democracia, a gente pode fazer tudo, menos xingar o Governo, nem praticar atos proibidos por lei.

Um gaiato perguntou se poderia tirar as calças na rua, xingar o governo, comprar fiado e não pagar, e passar a ser atendido no INPS sem passar horas nas filas, e a resposta foi sempre negativa.

Surgiram, então, os comentários: O bombeiro hidráulico, muito falante, disse e o empregado da padaria endossou: “Essa tal de Democracia não tá com nada.”

Foi aí que um senhor, com cara de professor, interferiu: “Tá sim. Quando a Democracia chegar, vai acabar com a Censura.”

Um dos rapazes que se encontrava no bar, perguntou:

– Quer dizer que não vai mais ter filme impróprio até 18 anos? – Todos riram.

O professor continuou falando:

– A Democracia vai acabar também com o AI-5.

AI-5? O que é isso?- perguntou um curioso. – Nunca ouvi falar nisso. É um remédio pra mulher não engravidar? Diz, Zaqueu, o que é Democracia!

Zaqueu pensou, pensou e foi sincero:

– Agora eu me enrolei todo.

O professor o socorreu:

– Democracia é o regime de governo do povo e para o povo.

A euforia foi grande. Cada um que falasse mais alto:

Oba, Governo do povo? – gritou o bombeiro: Então eu quero ser Ministro.da Fazenda! O mecânico disse que queria ser Ministro da Agricultura; o empregado da padaria disse que queria ser Vice-Presidente do Brasil e um alfaiate disse que queria se o Presidente. E todos vibraram com a novidade: “Chega de trabalhar!!! Eu agora quero é moleza e viajar muito, igual aos políticos!!!”

Todos almejavam ocupar um Ministério. A confusão foi grande. Para restabelecer a ordem, Zaqueu disse que iria ser Ministro da Energia. E usando sua energia, conseguiu que todos se acalmassem da euforia que tinha tomado conta desses homens do povo.

Zaqueu foi até em casa para ouvir da esposa o que ela tinha conseguido saber sobre a data e horário da chegada da Democracia.

Encontrou a mulher sem graça e desarrumada. Perguntou o que tinha havido.

A mulher respondeu que a Democracia iria chegar, mas não passaria por lá, pois a agenda esta muito cheia.

Zaqueu ficou indignado. Então ela não vem visitar o povo? E o povo somos todos nós!!!

A mulher entregou ao marido uma lista com a agenda que a Democracia teria de cumprir quando chegasse:

Às 7h15m estaria em Brasília e teria de cumprir vários compromissos agendados, até às 21 hora. A correria seria grande. Às 22 horas, a Democracia deveria estar no Palácio do Governo, onde se realizaria um festão. Zaqueu então, animou-se para ir conhecer a Democracia, acompanhado da esposa Marina. Mas a mulher o fez desistir, pois só seria permitida a entrada de convidados de “black – tie”. Nessa festa, seria entregue à Democracia, o título de “Regime de Visão, para o Povo e pelo Povo”

Houve um tumulto nas ruas e todos queriam saber se poderiam entrar nessa festa. A resposta dos organizadores foi “Não.”

E quando poderiam apertar a mão da Democracia?. O patrão de Zaqueu respondeu:

– SÓ NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 06 de novembro de 2022

AMOR À PÁTRIA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AMOR À PÁTRIA

Violante Pimentel

 

Patriotismo é o sentimento de orgulho, amor e devoção à Pátria, aos seus símbolos (bandeira, hino , brasão, riquezas naturais e patrimoniais).

O militar presta serviços à Pátria, e, com o tempo, absorve os hábitos próprios da sua profissão. Acaba se identificando com o quartel, e jamais perderá o jeito de soldado, por mais que o tempo passe.

A influência das armas sobre os militares é tão forte, que eles se reconhecem na rua, mesmo quando vestidos á paisana.

Ao ver, na via pública, um oficial do Exército envergando um jaquetão ou um fraque, a impressão que se tem é de que falta alguma coisa à sua elegância. Por mais correto que ele esteja vestido nas suas roupas apuradas, lembra-nos, sempre, um tigre metido na pele de um urso, ou um leão enfiado, por modéstia, no couro de um elefante. Sentimos a força, a segurança e o respeito que eles impõem, perante a sociedade.

O rigor e o respeito que a farda militar impõe, mostram-se de modo mais acentuado perante os seus subordinados e cidadãos civis.

Absorvido pelo seu mundo de glória, o soldado revela-se em toda a parte e em todas as circunstâncias: no calor das palestras, na energia da vontade, na severidade da vida, na intransigência das atitudes, na disciplina do porte, e, até, ás vezes, no emprego do vocabulário empregado fora do quartel.

Pois bem. O caso do tenente José Porto Brasil é uma comprovação de que o militar guarda dentro do peito, como relíquia, os ensinamentos absorvidos na vida de quartel, A qualquer momento, poderá dar provas dessa verdade.

Militar elegante, bonito, bravo e decidido, o tenente José Porto Brasil utilizava os dias de serenidade da Pátria, passeando pela Avenida principal da capital, quando viu uma tarde, em certa casa de chá, uma bela mulher, que lhe fez acordar tocando alvorada, todos os clarins do coração. Ousado e destemido, pôs-se logo em atividade, para saber quem seria aquela linda criatura, que tanto mexeu com o seu coração. No dia seguinte, já sabia o suficiente para tentar atacar “aquela fortaleza”.

Ficou sabendo do endereço da mulher e se dirigiu até lá. A casa tinha muro alto e portão de ferro, controlado por um porteiro. O tenente viu o portão se abrir e sair um casal, que, segundo o porteiro, eram os donos da casa.

Decepcionado, ao ver que a bela mulher era casada com um homem alto, bonito e elegante, o tenente viu que era impossível atacar a “cobiçada fortaleza”.

No dia seguinte, por curiosidade, dirigiu-se, novamente, à residência da bela mulher, para se convencer de que, realmente, ela era casada com aquele cidadão. Chegou ao palacete, e, nervoso, tocou a sonora campainha. O silêncio era absoluto na casa, e ninguém atendeu. Duas, três, quatro vezes repetiu ele o sinal, mas inutilmente. Quando, desiludido, já batia em retirada, ouviu um chocalhar de corrente no portão. Voltou-se e viu o jardineiro, que abria a grade para dar passagem ao dono da casa, passando, de novo, a corrente no portão.

Atordoado pelo seu pensamento de aventura, e, não menos, pela consciência da sua superioridade de militar, o oficial não teve dúvidas: parou, deu meia volta, e marchou, firme, no rumo do cavalheiro que saíra de casa. Estacaram, pálidos, um diante do outro, dominados pela emoção.

– Que deseja o senhor? – perguntou, com a desconfiança estampada nos olhos, o marido da bela mulher..

Mão no revólver, disfarçando a tempestade que lhe invadia o coração, o tenente respondeu, com voz trêmula::

– A senha!.

E os dois soldados se abraçaram emocionados. Eram velhos amigos, do tempo de quartel, que a vida havia afastado.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de outubro de 2022

O CANDIDATO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)D

O CANDIDATO

Violante Pimentel

 

 

Em Natal (RN), um conhecido candidato a deputado estadual, eleito uma única vez, tentava voltar à Assembleia Legislativa do Estado, candidatando-se pela terceira vez, sem conseguir reeleger-se. Dizem que o lugar é bom e a remuneração é invejável. Por isso, a luta é natural, por uma nova recondução.

 

 

Quando há eleições, é comum os candidatos ocuparem lugar ao redor das mesas apuradoras, interessados nas decisões e contagem dos votos. Tem medo que ocorram as antigas “Brejeiras” ou troca de urnas, do tempo dos coronéis.

A cada resultado, sem perda de tempo, vão logo solicitando certidão dos Boletins de apuração, para se prevenirem do resultado e evitar roubalheira..

Certo dia, repentinamente, um conhecido candidato apareceu no recinto da comissão apuradora e entrou, para verificar como andava o processo de apuração.

O conhecido candidato à reeleição estava eufórico, certo de que desta vez voltaria à Assembleia Legislativa do Estado. Todos os seus correligionários demonstravam interesse em saber como andava a votação na Capital e no interior.

A resposta do hábil político foi de que preferia não antecipar as coisas. Deixaria tudo para o final. Não queria sofrer por antecipação. Ainda acrescentou que, somente com a publicação do resultado no Diário Oficial tomaria conhecimento. do resultado de sua votação.

Os políticos ficam eufóricos durante as apurações. Os ânimos ficam acirrados, e quase sempre acontecem discussões.

Há candidatos que são ruins de urna, mas insistem em se candidatar. São eternos perdedores.

Em Natal, durante a campanha política de 1986, para a renovação do quadro dos chamados representantes do povo, houve um candidato que ficou conhecido pelas frases hilárias, diante dos eleitores, ouvintes do Programa Eleitoral Gratuito de televisão.

Esse candidato a deputado federal teve uma campanha muito movimentada e cheia de lances curiosos.

Ocupando o horário reservado ao seu partido, a sua palavra era no sentido de convencer o eleitor com frases de efeito, como:

“QUEM ENTENDE DE LEIS É “BANCARO?” – É “INDUSTRIARO”? – ELES NÃO “ENTENDE” DE LEIS. QUEM ENTENDE DE LEIS É “ADEVOGADO”. – SE EU FOR ELEITO COM SEU VOTO, EU VOU FAZER “A “LEIS” DA CONSTITUIÇÃO.”

Esse não conseguiu se eleger nunca, Era semianalfabeto e, além disso, tinha um sério problema de dicção, que não teve fonoaudiólogo que desse jeito.

Voltando às antigas eleições, nessa época, havia grande insegurança dos partidos políticos, na hora da apuração de votos, contados manualmente.. Alguns políticos e advogados de renome eram useiros e vezeiros em praticar fraudes eleitorais, conhecidas como “brejeiras”, Compravam votos, ou os trocavam por dentaduras, vestimentas ou outros bens materiais; trocavam e substituíam urnas, com a troca de cédulas de votação já preenchida, e faziam outras falcatruas, para tomar a vitória nas urnas a qualquer preço.

Os “coronéis” alteravam votos e falsificavam títulos de eleitor, para que os eleitores pudessem votar várias vezes, em diversas seções, até mesmo com títulos de pessoas falecidas. Eram os chamados votos de cabresto.

Quando o resultado da apuração das eleições demorava três ou quatro dias para ser concluido, inúmeras fraudes eleitorais eram cometidas no Rio Grande do Norte. Mas o caso mais gritante ocorreu com um candidato a deputado estadual, que, em Natal, aguardou com ansiedade a apuração, e constatou que a urna em que ele depositara seu voto não fora apurada. Simplesmente, a urna sumiu. Em outras palavras, a urna foi roubada.

Desesperado, o candidato Zé de Quina, que era fanho, encheu a cara de cachaça e chorou copiosamente numa mesa de bar, depois da apuração, e sua lamentação causava pena:

– Que meu pai e minha mãe não tenham votado em mim, é uma lástima, mas acredito;

– Que meu sogro e minha sogra não tenham votado em mim…eu acredito; ;

– Que meus irmãos e cunhados não tenham votado em mim…eu acredito.

– Que minha mulher não tenha votado em mim, é duro, mas eu acredito.

– Mas, eu mesmo não ter votado em mim?!!! É demais! É fazer dos outros besta! Isso eu não acredito nunca!. Sistema eleitoral infeliz, esse nosso!!!

Entretanto, o advento das urnas eletrônicas tornou as fraudes eleitorais cada vez mais impraticáveis.

Neste segundo turno das eleições presidenciais, vamos dar nosso voto de confiança ao sistema eleitoral brasileiro!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 16 de outubro de 2022

LADRÃO HOJE, LADRÃO SEMPRE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

LADRÃO HOJE, LADRÃO SEMPRE

Violante Pimentel

 

Ladrão é o indivíduo que rouba, realiza furtos, pega para si o que não lhe pertence. É aquele que faz negócios na esperteza e na malandragem. É pessoa sem caráter nem escrúpulos.

Deixando de lado os principais crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração Pública (corrupção, peculato, concussão e prevaricação), focalizamos aqui, apenas os ladrões de segunda classe, os desvalidos, que às vezes, apodrecem na cadeia, por furtarem uma galinha ou uma lata de leite em pó para alimentar um filho. Esses ladrões não podem pagar advogado e por isso ficam à mercê do órgão de defesa pública (Defensoria), que vive superlotada de processos, sendo impossível atender, em tempo hábil, à alta demanda.

Uns furtam por necessidade, outros por tara ou degeneração.

Furto – Art. 155 do Código Penal – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º – A pena aumentará……………………….- 

Roubo – Art. 157 do Código Penal Brasileiro – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

No Brasil, a modalidade de roubo mais atual é o assalto, principalmente a bancos, feito por associação criminosa ou quadrilha, com no mínimo, três componentes, que se juntam para a prática de crimes contra a paz pública.

Em São Paulo (SP), no ano de 2015, duas agências bancárias ou caixas eletrônicos foram roubados na cidade, por semana.

Atualmente, essa modalidade de crime se alastrou, atingindo o Nordeste, onde, quase diariamente, há assaltos a agências bancárias do interior. Quadrilhas explodem caixas eletrônicos para roubar e aterrorizam as cidades, quase semanalmente.

Ladrão hoje, ladrão sempre. Bandido hoje, bandido sempre.

Não acredito na recuperação de bandidos.

A gravidade da situação econômica ou financeira de um país pode ser aferida pela paralisação das suas indústrias e consequente número de desempregados. E ainda, pela miséria daqueles que trabalham, sem nunca terem cruzado os braços e, nunca terem conseguido sair da pobreza.

Que os desocupados e vagabundos sadios sofram a fome, é explicável. Mas o que está fora de toda justiça humana e divina é que amanheça sem pão, um desventurado chefe de família, que passou a noite inteira a esbaforir-se no exercício de um ofício penoso, sem ter a quem reclamar.

É essa condição que não queremos para o Brasil. É impossível, um homem cumpridor dos seus deveres de cidadão, não sentir um arrepio de horror, ao saber que os ladrões de “primeira classe” estão soltos, e ávidos pela volta ao poder.

Certa noite, conforme noticiaram os jornais no dia seguinte, uma quadrilha assaltou uma agência bancária numa cidade do interior nordestino, levando para isso, toda a ferramenta para um trabalho perfeito e completo. Facilmente, o cofre foi aberto. A decepção foi grande. O cofre estava vazio. Nenhuma cédula. Nenhum níquel.

Queimando as mãos no “maçarico” e esforçando-se para não interromper o sono da vizinhança ou incomodar os vigilantes que cochilavam segurando a arma, esses “abnegados operários anônimos”, sofreram uma grande decepção. Trabalharam à noite, porque não é exigido cartão do banco e é mais difícil serem vistos.

No dia seguinte, repetiram a tentativa de assalto em outra agência bancária, e foi outra decepção. Nada de dinheiro nos caixas, nem nos cofres do banco.

Por toda parte, cofres vazios. Em todos os cofres, o vácuo, o deserto, a solidão. Nem os ladrões de “segunda classe”, indo diretamente aos cofres que supõem repletos de dinheiro, conseguem, com o seu pé-de-cabra e as gazuas complementares, arranjar um pouco, para as suas mais cruciais necessidades.

Alguém talvez diga que os ladrões não retiraram dinheiro das agências bancárias, porque foram lá á noite. E que, certamente, de dia não falta dinheiro nas agências. Os ladrões não ignoram isso. Entretanto, durante o dia, para se conseguir dinheiro, exige-se conta bancária, coisa que eles não tem. Não querem passar vergonha.

À humilhação de uma recusa de um saque bancário durante o dia, por falta de cartão bancário ou de dinheiro, os ladrões preferem o assalto, durante a noite. Mas, a desolação é a mesma, quando encontram os caixas e cofres vazios.

O que deixa o ladrão diminuído na sua dignidade é a presença de testemunhas.

Entre os espartanos, havia campeonatos de furto. Jesus Cristo levou Dimas, “o bom ladrão” de Jerusalém, que tinha levado uma vida de pecados, para o reino dos Céus. Nunca se soube se lá no Céu, Dimas tenha furtado a auréola de algum santo ou tentado matar para comer, o carneiro de São João Batista. O fato é que Dimas só se regenerou na hora da morte.

Conta-se que, certa noite, um homem pobre e resignado com sua pobreza, ao ver que um ladrão estava escalando a janela da sua casa, deixou-o chegar em cima, e disse-lhe calmamente:

– O senhor entrou aqui por engano, com certeza…Eu sou um homem pobre e não tenho nada aqui que o senhor possa levar, muito menos dinheiro. Mas, naquele casarão bonito e pomposo, que daqui se vê, mora um homem riquíssimo, capitalista. Não perca o seu tempo comigo. O senhor não encontrará nada aqui, hora nenhuma, pois eu sou um desvalido! Vá lá e encontre o que aqui você jamais encontrara!

Compadecido do homem pobre, o ladrão de “segunda classe” o deixou em paz e foi assaltar a casa do capitalista por ele indicado.

Um belo exemplo deixou São Francisco de Assis, o símbolo da pobreza:

– Ao ser informado de que os frades do seu Mosteiro haviam se recusado a dar agasalhos a uns ladrões que tremiam de frio, São Francisco correu a procurá-los pela estrada por onde haviam seguido, e fez de cada um deles um soldado da sua Fé, para o santo serviço de Deus. E eles nunca mais roubaram.

Piedade, pois, para os “ladrões de segunda classe”, desprotegidos, entre eles os ladrões de galinhas, que não ocupam birôs, não escondem malas de dinheiro, nem dinheiro na cueca, e não usam colarinhos brancos. Eles diferem de outras categorias de ladrões. Por precaução, só operam nas caladas da noite. Permanecem fora da sociedade e da lei. Muitas vezes, apodrecem nas prisões, por falta de quem os defenda, e por injustiça da própria lei.

Afinal, como dizia Lachaud, célebre criminalista francês (1818 – 1882):

“A LEI É CALMA E NÃO TEM SEQUER OS ARREBATAMENTOS DA GENEROSIDADE”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 09 de outubro de 2022

NOSSOS BICHOS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

NOSSOS BICHOS

Violante Pimentel

 

O Brasil é um dos raros paraísos terrestres. Não tem vulcões, que sepultem os homens em lama fervente, nem invernos rigorosos, que congelem as crianças nas ruas.

As nossas “revoluções” são rápidas e os “revolucionários” não guardam rancor. É verdade que, no correr da luta, as torturas se multiplicam e há pessoas que desaparecem do nada e para sempre. Porém, restabelecida a suposta paz, os mortos são esquecidos e os que sobreviverem, anos depois estarão, novamente, agitando a vida pública do País.

O povo se contenta com pão e circo. E o nosso circo é imenso. Entretanto, a coleção de bichos que o nosso circo possui não é a mais rica do mundo. Pelo contrário, fica muito a dever à Arca de Noé. Não temos girafa nem leão. O nosso pavilhão verde-amarelo é rico em florestas e minério. Mas as florestas não possuem sortimento de animais.

Nem todos compreendem o que quer dizer um rapaz magro, escaveirado e maltrapilho, quando diz ter passado a semana inteira a “cercar o cavalo e o touro, ao mesmo tempo, pelos quatro lados”. Também quem é de fora não entende o que significa um caboclo descalço dizer que seria capaz de “matar o bicho com duzentos reis.”

Isso se refere ao jogo do bicho, já incorporado à cultura popular, com seus causos hilários.

Ainda há o caso do “bicho de pé”, causado por um parasita denominado “tunga penetrans”, oriundo do hábito de se andar descalço. E há o caso do rapaz de pés tortos, decorrente da infestação de “bichos de pé”.

O Brasil, portanto, é também a terra do bicho. Tem bicho de toda espécie. Mas os nossos “bichos” são genuinamente brasileiros. Não vieram da África, como os bichos dos grandes circos estrangeiros. As nossas florestas são pobres. Aqui, por muito favor, se conseguirá encontrar onça, jacaré, macaco e tamanduá. Os dois últimos, no momento, são protegidos pelas imunidades parlamentares.

O nosso macaco é de pequeno porte, mas muito hábil. Para trabalhar no trapézio do circo, não há bicho melhor. Pula de galho em galho, com uma facilidade admirável.

Quanto ao tamanduá, é um bicho inteligente e ardiloso. Quando vê o caçador, põe-se de pé, escancara os braços, tal qual político em época.de campanha, e marcha para ele como se fosse o mais leal dos amigos. Assim que o cinge mete-lhe as unhas nas costas, e não abandona o caçador, até que ele morra.

O tamanduá, por excelência, é considerado o animal político da nossa fauna. Seu comportamento traiçoeiro e falso é típico dos políticos profissionais. E ainda há caçadores que confiam nele!…

Nós temos, também, por aqui, um bicho muito agradável. É a Guariba, espécie de macaco “bugio”, lembrada na música Sebastiana, de Jackson do pandeiro.

O macaco Guariba é o orador parlamentar da floresta. Ronca que é uma beleza, mas não diz nada. De longe, amedronta o homem. De perto, faz rir quem o vê, na sua tribuna, trepado num pau.

Com exceção desses bichos citados, não se encontram em nosso País, outros animais interessantes, que enriqueçam a nossa fauna. Saguis, preás, mocós, quatis, cotias e tatus não fazem nada de engraçado e bonito. Trocar um tigre por um cachorro do mato, não interessa a ninguém. Trocar uma foca por uma Ariranha, também não interessa. Muito menos, trocar um hipopótamo por um macaco-prego.

Dizem que tem bom coração, aquele que protege os animais. E os animais, quando bem tratados, criam verdadeira veneração religiosa pelo dono.

Conta-se que um dono de circo internacional percorreu durante vinte anos os continentes, levando com ele dois patos vivos, que recebera de presente para comer. Os patos morreram de velhos. Dotado de bons sentimentos, esse homem terminou morando no Brasil.

A Guariba tem corpo forte e cauda longa. Sua característica mais marcante é o som emitido pelos machos, que pode ser escutado a longas distâncias.

A vocalização destes animais varia, conforme a informação que deseja ser passada. O filhote emite sons curtos e prolongados, enquanto os sons emitidos pelos jovens e fêmeas são entrecortados e graves. Podem indicar que está na hora de andar, alimentar-se, ficar em alerta ou chamar a fêmea para o acasalamento. Os sons emitidos podem se assemelhar a gritos, latidos e rugidos.

Relembrando Jackson do Pandeiro:

Convidei a comadre Sebastiana
Pra dançar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: A, E, I, O, U, ipsilone”

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 02 de outubro de 2022

AS ELEIÇÕES (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS ELEIÇÕES

Violante Pimentel

 

Era dia de Eleição, décadas atrás, entrando pelo século passado (50/60), Nova Cruz estava em festa. Caminhões carregados de eleitores, vindos da zona rural e lugarejos vizinhos chegavam a toda hora. Os candidatos pela UDN e PSD ofereciam mesa farta aos votantes famintos, coisa que sempre ocorria nas eleições. Comidas pesadas como feijoada, buchada de bode, rabada, cozido e sarapatel, à vontade. A fartura era grande e os eleitores comiam até se empanturrar. 

 

 

Antigamente, as cabines de votação eram fechadas.

Pois bem. Nessas referidas eleições, aconteceu um caso constrangedor e ao mesmo tempo hilário.

Um eleitor que votaria pela primeira vez, muito nervoso, ao entrar na cabine de votação foi acometido de uma enorme cólica intestinal, a chamada dor de barriga “de chicote”. Essa que chega traiçoeiramente, e não há reza forte que a faça recuar. Não há santo que a segure, e as tripas fervem e gritam:

“Ó abre alas, que eu quero passar!!!”

O eleitor tinha comido muita buchada de bode e outras comidas pesadas, na mesa farta oferecida pelo seu candidato a Prefeito.

Sem outra solução, acocorou-se perto da cabine de votação, num canto de parede, e não teve tempo de raciocinar. Não houve santo nem arcanjo que ouvisse os seus apelos. De tão nervoso e “apertado” que estava, defecou ali mesmo, sem saber que estava homenageando a todos os corruptos, assaltantes do erário público.

Suando frio e apavorado com o que lhe pudesse acontecer, o eleitor ” debutante” limpou-se com a chapa de votação oficial, que lhe fora entregue pelo mesário, e também com a “cola” que trouxera e todos os “santinhos” que guardava nos bolsos, todos com a cara dos candidatos.

O fato é que o eleitor ultrapassou o tempo de permanência na cabine de votação, o que chamou a atenção dos fiscais.

O mesário bateu à porta da cabine, chamou o nome do eleitor e disse-lhe que o seu tempo de votação havia se esgotado. Depois de alguns segundos, uma voz cansada respondeu: “Tem gente!” E o eleitor não saiu.

A ênfase do mesário aumentou:

– Senhor José Apolinário da Silva, seu tempo de votação terminou!

Transtornado, o eleitor estreante, ao ouvir alguém chamar seu nome, vestiu-se de qualquer jeito, e saiu da cabine como um raio, deixando-a um horror de fezes e mau-cheiro. Sentiu-se como se estivesse saindo do inferno e como se fosse a pessoa mais infeliz do mundo.

Retornou à sua casa na zona rural traumatizado, e a lembrança desse dia fatídico nunca saiu da sua mente. Quando escuta a palavra “eleição”, se benze três vezes e faz figa.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 26 de setembro de 2022

BRASIL HERÓI (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BRASIL HERÓI

Violante Pimentel

 

Esse pagão foi S. Paulo, que, mesmo mergulhado nas trevas, viu a Cristo, e a cegueira o redimiu.

– SAULO! SAULO! Por que me persegues? – gritou-lhe o Senhor.

E Saulo, convertido, foi o mais perfeito soldado de Deus, que, para que o servisse, lhe restituiu os olhos, e lhe deu com eles, o prestígio da fé.

Pois bem. Certa vez, entrando pelo século passado, um jovem soldado cego, acompanhado do seu guia, dirigiu-se ao Quartel General, procurando falar com o Ministro da Guerra. Levava em mãos um ofício da Associação Brasileira de Imprensa.

 

 

Em 1930, quando houve o maior conflito nacionalista brasileiro (A Revolução de 1930), e quando o país, de norte a sul, se erguia bêbado de esperança, para renovar o seu panorama político, o jovem Brasil Herói se unira aos que marchavam, e marchou também, rumo à vitória. Mas não foi feliz.

Às vésperas do triunfo, Brasil Herói perdeu a visão dos dois olhos. Um estrondo, uma nuvem de poeira, e, em seguida, a noite, a escuridão. Tateou em torno de si mesmo, procurando apoio. Mãos amigas o seguraram.

Nunca mais viu o sol, e penetrou na noite escura da sua agonia.

Brasil Herói, o soldado cego que a Associação Brasileira de Imprensa mandou apresentar ao sr. Ministro da Guerra, “não vinha a Damasco para combater os Cristãos, mas para aliar-se a eles, no serviço da nova religião.”

Os que marchavam a seu lado traziam todos, ambição e esperança. O que menos pretendia, pretendia uma porção de liberdade. E todos, ou quase todos, conseguiram o que desejavam. Houve quem se contentasse com um cartório, e houve quem se satisfizesse com um pão. E houve, até, quem se sentisse pago da viagem longa, e dos riscos da expedição militar, amarrando o seu cavalo a uma coluna de pedra no coração da Avenida.

Ao término da infeliz marcha, o agora cego, Brasil Herói, não pediu nada à Revolução. Não cobiçou uma pasta de ministro, não pleiteou coisa nenhuma. Não foi candidato a um lugar de tabelião. Não solicitou promoção no exército. Não desejou para si, um cargo, até então, ocupado por outrem.

Brasil Herói queria, apenas, os seus olhos de volta, isto é, as duas moedas que lhe haviam sido arrebatadas e que lhe davam direito a assistir a todos os espetáculos da vida e do mundo! Seus olhos eram o seu maior tesouro.

Desiludido de reavê-los, o jovem soldado da Revolução de 30 foi bater à porta da Associação Brasileira de Imprensa. Não foi pedir que enxergassem por ele, pois sabia, por dedução, que isso seria impossível. .

Tateando o corrimão da vasta escadaria, que levava ao salão da Associação Brasileira de Imprensa, Brasil Herói foi pedir ao seu presidente, simplesmente, que lhe conseguisse, do sr. Ministro da Guerra, uma cama e um prato, no Asilo dos Inválidos da Pátria, a fim de que pudesse assistir, sem fadiga e sem fome, com o auxílio dos ouvidos, ao desenrolar do espetáculo da Revolução, no qual colaborou obscuramente, trabalhando na preparação dos cenários. Operário na “construção de Babel”, perdeu a vista, quando carregava o seu tijolo. Tem direito, pois, de acordo com a lei que regula os acidentes do trabalho, ao amparo por parte do dono da obra.

Brasil Herói foi atendido no seu pedido desesperado, de ter ao menos, uma cama e um prato no Asilo dos Inválidos da Pátria. Nada, porém, consolaria alguém de ter perdido totalmente a visão, passando a viver nas trevas, sem sol, sem lua e sem estrelas.

Diz a História, que os revolucionários brasileiros tem uma infinidade de defeitos, mas lembram, principalmente, os civis, e particularmente os do Rio Grande do Sul. O que lhes falta, às vezes, em tato político, sobra-lhes em bom coração.

Levam surras tremendas, mas não se vão, mesmo recebendo compressas de vinagre nas equimoses. Abrem-lhes feridas com espada e, ensanguentados, aceitam o bálsamo que as cicatrize.

A capacidade de sofrer, do ser humano, é imensa.

A Brasil Herói, o desventurado cego, a quem a Associação Brasileira de Imprensa estendeu a mão do seu presidente, restou o consolo de uma cama e um prato no Asilo dos Inválidos da Pátria.

Os homens públicos, como se sabe, não tem tempo para reflexões. O ócio e outros sentimentos rudimentares se transformam em ideias e axiomas, e sobrevivem, comprometendo a ordem pública e a fraternidade humana.

E assim caminha a humanidade, sempre sob o império das paixões.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 21 de setembro de 2022

SONHO OU PESADELO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SONHO OU PESADELO

Violante Pimentel

 

Nunca esqueceu seu estresse de ter que acordar de madrugada, para pegar a barca e ir trabalhar no Rio. Depois de aposentado, passou a sonhar todas as noites, que estava na barca da Cantareira. Eram pesadelos tremendos. Passava a noite dando voltas na cama e fazia de conta que estava passando pela “borboleta.” Dormindo, era tão inquieto na cama e fazia tantas voltas em sonho, que chegava a chutar o que houvesse por perto e a derrubar o ventilador que ficava na sua mesinha de cabeceira.

 

 

Na ausência de Freud, ou de qualquer dos seus seguidores nacionais, Zé da Silva procurou, ele mesmo, decifrar o seu sonho. Vivia lendo notícias horríveis, de violência e crimes de toda espécie.

Lia sempre os noticiários dos jornais e ficou sabendo da greve da Cantareira Fluminense.

Com atraso, leu também a petição de uma mulher, pedindo a recomposição do corpo de sua própria mãe, decapitada e esquartejada pelos rapazes da Faculdade de Medicina do Estado do Rio. A velha dama falecera num hospital público de Niterói.

Informada do óbito de sua mãe, a filha se deslocou ao hospital, para providenciar o sepultamento. Tencionava fazer a inumação piedosa e conveniente, de acordo com os preceitos cristãos. Mas, chegou atrasada. O cadáver da sua mãe já havia sido encaminhado pelo Diretor da Faculdade de Medicina, ao anfiteatro da sua escola, estando disponível aos estudos de Anatomia dos seus discípulos. Não se sabe o resultado dessa “operação”. A luta do pobre contra o rico não deve ter dado em nada, apesar da torpeza do assunto.

Um dos grandes heróis da Grécia Antiga, o poeta, profeta e músico, Orfeu, foi assassinado, tendo o corpo despedaçado pelas “Mênades”, mulheres apaixonadas e furiosas, que não estudavam medicina, nem tinham compromisso com a Ciência. Cansadas de serem menosprezadas, as Mênades, cortaram o corpo de Orfeu em pedaços e lançaram sua cabeça no Rio Hebrus.

Já nesse hospital de Niterói, uma veneranda e pobre senhora pagou o ultrajante tributo à Ciência, ao ir a óbito, e cair, em seguida, sob o bisturi de algumas centenas de jovens, que andam a pesquisar nos domínios da Morte os profundos e eternos segredos da Vida.

Seu cadáver foi usado, como se fosse um “cadáver desconhecido”, nas aulas de Anatomia, da Faculdade de Medicina. Enquanto isso, desesperada, a filha aguardava o reconhecimento e liberação do corpo da mãe, para o sepultamento Cristão.

Esse caso impressionou Zé da Silva, e entrou como complemento nos seus pesadelos.

Com as pálpebras querendo fechar e sinais de “sono à vista”, logo cedo, ele adormecia. Pouco tempo depois, começavam os sonhos, verdadeiros pesadelos.

Via-se passando na “borboleta” da barca de Niterói e, no sonho, acabava de sentar-se em um dos bancos, próximo à caldeira. De repente, alguém tocou-lhe o ombro. Era o temível Dr. Lauro Amaral, Diretor da Faculdade de Medicina, que também estava a atravessar aquele mar.

Os dois começaram a palestrar.

Palestra de barca tem tempo certo para acabar. É feita sob medida e se escolhe o tamanho do assunto, de acordo com o tempo que falta para a barca atracar.

– O senhor não imagina, como estou preocupado com a falta de cadáveres na faculdade, para as aulas de Anatomia. – Falou o médico.

Zé da Silva perguntou:

– O Dr. está falando em falta de defunto? Pra que? Credo em Cruz!!! Vejo falar em falta de dinheiro no bolso do povo brasileiro! Mas de defunto, não! O Doutor anda sendo perseguido pelos cadáveres?

Não, senhor! – Pelo contrário! Os cadáveres é que andam sendo perseguidos por mim!

E o doutor continuou:

– A Medicina é a Ciência que atrai o maior número de alunos no Brasil. A cada ano saem das escolas superiores do país milhares de brasileiros jovens, autorizados a exercer o seu apostolado, na pele, na carne, no osso e no tutano do próximo. E a cada ano, entram para os lugares que eles deixaram nos bancos das Faculdades, novas centenas de candidatos. Como consequência, começaram a faltar corpos humanos para os estudos. A procura valorizou o produto. E de tal modo, que é mais fácil, hoje, um cadáver encontrar um estudante, do que um estudante encontrar um cadáver. Em Niterói, principalmente, um defunto está, agora, pela hora da morte!

Não morre ninguém?

– Morrer, morre. Mas, a questão, é que o defunto que vai para a Faculdade, servir de campo de pesquisas ao estudante, é unicamente o pobre, que passa pelo necrotério. É preciso que o sujeito tenha sido assassinado, e não tenha parente que o sepulte.

– O Doutor já experimentou mandar matar alguém? – Perguntou Zé da Silva.

– Já. Os rapazes da Faculdade tem animado alguns valentões a enfiar a faca no bucho alheio. E o resultado tem sido nulo. Duas ou três mortes, e acabou-se. Que são, porém, dois ou três defuntos para mais de oitocentos rapazes armados de bisturi? Nada! Quando aparece um cadáver no anfiteatro da nossa Faculdade, é tanta gente em cima dele que vem logo a lembrança da afluência dos pintos lá nas casas do interior, quando se atirava uma casca de banana no quintal!

Fez-se um silêncio ligeiro, e o médico falou baixinho:

– O senhor não leu o que alguns jornais de Niterói publicaram a seu respeito?

– Não, senhor….

– Pois, olhe: eu, no seu caso, não aguentava! Ia à redação, e metia seis balas no primeiro sujeito que encontrasse lá dentro! Não interessa quem seja!!!

– Mas, em que redação, Doutor? Qual é o jornal?

– Qualquer um. A imprensa é uma só. E o senhor está na obrigação de vingar-se! Não se faça de fraco! Não aguente desaforo!

E disse, ao ouvido de Zé da Silva:

– A Faculdade dá quinhentos mil reis por cada defunto!

– E se eu morrer, Doutor? – perguntou Zé da Silva.

Um sorriso maléfico iluminou o rosto do “bondoso” médico. As suas pupilas se acenderam, numa alegria sinistra.

– Se o senhor morrer?

Correu os olhos sobre Zé da Siva, contemplando as anomalias da sua figura. E com entusiasmo, apertou-lhe a mão, com vivacidade:

– Dou-lhe um conto de reis, hoje!….

Com essa, Zé da Silva despertou do sono, ainda mais perturbado. Mas, se consolou, sabendo que ele, pelo menos em sonho, é um “homem de valor.”
Aquele médico, só podia estar louco!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 10 de setembro de 2022

O TEMPO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O TEMPO

Violante Pimentel

 

 

Clepsidra ou relógio do tempo

 

O grande poeta Olavo Bilac (1865-1918) escreveu este belo soneto, inspirado nesse tema, que pertence a toda a poesia e que está em todas as línguas:

“TODA HORA FERE E A DERRADEIRA MATA”

Vão-se os dias, semanas, meses, anos
E ao findar na terra a fugaz visita,
Temendo o êxodo, nossa alma hesita,
Deixar o palco dos seus desenganos.

É o tempo senhor dos nossos planos
E a última vez que um coração palpita,
Um relógio invisível a hora grita,
No necrológio triste dos insanos.

Inexoravelmente se consuma
A breve história da vida aqui na terra,
Pela percepção de quem a capta.

Como a onda do mar por entre a bruma,
Ergue-se altiva e depois se encerra,
“Toda hora fere e a derradeira mata”.

O tempo é inexorável. É o senhor dos nossos planos. Não para, nem espera por ninguém. E os sonhos ficam sempre inacabados, como uma sinfonia. Quando o tempo diz que é hora, os planos ficam no ar.

Há um antigo provérbio latino, inscrito em antigos relógios de sol, que se refere ao tempo, às horas e à nossa passagem pela vida, que diz:

“Todas ferem e a última mata”.

O provérbio pretende alertar-nos para o efeito que o tempo tem sobre nós. Todas as horas que vivemos, bem ou mal, deixam as suas marcas. Temos, portanto, que vivê-las o melhor possível, para que a sua marca não seja uma ferida fatal, e para que possamos atrasar a última hora.

Não é, pois, de se estranhar que este provérbio apareça, essencialmente, nos relógios, símbolos da passagem do tempo.

Há uma antiga lenda, que conta a história de um jovem frade, que, certa manhã, saiu do seu convento, atraído pelo cântico de um rouxinol e se embrenhou pela floresta. Deslumbrado com tanta beleza ali encontrada, distanciou-se cada vez mais, floresta a dentro, envolvido pela magia da diversidade de pássaros e seus cânticos maravilhosos.

Embevecido com a beleza que estava diante dos seus olhos, o jovem frade se esqueceu do tempo que passava ao seu redor e das pessoas que aguardavam a sua volta. Quando despertou desse enlevo, perdeu a noção de quantas horas permanecera ali, encantado com o cântico dos pássaros.

Apressou-se em voltar ao Convento, mas, em ali chegando, notou que estava tudo diferente. O jovem porteiro havia se transformado em um velho frade, de cabelos brancos e enorme barba.

Não só o irmão porteiro havia envelhecido, como também todos os frades que ainda restavam no Convento. Estavam todos de cabelos brancos e alguns já haviam morrido.

Muitos anos se tinham passado, e entre o recém-chegado moço e o eremitério velho, acontecera o hiato de Deus, a eternidade. Nada tinha mais sentido para o jovem frade.

Essa realidade é sempre esquecida e o tempo é desperdiçado e gasto com brigas, violência e desamor.

A legenda dourada do tempo, que diz que ele está passando, é sempre ignorada, e esquecida pela volúpia com que se deixa que se escoem as horas, estas horas que passam nos ferindo, uma a uma, até o minuto fatal.

A hora atual nos parece mais vertiginosa e à medida em que envelhecemos, contamo-la por minutos, como as pulsações do coração.

Há homens que se deixam, também, atrair pela música dos pássaros levianos. Caminham, dentro da floresta, de clareira em clareira, esquecidos das horas.

A clepsidra (relógio de água, um dos primeiros sistemas criados pela humanidade para medir o tempo) se esgota, a velhice chega, mas o engano persiste até o momento em que se deparam com o velho muro da morada esquecida, onde se retratam as dores e as decepções.

O milagre não aconteceu. O irmão de cabelos brancos que os espera à porta do Convento é a própria figura do destino, que não abandona aqueles a quem marca e a quem dirige com sua mão vigilante.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 03 de setembro de 2022

A HISTÓRIA SE REPETE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A HISTÓRIA SE REPETE

Violante Pimentel

 

As fraudes, as corrupções e os subornos constituem, nos dias atuais, as marcas predominantes dos crimes contra o patrimônio público.

Nestes tempos sombrios de uma disputa política acirrada, em que a liberdade de expressão de um partido é cerceada a toda hora, e em contrapartida, as divindades supremas fecham olhos e ouvidos para o que dizem e fazem os componentes do “Cordão Vermelho”, nada melhor do que mergulharmos na história da Roma Antiga, e nos deliciarmos com a inteligência de Cícero, o grande filósofo.

Marco Túlio Cícero, (3 de janeiro do ano 106 A.C), foi um dos mais importantes filósofos da Roma antiga.

Proveniente de uma cidade ao sul de Roma, de nome Arpino, no começo da sua vida, esse fato o discriminava, por não ser um romano tradicional.

 

 

A família de Cícero também o ajudou a crescer. Seu pai era um rico equestre, com importantes contatos em Roma.

Sua educação foi baseada nos grandes filósofos, poetas e historiadores gregos.

Desprovido de qualquer interesse pela vida militar, Cícero começou sua carreira como advogado. Mais tarde, mudou-se para a Grécia e ampliou seus estudos de retórica. Através dessa estadia na Grécia, teve contato e passou a admirar calorosamente a obra de Platão. Foi o responsável por introduzir a filosofia grega em Roma, criando um vocabulário filosófico em Latim.

Foi toda a sua eficiência e competência na língua grega, que o levou à condição de intelectual e o colocou entre a elite romana tradicional.

Na década de 60 a.C., Catilina, um militar e senador romano famoso, que também já havia passado por cargos de magistratura, pretendia ser designado Cônsul da República. Mas, seu nome era encarado com desconfiança por seus pares. Muitos viam nele um risco para as instituições republicanas. Em retaliação, Catilina, junto a seus aliados, entre eles o ex-Cônsul Públio Cornélio Lêntulo Sura, procurou organizar uma rebelião, ou golpe, contra a República. Esse golpe consistia no assassinato dos dois cônsules e na subjugação do Senado.

Cícero, que era Cônsul, ao tomar conhecimento do planejado golpe, escreveu, então, uma série de quatro discursos célebres contra Catilina, pronunciados em 63 a.C. Esses discursos denominados Catilinárias, posteriormente, se notabilizaram.

Logo de início, destilavam:

“Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?

Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os tremores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a tem já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberação foram as tuas?

Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes fatos, o cônsul tem-nos diante dos olhos: todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no Conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar um a um para a chacina. E nós homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura à morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul, contra ti e que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.”

Cícero tornou-se o homem mais importante de Roma, ao lado de Marco Antônio. O primeiro, como porta-voz do Senado e o segundo como Cônsul. Só que os dois nunca tiveram uma relação amigável, o que piorou quando Cícero acusou Marco Antônio de abusar na interpretação das intenções e dos desejos de Júlio César.

Cícero articulou um plano para colocar no poder o herdeiro de César. Mas, seu plano não saiu como desejava. Octaviano aliou-se a Marco Antônio e formaram um triunvirato, juntamente com Marco Emílio Lépido, para governar Roma.

Esse triunvirato elaborou uma lista de pessoas que deveriam ser consideradas inimigas do Estado, na qual Cícero foi incluído. Como o intelectual romano era muito bem visto por grande parte do público, Octaviano se recusou a inseri-lo nessa listagem. Mas, a medida drástica foi inevitável.

Cícero foi capturado no dia 7 de dezembro do ano 43 A.C. , quando tentava fugir para a Macedônia. Seus escravos ainda tentaram escondê-lo, mas os assassinos o encontraram e o mataram. Cícero teve a cabeça cortada e as mãos também, por ordem de Marco Antônio, partes que foram pregadas no Fórum Romano.

Ainda ecoam, da sombra de dois mil anos, as apóstrofes dos discursos de Cícero; e ouvindo-as, fica-se menos espantado diante dos quadros de corrupção e impunidade dos dias atuais.

Foi na antiga civilização romana que o modelo político da república se desenvolveu.

República, em sentido literal, quer dizer “Coisa Pública”, “Bem Público”, isto é, aquilo que diz respeito à vida em sociedade, à administração dos interesses e necessidades de todos.

Esse modelo político passou a vigorar na antiga Roma, após a queda de Tarquínio, o Soberbo, último rei da dinastia etrusca (dinastia que governou Roma durante 244 anos), no ano de 509 AC.

Com o advento da República, a estrutura monárquica foi abandonada e em seu lugar, novas instituições foram erguidas. Dentre elas, as mais importantes eram a Magistratura (que executava a administração pública) e o Senado (composto pelos cidadãos mais velhos, que eram encarregados da elaboração das leis e do controle da ação dos magistrados).

Dos vários cargos da magistratura, o mais alto era o de Cônsul. Quem estava à frente do poder da República eram dois Cônsules, escolhidos pela Assembleia Curiata, ou Assembléia das Cúrias, organismo legislativo, que existiu durante o período da Monarquia em Roma.

O que Cícero clamava há dois mil anos, pode ter se perdido entre as infinitas ressonâncias dos séculos. Entretanto, a corrupção que ele verberava continua impassível, cantando as suas vitórias e vangloriando-se da sua longa impunidade.

Além de um grande filósofo e escritor, Cícero deixou um legado de grande influência à cultura europeia.

Tornou-se uma das principais fontes primárias para o estudo da Roma antiga.

Para onde quer que se olhe, nos dias atuais, a paisagem não está tranquila. Se as árvores estão paradas e as casas mudas e tristes, o seu silêncio é o de estarrecimento, insegurança e torpor.

O povo sofre a crise constitucional que afeta os poderes da Democracia.

Atualmente, a liberdade de expressão é limitada, e o povo assiste, impotente, às injustiças cometidas contra parlamentares, com foro privilegiado.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de agosto de 2022

MEDO DE MÉDICO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MEDO DE MÉDICO

Violante Pimentel

A fome é uma doença crônica, que somente a comida pode controlar.

É estranho o comportamento de pessoas, portadoras de doenças crônicas como hipertensão arterial e diabetes, que se recusam a procurar tratamento médico. Mesmo sendo doenças crônicas, para o resto da vida, essas doenças podem ser controladas. Para isso, o doente terá que se submeter a uma rotina diária de tomar a medicação prescrita pelo médico.

 

 

A doença crônica da fome, se não for tratada diariamente, pode levar o doente a óbito em um mês. E o remédio diário é um farto prato de comida, no mínimo, três vezes ao dia.

Esses pacientes que tem medo de médico devem ser adeptos da filosofia dos avestruzes. Dizem que quando um avestruz avista um leão, enfia a cabeça na areia para não vê-lo.

Acham que ignorando a doença, ela não existe. Ledo engano. O leão existe e está sempre à espreita.

Entretanto, para a doença da fome, o único remédio que existe é a comida, como o feijão com arroz e carne, leite, ovos etc. diariamente.

Há pessoas que brincam com a saúde e dizem ter medo de médicos. “Esquecem” de tomar os remédios por eles prescritos, e adotam a filosofia do avestruz. Acham que médico só faz descobrir doença. E usam o velho ditado popular: “o que os olhos não veem, o coração não sente.”

Acham que escondendo a doença, ela não existe.

Conheço pessoas que evitam ir a médicos, com medo de que eles descubram nelas alguma doença incurável. Fogem do tratamento precoce ou preventivo, como o diabo foge da cruz, e só procuram o médico, quando a doença já avançou.

Acontece que o leão é verdadeiro e vive à procura de caça. Por isso, não adianta o avestruz enfiar a cabeça na areia, para não ver o leão, pois terminará sendo devorado por ele.

Os avestruzes são injustiçados. Seus detratores declaram que aquelas aves são de uma estupidez sem paralelo. Dizem que elas, ao se defrontar com um leão, enterram suas cabeças na areia, como quem diz: “se não percebo o perigo, o perigo não existe para mim, desde que eu continue com a cabeça enfiada na areia.”

Não haveria problema nenhum, se o leão não existisse. Mas o leão existe, é caçador, e termina devorando o avestruz. Entretanto, é estranho que o avestruz, pelo instinto de conservação, não fuja do leão, ao invés de enfiar a cabeça na areia. Mas o que não se admite é que a pessoa humana evite ir ao médico, mesmo com sintomas de uma doença.

“É melhor prevenir, do que remediar”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 21 de agosto de 2022

O MUNDO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FORIANO)

O MUNDO

Violane Pimentel

O mundo é pequeno, mas a maioria dos homens se julga tão grande, que não se pode andar em direção alguma, sem se correr o risco de pisar nos calos de alguém. Se, porém, ficarmos parados, os que tem pressa passarão por cima de nós e pisarão nossos pés.

Não agradamos a ninguém pela nossa brandura, e jamais agradaremos pelo nosso modo ríspido de dizer a verdade. Temos que dizer sim aos mandões, sob pena de ficarmos antipatizados.

Seja qual for a forma de procedermos, teremos sempre inimigos gratuitos. E não são poucos.

A simplicidade dos bons é vista como idiotice por parte dos esnobes, prepotentes e ambiciosos.

O culto ao dinheiro por parte dos invejosos, faz com que eles sofram, com inveja daqueles que são controlados e não gastam mais do que podem.

As “parcelinhas” do cartão de crédito tiram o sono dos irresponsáveis, viciados em dever.

O pior é que muitos acham que quem economizou e fez um pé de meia, deve abrir mão do que tem, para dar cobertura à irresponsabilidade deles, que sempre gastam mais do que podem, optando pelas coisas supérfluas e deixando as necessárias para depois. Estes planejam sempre tirar vantagem do dinheiro alheio, e no vocabulário deles não existe a palavra “escrúpulo”.

A inveja, o olho grande e a ganância fazem do mundo uma competição. Ninguém perdoa o sucesso de ninguém e as boas qualidades de uma pessoa são ignoradas. Enquanto isso, os defeitos são procurados com lente de aumento, ou lupa.

Há pessoas vaidosas e orgulhosas, que parecem certos pasteis de feira. Tem uma casca crocante e estufada, de chamar a atenção. Mas, por dentro, quase não tem recheio. Um verdadeiro engodo.

 

 

Isso me faz lembrar um ditado do tempo da minha avó paterna, D. Júlia: “Por cima, muita farofa, e por baixo molambo só”.

E assim caminha a humanidade.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de agosto de 2022

ACONTECIA NA FEIRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ACONTECIA NA FEIRA

Violane Pimentel

 

A mortalidade infantil era absurda. A criança adoecia à tarde e antes de amanhecer o dia estava morta. Não havia assistência médica nenhuma, e, consequentemente, não havia plantão médico.

 

Chá de canela era o “remédio” que os curiosos indicavam para os bebês, quando de repente ficavam febris, pálidos e choramingando. Foi assim que vi um irmãozinho meu, Galdino, morrer, no dia em que completou sete meses de idade, ao sofrer uma convulsão pela madrugada. Tinha amolecido à noitinha, ficou febril e foi “medicado” por um conhecido charlatão da cidade, que, em sua casa, consultava o povo da roça, dia de feira. O remédio por ele indicado foi chá de canela, achando que deveria ser uma gripezinha.

Nunca esqueci o desespero da minha mãe naquela madrugada, gritando desolada, sem querer acreditar que a criança estava morta. Meu pai, também desesperado, tentava acalmá-la, mas era em vão. Eu tinha pouco mais de quatro anos. Nunca esqueci essa terrível cena, numa madrugada escura e fria.

Pela manhã, a casa se encheu de gente. À tarde, houve o enterro de Galdininho (como minha mãe o chamava), com a presença de familiares da minha mãe, que moravam em Natal. Essas coisas tristes da vida, a gente nunca esquece…

Pois bem. A feira municipal de Nova-Cruz era na 2ª feira. Era considerada a maior feira da região agreste. Começava pela madrugada e se estendia até o final da tarde.

Do balcão da bodega do nosso pai, assistíamos a um verdadeiro espetáculo de cultura popular: As cantigas dos cegos, pedindo esmolas, e insultando uns aos outros, defendendo seus direitos àquele ponto. Era uma verdadeira festa do Cordel. Os desafios eram hilários e maliciosos.

A feira era um verdadeiro encontro ou reencontro de almas. Era um dia divertido, com meu pai, minha mãe e quase todos os filhos no balcão da venda. Em frente, havia duas barracas que vendiam cocorotes (de coco), bolo branco (hoje chamado “bolo da moça”) e doce americano (geleia de coco). Nunca me esqueci do gosto dos cocorotes. Tudo era uma gostosura.

Mais adiante, chegava um vendedor ambulante, com uma mala cheia de óculos de grau para vender, e formava-se uma fila de pretensos “clientes”, para comprar óculos, cujo grau lhes permitisse ler as letrinhas da caixinha de fósforo “MARCA OLHO”. Esse era o teste para aprovação do grau.

A precariedade da vida em Nova-Cruz forçava o povo a dar preferência aos óculos vendidos pelo ambulante. Além do mais, se o problema fosse apenas “vista curta”, seria mais cômodo e mais em conta comprar os óculos já prontos na feira, do que ter que viajar a Natal, somente para esse fim. Os compradores de óculos ficavam satisfeitos quando enxergavam perfeitamente as letrinhas da caixinha de fósforos “Marca Olho”. Era o sinal de que o grau era aquele.

De Nova-Cruz a Natal são 110km. Entretanto, naquela época (60/70), em estrada de barro, a viagem de ônibus levava de 4 a 5 horas. Durante o inverno, o atoleiro era grande. Por isso, os feirantes da zona rural eram acostumados a comprar óculos de grau na feira, já prontos. A aprovação dos óculos era 100%, e ninguém reclamava. Meu saudoso tio Paulo Bezerra, por comodidade, também só comprava óculos de grau na feira, e se dava muito bem.

Também na feira de Nova-Cruz, costumava estar presente um homem vestido com uma bata branca, com pose de doutor, que ali armava uma pequena banca e sobre ela mantinha uma garrafada, que continha um ácido para “tirar” sinais da pele. Nessa época, não se falava em carcinoma. A fila de pessoas que pagavam para tirar sinais era grande. Nunca se soube de um insucesso de um desses “procedimentos cirúrgicos”. Hoje, esse homem seria preso por charlatanismo. Meus tios Paulo Bezerra e Eulina Bezerra chegaram a tirar alguns sinais com ele e os “procedimentos” foram muito bem sucedidos.

Essas lembranças fazem parte da minha saudade. Volto à minha infância e juventude. Essa feira, na minha vida, foi muito mais do que uma simples feira.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de agosto de 2022

*DO TEMPO DO RONCA* (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

“DO TEMPO DO RONCA”

Violante Pimentel

 

“Isto é do tempo do Ronca”.

Há quem diga que essa expressão é uma variante do dito popular “do tempo do Onça”. Na verdade, as duas expressões tem o mesmo sentido.

O “Onça” foi um apelido dado a um governador da capitania do Rio de Janeiro, no sec. XVIII. O mandatário era conhecido por sua honestidade e rigor no cumprimento da lei, o que contrariava osdesonestos, acostumados a mamar nas tetas da Nação.

 

 

De acordo com o que a mídia nos mostra, quem quiser, nos dias de hoje, encontrar um governante honesto, terá o mesmo trabalho de quem procura encontrar uma agulha num palheiro.

Pois bem. “Onça”, como ficou conhecido o governador do Rio, que cultuava a honestidade e detestava ladrão, colocou ordem no “galinheiro da casa”, e por isso era considerado pelos desonestos, como um homem intolerável, doido e idiota.

O governador “Onça” fez com que os recursos da Coroa fossem gastos de forma eficiente e transparente; fez uma devassa no transporte do ouro de Minas ao Rio; trouxe segurança à população e tomou medidas enérgicas contra todo tipo de malandros, ladrões, desordeiros, arruaceiros e esquerdopatas que infestavam o Rio de Janeiro.

O “Onça” também era implacável com os ladrões de “colarinho branco”. Sua honestidade lhe causou muitos problemas na vida política. Ele acabou com as mamatas e governou de forma honesta e rígida, o que desagradou a elite local, acostumada aos “favores” do governo.

Como ele não apoiava vagabundos e malandros, e era intolerante à desonestidade independente de classe ou posição social, acabou por ganhar esse apelido de “Onça”, o animal mais temido da época.

Os atritos políticos fizeram com que o “Onça” terminasse sendo destituído do cargo de governador.

Como se vê, ser honesto, já no século XVIII, era uma coisa complicada na política nacional. O “Onça” foi um exemplo de como é possível, e ao mesmo tempo difícil, governar com honestidade e probidade, sem usar de medidas extremas de restrição à liberdade de ir e vir. Por isso, “Onça” era admirado pela banda decente da população, mesmo sem escapar da crítica daqueles que consideram idiotas e burras as pessoas honestas.

O “Onça” se chamava Luís Vahia Monteiro. Governou o Rio de Janeiro de 10/05/1725 a 22/04/1732. Também foi apelidado de “virgem no bordel”.

Quase 300 anos depois, ser honesto ainda causa polêmica!

Frase do governador Luís Vahia Monteiro, em carta ao rei D. João V.

“Senhor, nesta terra todos roubam. Só eu não roubo.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 31 de julho de 2022

GANHAR OU PERDER (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

GANHAR OU PERDER

Violante Pimentel

 

Os jogadores compulsivos agem como os apaixonados e como os alcoólatras, sob o império de uma força irresistível.

Há pessoas tão votadas ao jogo, como votadas ao amor. Cultivam seu vício até o fim da vida.

A paixão pelo jogo também é vista como um ato de destruição do patrimônio e da família, levando, às vezes, o jogador à miséria.

O vício do jogo é uma luta corpo a corpo com o destino. Arrisca-se o dinheiro, na certeza de se ter de volta muito mais do que se jogou. O jogador tem certeza de que vencerá, como se por trás da certeza existisse um pacto com o diabo.

O jogo é alimentado por sonhos. O jogador vê no jogo uma divindade e nos jogadores os devotos. A carta esperada ou a bola que corre, dará, talvez, ao jogador os bens materiais que alimentam seus sonhos, sejam viagens, apartamentos, casas de praia, carros de luxo, jardins, parques, bosques e castelos.

A paixão pelo jogo também é vista como um corvo, que vê de longe o cadáver do jogador.

O mais terrível do jogo é que ele dá o dinheiro e ele mesmo o tira rapidamente. No jogo do bicho, então, há uma piada que diz: o bicho dá e o bicho mesmo come. É mudo, cego e surdo. Não escuta lamentos. Tem os seus devotos e os seus santos.

Quando o jogador perde, acusa a si mesmo pela derrota e jamais se revolta contra o jogo, como se este exercesse um grande feitiço sobre ele.

Há quem tenha adoração por jogo, por tudo o que ele promete, e que, por uma sorte grande um dia poderá dar a alguém. Há também aqueles que consideram o vício do jogo uma das maiores desgraças que penetram na vida do homem pela algibeira, arruínam seu caráter e às vezes sua fortuna. O jogo abrange as cartas, os naipes, os dados e a mesa verde.

Em Nova-Cruz (RN), na época da minha infância, havia dois irmãos, que pareciam dois galãs, por nome Tássio e Tarquino. Eram jogadores de cartas compulsivos. Como perdiam tudo quanto tinham no jogo, chegavam a apostar até a roupa que vestiam. Certa vez, Tássio chegou em casa somente de cuecas, Tinha apostado até o paletó e as calças que vestia. A mãe deles, viúva, sofria muito com isso. Essa família mudou-se para o Recife e não foi mais a Nova Cruz.

Pois bem. Um certo vigário de uma pequena paróquia do interior do Estado, que passava por sérias dificuldades financeiras, inteligente e arguto, aproveitando-se das imunidades morais do seu local de trabalho, mandou colocar na sacristia da sua Igreja quatro mesas, em torno das quais reunia todas as noites, alguns cavalheiros respeitáveis, ricos, católicos e moderados, para jogar “poker”, ou pôquer.

Esse fato foi levado ao conhecimento do Arcebispo, que, imediatamente, mandou chamar o Pároco à capital, para pedir-lhe explicações. Sem qualquer arrodeio, o Pároco confessou:

-A Igreja, Sr. Arcebispo, estava estragadíssima, e eu, com o intuito de repará-la, saí com o pálio do Santíssimo, a pedir esmolas para as obras. Bati de porta em porta e não consegui nada. Toda a gente era viciada em jogo e dizia que o dinheiro era pouco para jogar na vaca, no burro e no macaco, e não sobrava dinheiro para o dízimo. Diante disso, como o templo ameaçasse desmoronar, resolvi tirar partido da situação, sem comprometer a autoridade divina. Desviei os jogadores de um clube da cidade para a Sacristia da nossa Igreja, e aí passei a arrecadar o “dízimo de Deus”, destinado à substituição das traves, pintura do templo, e restauração das imagens. Minha ideia serviu para que a Igreja passasse a ser mais frequentada. As Missas agora são lotadas, e os devotos permanecem na Sacristia jogando, até o dia amanhecer.

O Arcebispo cochichou com o Pároco e não se sabe qual a sua resposta.

O certo é que a Paróquia prosperou muito e as Missas continuaram bem frequentadas.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de julho de 2022

A ARMA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A ARMA

Violante Pimentel

Quem se arma para se defender não é o mendigo, mas sim alguém que possui alguma coisa de valor, e quer preservar.

Tal qual a Abelha, que usa o ferrão para se defender, o homem também precisa saber defender a si e à sua família.

Certa vez, uma Mosca se encontrava quieta, pousada em um cortina de uma casa de Homem. De repente, uma Abelha, para encurtar a rota, entrou zumbindo na casa e ficou voando em redor da Mosca.

 

 

Era um pequeno inseto quase redondo, o corpo colorido de um azul brilhante e húmido, e que não tinha por hábito , jamais, passar por aqueles lugares. Ao vê-la deter-se no seu voo, a Mosca deu uma ligeira volta e foi sentar-se à pequena distância.

Mostrando-se descontraída, com modos de quem queria puxar conversa, mas sem dar muita confiança, a Mosca deu bom dia à Abelha e perguntou-lhe se também era uma Mosca.

Com arrogância, o inseto respondeu que era uma Abelha e vivia das flores. Por isso não poderia jamais ser confundida com uma Mosca.

A Mosca, ressentida com a resposta grosseira, respondeu que se a Abelha fosse uma Mosca igual a ela, não seria desonra. Muito pelo contrário, passando de Abelha a Mosca, ela somente lucraria com a transformação, pois sabia que as abelhas trabalham o dia todo, para sustentar as companheiras que ficam em casa, além de andar armada com um ferrão, para enfrentar as brigas. Enquanto ela, não trabalhava e quando acordava, a comida do dia já estava pronta. Não sustentava ninguém, pois na família das Moscas, cada uma cuida de si. Não andam armadas e diante de um ataque, elas fogem. Por isso, não precisava trabalhar.

A Abelha, com desdém, perguntou à Mosca se era vantagem, ao acordar a comida já estar pronta. Sabia que Isso só ocorria porque a comida de que ela se alimentava era podre, pois o almoço da Mosca é no monturo. A Abelha disse à Mosca que ela tinha o que merecia, pois quem não trabalha vive da podridão.

A Mosca respondeu que não trabalhava para ela, nem se sacrificava pelos outros, ao que a Abelha revidou, dizendo não invejar aquela felicidade. Se ela não prestava favores aos outros, também ninguém os faria a ela, e que a Mosca era bem diferente da Abelha e da Formiga, que sempre ajudam quando alguma delas precisa.

Debochada, a Mosca respondeu que aquilo era o progresso e que a sua espécie era companheira do Homem; vivia na casa dele e é com ele que tem aprendido essas regras de sabedoria.

A Abelha, indignada, respondeu que é por isso mesmo que não queria a companhia do Homem. Quando ele muda o cortiço dela para as proximidades da sua casa, ela fica no mesmo local, mas todos os dias vai para o mato, jardins, chácaras, e vida livre. Disse que não era como a Mosca, que se metia nas casas, pousava no nariz das pessoas, comia sobejos, e ficava na cozinha, rodeando os pratos sujos e a lata do lixo. Finalmente, disse que amava a vida independente e as coisas simples da natureza.

Indignada, a Mosca, que se dizia pacifista, perguntou à Abelha, por que razão, então, se ela levava uma vida tão boa e livre, andava armada com um ferrão.

A Abelha achou graça e respondeu que somente quem não tem o que defender, não se arma. E repetiu que a Mosca, certamente, não andava armada, porque não tinha nada para defender, para guardar nem preservar contra os inimigos.

Perguntou se a Mosca tinha casa, filhos, alguma propriedade, e de que se sustentava. A Mosca respondeu que não tinha casa, e filhos, os que ela paria deixava-os no monturo e ia embora; não tinha nenhuma propriedade. Dormia onde a noite a apanhava e vivia do que encontrava pelo caminho. Sustentava-se daquilo que ninguém queria mais.

Pensativa, a Mosca disse para a Abelha, que, se ela levava uma vida tão feliz, não precisava de um ferrão. E se não queria o que os outros tem de bom, nem ninguém queria o que ela tinha, de nada lhe servia um ferrão.

A resposta da Abelha foi que a arma serve para defender quem possui alguma coisa a preservar. Quem nada tem, não precisa de arma ou ferrão. Quem se arma para a defesa, não é o mendigo, mais sim o o que possui alguma coisa de bom.

Dando de ombros para a Mosca, a Abelha disse-lhe: É por isso que eu ando armada.

Esse é o único ponto em que estão de acordo a sabedoria das Abelhas e a sabedoria das Nações.

E, levantando voo, a Abelha, alegre e ligeira, tomou o caminho do seu cortiço.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de julho de 2022

ELAS POR ELAS (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ELAS POR ELAS

Violante Pimentel

 

 

Décadas atrás, Gasparino, um cidadão bonito e falante, funcionário público aposentado, conquistador barato e puxa-saco de políticos, parecia honesto, mas não era.

Astucioso e calculista, para adquirir a confiança das pessoas, fazia questão de devolver pontualmente tudo o que pedisse emprestado a alguém. Por isso, sem dificuldade, encontrava sempre quem lhe emprestasse dinheiro, mediante juros baixíssimos.

 

 

 

Do dia para a noite, Gasparino se apaixonou por Lisiane, a jovem e bela esposa de Osmar, um rico comerciante e um dos maiores “emprestadores de dinheiro” da cidade.

Julgando que a formosa dama ficaria ancha, por lhe despertar tamanha paixão, não hesitou em lhe enviar um bilhete, declarando os seus sentimentos e lhe propondo um encontro.

Depois de refletir sobre a monotonia do seu casamento e a indiferença com que o marido a tratava, a jovem esposa, após muita hesitação, resolveu aceitar os galanteios de Gasparino. Concordou em se encontrar com ele e entregar-se aos seus desejos, sob a condição de que ele guardasse segredo inviolável e de que lhe arranjasse 200 mil cruzeiros, de que ela naquele momento necessitava.

Gasparino ficou decepcionado com essa exigência, uma vez que a jovem senhora era casada com um homem muito rico. Pouco faltou para que a violenta paixão se transformasse em “fogo de palha” e se diluísse no tempo e no espaço.

Como o homem, pela própria natureza, é caçador, Gasparino não desistiu da investida sobre a bonita senhora e resolveu enfrentá-la, procurando um jeito de ludibriá-la, com uma ideia que lhe viera à cabeça. Mandou dizer-lhe que estava disposto a acatar o seu pedido e lamentava não ser mais rico, para oferecer-lhe uma quantia maior. Bastaria que ela lhe indicasse o dia, a hora e o local em que pudessem se encontrar, que ele lá estaria. Antes disso, lhe entregaria a importância solicitada.

Procurou o costumeiro “agiota”, que sempre quebrava seus galhos, pedindo-lhe um empréstimo de 200 mil cruzeiros, com os juros baixos de sempre. Com prazer, o agiota atendeu-lhe o pedido e Gasparino guardou o dinheiro para dar à sua amada.

A “bela dona” o avisou de que o marido iria viajar brevemente, a negócios, e que demoraria alguns dias para retornar. No mesmo dia ela o receberia em casa.

Alguns dias mais tarde, partiu o comerciante para a viagem a negócios, e a mulher logo mandou um recado ao seu novo apaixonado, dizendo que já poderiam se encontrar, e que ele fosse logo lhe entregar o dinheiro.

Logo pela manhã, Gasparino dirigiu-se à residência da amada, para entregar-lhe o dinheiro combinado. Levou consigo um dos seus amigos e na presença dele falou:

– Aqui estão, minha senhora, 200 mil cruzeiros bem contados, que lhe peço entregar ao seu marido, quando ele voltar da viagem.

Ela os recebeu, sem deslumbrar nas palavras de Gasparino qualquer malícia, senão a de querer evitar que o amigo suspeitasse de alguma coisa comprometedora. Jamais o amigo poderia saber que aquele dinheiro fosse o preço exigido pela bela mulher em troca dos seus favores. E assim, ela respondeu que cumpriria aquela incumbência, no mesmo instante da chegada do seu marido. Conferiu o dinheiro e disse baixinho a Gasparino, que ele voltasse ao cair da tarde, pois estaria sozinha.

No final da tarde, então, estava Gasparino adentrando aos aposentos da bela senhora, por ela conduzido. Passaram a noite juntos e ele não se contentou apenas com esse encontro. Soube convencer a amante de compartilhar com ele o leito, outras vezes, enquanto o marido estivesse viajando.

Quando Osmar, o marido cornudo, retornou da viagem, Gasparino aproveitou o momento em que o comerciante estava em casa com a esposa, para ir visitá-lo. Fez isso na companhia do mesmo amigo que testemunhara a entrega do dinheiro à amante. Depois dos cumprimentos, disse-lhe:

– Amigo, os 200 mil cruzeiros que te pedi emprestados antes da tua viagem, de nada me serviram e por isso, no dia em que viajaste, os devolvi à sua esposa. Dona Lisiane os contou na minha frente e deste amigo aqui presente. Por isso, peço-lhe que dê baixa em seus livros.

Virando-se para a mulher, Osmar perguntou se ela recebera esse dinheiro. Como a avarenta se via diante da testemunha ocular da entrega do dinheiro, nada pôde negar e pediu desculpas ao marido, por ainda não lhe haver entregue.

– Fica sossegado – afirmou o comerciante a Gasparino – hoje mesmo, sem tardar, cancelarei o débito em meu livro.

Ouvindo isto, o golpista se retirou muito contente, por ter assim punido a amante de sua avareza, e por ter tão habilmente gozado seus favores por vários dias, sem ter gasto um “vintém.”

É fácil de imaginar a revolta de Lisiane, diante do golpe sofrido pelo picareta Gasparino, coisa que jamais o marido poderia saber.

E morreu aí a carreira de “chifreira” da avarenta Lisiane.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 09 de julho de 2022

O ENX0ORE (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O ENXOFRE

Violante Pimentel

 

De repente, ouviu-se dentro de casa uma voz rouca, chamando: “AFONSO…..”.Imediatamente, o ar foi empestado pelo mau cheiro de enxofre, próprio dos flatos. Em seguida, ouviu-se uma enxurrada de espirros.

Entre eles, não havia ninguém chamado “AFONSO”. Todos se entreolharam, e chegaram a pensar em alma penada.

Mara, visivelmente tensa, disse que a voz e os espirros pareciam ter vindo da rua, pois dentro de casa, além dela, o marido e o casal de amigos, não havia ninguém. Ainda tentou justificar o mau-cheiro de enxofre no ar, dizendo que esse mineral era usado para clarear roupas brancas. E naquele dia, ela havia queimado um pouco de enxofre para vaporizar as roupas brancas estendidas.

Acontece que não era nada disso. A dona da casa, uma mulher jovem e fogosa, tinha um “choro baixo” pelo verdureiro, um rapaz bonito e viçoso, que fazia entregas a domicílio. Nesse dia, o “lanche” com o entregador havia sido demorado, só terminando em virtude da antecipada chegada do dono da casa e o casal de amigos.

O jeito foi empurrar o verdureiro para se esconder no cubículo embaixo da escada, na saleta vizinha.

Tornaram a ouvir a voz cavernosa chamando “AFONSO!” e outros espirros. Aí o bicho pegou. Silvino, que era muito violento, saiu da mesa para caçar o invasor.

Dirigiu-se, exatamente, à saleta, onde estava escondido o verdureiro, no cubículo feito de tábuas, embaixo da escada. Viu, então, ali deitado, um rapaz todo defecado, e emitindo outros sons de “Afonso”, numa descontrolada diarreia.

Ordenou ao “invasor” que saísse dali imediatamente, mas o rapaz continuou deitado, tremendo da cabeça aos pés, sem condições de se levantar. Silvino agarrou-o por uma perna, puxou-o para fora, atingindo-o com um golpe de faca. Mas o amigo Hermes o impediu de consumar o tresloucado ato de matá-lo.

Os gritos de Hermes, para defender o suposto pé de lã das garras de Silvino, atraíram alguns vizinhos, que, vendo o rapaz quase morto, o levaram ao pronto-socorro.

Voltando-se para a esposa, Silvino disse que via agora, por qual motivo ela o havia deixado, juntamente com o casal amigo, tanto tempo esperando para abrir a porta.

Sem respeitar a presença do casal, disse, aos gritos, que esse procedimento da mulher merecia uma “recompensa, que ela jamais esqueceria.

Sob os insultos do marido, Mara saiu da sala, e, sem procurar se justificar, pôs-se em fuga, para lugar incerto e não sabido.

A fama de corno de Silvino se espalhou pela cidade, além de ser processado por tentativa de homicídio, mesmo “em legítima defesa da honra”.

Mara “caiu na vida” para sobreviver, protestando sempre que não seria ela a primeira nem a última mulher a colocar chifres no marido, pois como diz a música do compositor Rossini Pinto, interpretada por Núbia Lafayette (1972), “não é só casa e comida que faz a mulher feliz”.

 

Núbia Lafayette – Casa e Comida

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 02 de julho de 2022

LEI DE TALIÃO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

LEI DE TALIÃO

Violante Pimentel

 

 

Pois bem. Décadas atrás, quando se supunha que houvesse mais pudor e compostura, Lazarine não perdoava a indiferença sexual de Plínio, com quem se casara há um ano. Continuava virgem e ão tinha coragem de revelar aos pais nem a ninguém.

 

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Seu marido era um homem riquíssimo, conhecido como amante dos prazeres, mas suspeito de não gostar dos prazeres oferecidos pelas mulheres.

Para afastar essa fama, resolveu se casar com essa linda jovem, 20 anos, alta, elegante, olhos verdes e ruiva, um tipo físico que atraía qualquer homem.

Infelizmente, para decepção da jovem, seu marido não procurou cumprir a obrigação natural do matrimônio, nem na noite de núpcias. Seus gostos e sua inclinação o afastavam das mulheres. Dormia com a esposa o menos que podia, e assim mesmo como se fossem irmãos.

Era público e notório que seus gostos nada tinham a ver com o sexo feminino. Seu modo de agir decepcionou a jovem esposa, uma mulher normal, na flor da idade e com os hormônios fervendo.

Lazarine percebeu que o marido tinha aversão ao aconchego na cama, e repulsa ao seu corpo. Como era bem dotado e cheio de vigor, as suspeitas de que ele tivesse alguma perversão fora de casa, passaram a incomodá-la.

Sentindo-se rejeitada sexualmente, a primeira ideia que lhe acorreu, foi dar-lhe o troco, com indiferença total e talvez uma traição.

Com o tempo, as indiretas ao marido começaram a fluir da sua boca, com censuras, insultos e injúrias. Não houve jeito dele se tocar e procurar contornar a situação. Sua frieza era gritante e a mulher não suportava mais.

Sentindo-se sozinha e sem ânimo para se separar desse homem tão rico e respeitado, numa época em que a mulher era apenas um objeto de uso pessoal, Lazarine procurou fazer amizade e se aconselhar com uma beata conhecida na cidade, que, na realidade, era uma cafetina.

Estava disposta a se vingar do marido, procurando sentir os prazeres com que sonhava e dos quais ele a privava.

Tinha entrado no casamento com um bom dote e só o aceitou como esposo por pensar que ele fosse um homem normal, que gostasse do que os outros homens gostam e devem gostar. Se ela soubesse que ele tinha aversão ao sexo feminino, jamais com ele teria se casado. Preferia mil vezes ter continuado solteira..

Jamais o perdoaria por tê-la usado, para tapar a boca do povo. Se ela quisesse renunciar aos prazeres do mundo, teria ingressado num convento para ser freira. Mas já que não renunciou, não era justo estar sendo privada desses prazeres, enquanto o marido ficava na rua até altas horas da noite, fazendo só Deus sabia o que.

Ao conversar com a beata e contar o drama por que estava passando, ouviu da experiente mulher que não abrisse mão da sua mocidade, nem renunciasse aos prazeres do seu corpo e da sua vida, pois, quando a frescura de sua pele tiver cedido lugar às rugas da velhice, ela não encontrará mais nenhum homem que a queira. Como diz o antigo ditado: “Às moças, o bom-bocado; às velhas, o rebotalho.”

E a beata disse à jovem que iria lhe arranjar os amantes que ela escolhesse. Era só dizer os nomes, ou os tipos que ela quisesse e deixar o resto por conta dela. O único favor que pediu foi que Lazarine a ajudasse sempre, pois era uma pobre mulher necessitada.

Lazarine disse à beata o tipo e características de um rapaz que sempre passava por seu bairro e pelo qual ela tinha grande simpatia. Mandou que sondasse se ele era aproveitador de mulheres ou se era decente.

A mulher não tardou em levar o rapaz à sua presença. Alguns dias depois, arranjou-lhe o segundo, e mais tarde um terceiro, e ainda outros em seguida, de acordo com a fantasia da jovem dama, que, por instinto de vingança, queria sempre novas emoções para a sua “galeria do amor”. Apesar de tudo, não se cansava de tomar precauções, para evitar que o marido soubesse do seu novo gênero de vida, por maiores que fossem as culpas que ele tivesse para com ela.

Como era dotada de bom apetite, a jovem esposa multiplicava e prolongava tanto quanto podia as visitas dos galãs por ela escolhidos, um de cada vez, a fim de aproveitar o tempo, seguindo o bom conselho da beata alcoviteira.

Um dia em que seu marido fora convidado para cear em casa de um amigo, Lazarine aproveitou a oportunidade para induzir a beata a levar à sua presença um dos mais belos rapazes da cidade, um verdadeiro galã, sendo atendida prontamente. Ronaldo era o nome dele.

Só deu tempo mesmo da dama e o novo amante se sentarem à mesa para cear, Plínio, o marido, bateu à porta, inesperadamente, pedindo aos gritos que a abrissem. Ouvindo aquela voz, a quem não esperava antes de amanhecer o dia, Lazarine julgou-se perdida. Mesmo assim, achou-se no dever de ocultar o rapaz “visitante”, que tampouco imaginava o que seria feito dele.

Sem tempo para raciocinar, sua primeira ideia foi escondê-lo numa espécie de galeria, contígua à sala onde ceavam, e debaixo de um cesto de colocar galinhas, coberto com um saco de estopa. Nesse meio tempo, a criada, que era conivente com a patroa, guardou o que se encontrava sobre a mesa, e correu a abrir a porta ao patrão.

Lazarine, ao ver o marido chegar, mostrou-se surpresa por ele ter voltado tão cedo da casa do amigo. Plínio esclareceu que tinha havido um imprevisto e o jantar fora cancelado.

Não esquecendo do galã escondido debaixo do cesto das galinhas, Lazarine disse ao marido que ele devia ir deitar-se logo. Mas ele queria cear. A mulher mandou que a criada repusesse a mesa e servisse a ceia. Disse ao marido que, na verdade, não costumava se banquetear quando ele não estava.

Na manhã seguinte, os rendeiros de Plínio, logo cedo, lhe trouxeram os produtos de uma de suas fazendas e colocaram os burros, sem lhes dar de beber, numa pequena estribaria, ao lado da galeria onde o rapaz se encontrava escondido no cesto.

Aconteceu que um dos animais, impelido pela sede, libertou-se da corda e saiu da estribaria, farejando aqui e ali à procura de água. Correndo assim de um lado para o outro, passou junto do cesto sob o qual se achava o jovem amoroso, e pisou-lhe os dedos, que estavam um pouco para fora. O pobre diabo, por causa da forma do cesto, viu-se forçado a manter-se curvado sobre o ventre, e pousar as mãos em terra, para sustentar-se melhor. A dor que sentiu o fez soltar um grito de pavor. Plínio ouviu-o, e ficou muito espantado, compreendendo que aquele grito não poderia ter partido senão da sua casa. Saiu da sala, e como o rapaz escondido continuasse a lastimar-se, porque o burro conservava sempre as patas sobre os seus dedos, Plínio gritou, indagando quem ali estava, ao mesmo tempo em que se encaminhava diretamente para o cesto de galinhas.

Levantou-o e encontrou o “pássaro”, que tremia com todos os membros, de medo que o marido irado lhe fizesse passar um mau-bocado. Plínio, que o reconheceu por já lhe ter feito a corte durante longo tempo, mas inutilmente, limitou-se a perguntar-lhe o que viera fazer em sua casa. A única resposta que obteve foi a sua súplica de que não lhe fizesse nenhum mal.

Plínio mandou que o rapaz se levantasse e disse-lhe que nada temesse, mas sob a condição de lhe informar como e por que estava ali.

Enquanto Lazarine sentia-se triste e aflita, temendo que ali ocorresse uma tragédia, seu marido mostrava-se exultante, com a presença do seu “Adonis” em sua casa. Tomou o rapaz pela mão e o levou até ela, que se achava num estado de pavor e sobressalto indescritíveis.

Irônico e irado, Plínio perguntou a Lazarine como justificar aquela situação. Calada e trêmula, a mulher não olhou nos olhos do marido. Ele esbravejou que queria que o diabo levasse todas as mulheres para queimá-las no fogo do inferno, sem exceção, pois eram todas iguais e infiéis.

Ao ver que o marido apenas a estava maltratando com palavras, e calculando que ficaria quites com ele por muito menos do que acreditara, não duvidou de que ele estivesse muito satisfeito por ter em sua casa um rapaz tão bonito.

Esta ideia a reanimou e ela respondeu-lhe, sem parecer perturbada, que o fato dele ter desejado que o diabo levasse todas as mulheres para o inferno não a surpreendia, haja vista que era público e notório que ele detestava o sexo feminino. Porém, graças a Deus não seria assim, pois, afinal de contas, ele podia se queixar da infidelidade dela, mas havia uma gritante diferença entre ela e outras mulheres que se fingiam de santas, e mesmo tendo o amor e o respeito dos maridos, eram descaradamente infiéis. Disse-lhe que, no seu caso, ela não sabia o que era ser amada e desejada pelo marido. Com ele, só tinha conhecido a solidão do leito conjugal e a indiferença. Reconhecia que, em matéria de vestuários e ornamentos, nada lhe faltava. Entretanto, ao invés disso, preferia mil vezes receber dele amor e carinho, coisas que ele não lhe dava. Disse-lhe que é uma mulher normal, e na idade em que se encontrava tinha seus desejos e paixões. Como ele a desprezava, nada a impedia de procurar em outros braços o que ele não lhe dava. Finalmente, disse-lhe que suas escolhas eram seletivas, como o belo rapaz que ali se encontrava, fino e educado.

Plínio, já cansado de tanto “bla-bla-bla”, interrompeu a mulher, dizendo:

– Deixa, mulher, não falemos mais nisso. Hás de ficar contente comigo em relação a esta história. Sabes que sou um bom marido, e assim, nada mais de censuras, de parte a parte. Tudo quanto te peço é uma ceia, pois me parece que este gentil cavalheiro também está com fome. Em seguida, disporei as coisas, de maneira que não tenhas do que reclamar.

A boa dama ordenou, imediatamente, que pusessem de novo a toalha na mesa e servissem as iguarias que ela mandara preparar. E ceou, tranquilamente, com o infame cornudo e o belo mancebo.

O que se passou entre esses três personagens depois da refeição, não é difícil de imaginar. O cornudo, a esposa e o amante se entenderam muito bem.

No dia seguinte, os “novidadeiros” da praça espalharam aos quatro cantos da cidade, cada qual a sua versão. O difícil era dizer quem tinha aproveitado melhor a noite: o marido, a mulher ou o amante.

Diz a voz da sabedoria, que a quem nos prega uma peça, devemos pregar-lhe outra, ou como diz o ditado, “olho por olho, dente por dente.” Se não for possível no mesmo instante, não faltará ocasião.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de junho de 2022

OLHA PRO CÉU (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO)

OLHA PRO CÉU

Violante Pimentel

 

Celebradas no Brasil desde o século XVII, as Festas Juninas ou Joaninas constituem a segunda maior comemoração realizada pelos brasileiros, perdendo apenas para o Carnaval.

Com a chegada dos portugueses ao Brasil, as festas que já existiam na Europa também aqui desembarcaram. Aos poucos, houve uma fusão dos costumes trazidos pelos portugueses com as tradições sertanejas e elementos próprios do interior do nosso País.

Comidas típicas, danças e enfeites, utilizados nas festas juninas, são hoje uma junção de partes da cultura africana, europeia e indígena.

O mês de junho representa a “safra” dos sanfoneiros e dos trios de forró “pé-de-serra” (sanfona, triângulo e zabumba).

Não existe forró eletrizado que supere o forró “pé- de- serra”. Principalmente, para as festas juninas.

Barulho é uma coisa e a boa música é outra.

Sem estourar os ouvidos de ninguém, como, geralmente, faz o forró eletrizado, o forró “pé de serra” faz o povo delirar, principalmente, com o lirismo das músicas do saudoso compositor e cantor brasileiro Luiz Gonzaga do Nascimento (13.12.1912 – 02.08.1989), imortalizado como o Rei do Baião.

Tocando e cantando o verdadeiro forró, com letras cheias de lirismo e encanto, como na música “Olha pro Céu”, o grande compositor Luiz Gonzaga continua vivo, eternizado pelas suas belas músicas, algumas feitas em parceria com Zé Dantas, Humberto Teixeira, João Silva e outros grandes compositores.

As músicas de Luiz Gonzaga são insuperáveis. O lirismo das suas marchinhas e quadrilhas juninas é marcante e encantador.

As quadrilhas tradicionais, com seus trajes matutos, e ao som de músicas próprias para as festas juninas, eram um delírio.

As atuais quadrilhas estilizadas são um fracasso. Irritantes, e com trajes “chocados” de uma só vez. Os trajes são todos iguais, e mais parecem escola de samba.

“Olha Pro Céu” (Luiz Gonzaga – José Fernandes) é um poema lindíssimo e por isso se perpetuou através do tempo.

Assim são as músicas de Luiz Gonzaga, como: Polca Fogueteira, Lascando o Cano, Pagode Russo, Fogueiras de São João, São João na Roça, Fogo sem Fuzil, Quero Chá, Matuto de Opinião, Assum Preto, Asa Branca, Vem Morena, Choromingô, e outras.

Na etimologia popular, a origem da palavra “forró” está associada à expressão da língua inglesa “for all” (para todos). Para essa versão, conta-se que no início do século XX, os engenheiros britânicos, instalados em Pernambuco, para construir a ferrovia Great Western, sempre promoviam bailes abertos ao público, ou seja “para todos”. O termo passou a ser pronunciado “forró” pelos nordestinos.

Outra versão da mesma história substitui os ingleses pelos americanos fixados em Natal, no período da Segunda Guerra Mundial, quando uma base militar foi instalada em Parnamirim (RN). As festas na base aérea eram constantes e os americanos disponibilizavam ônibus para levar as moças da sociedade natalense para os bailes que promoviam. Daí surgiram namoros e muitos casamentos de jovens potiguares com soldados americanos.

Atualmente, o forró é a dança mais popular do Nordeste brasileiro e a que provoca maior animação entre as pessoas jovens. As tradicionais festas juninas só são autênticas, quando abrilhantadas por conjunto de forró pé-de´serra, com sanfona, triângulo e zabumba.

 

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de junho de 2022

O VIRA-LATA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O VIRA-LATA

Violante Pimentel

Dona Lia, minha saudosa Mãe, dizia que o cachorro de olhar mais terno que existe é o vira-lata. Eé também o mais amigo do dono.

 

 

Convém salientar que as ruas nivelam as pessoas. Elas acolhem o bem e o mal, o Céu e o Inferno. As ruas desconhecem a erudição. Aceitam palavras de baixo calão e chulas, que terminam inseridas nos dicionários.

O vira-lata é um cão de rua, sem coleira e sem patrão. Dorme na sarjeta e quando escuta corneta, corre atrás do batalhão ou da banda.

O Escritor Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850 – 1923) conta no seu poema intitulado “O Fiel”, a emocionante história de um cachorro que vivia e sobrevivia nas ruas.

Para sobreviver, garimpava sobejos nas lixeiras dos bares e restaurantes. Era acostumado ao vento e ao frio. Durante as chuvas fortes, abrigava-se nos portais e vestíbulos, mas era sempre enxotado a pedradas e pontapés. Mesmo assim, ele era incapaz de morder alguém. Olhava para as pessoas como quem pedia desculpas por existir.

Certo dia, um pintor boêmio e solitário deparou-se com esse cachorro de rua, de olhar triste, e se identificou com ele. Levou-o para casa e se propôs a cuidar dele, em troca da companhia. Passou a chamá-lo de Fiel.

E falou para si mesmo: Eu sou igual a este cachorro. Sem família e sem amigos. Agora vou ser amigo dele e ele vai ser meu amigo.

Depois de alguns anos passados juntos, dividindo por igual privações e dores, o pintor, por obra do destino, foi contemplado com a glória, que o libertou da miséria. Livres dos aperreios financeiros, ele e Fiel passaram a desfrutar de uma vida tranquila e alimentação farta.

O cão dormia em confortável tapete à borda do leito do pintor. Ao despertar, de manhã cedo, cuidava de acariciar festivamente o seu amo.

Mas o pintor, inebriado com a riqueza, enveredou pelos caminhos da luxúria, das paixões e da esbórnia, circunstância que o afastava cada vez mais do seu leal rafeiro, de quem, aliás, já não tolerava a presença.

A indiferença do pintor entristecia cada vez mais o olhar do cachorro. Os animais sentem quando são rejeitados. E os olhos tristes do animal denotavam que ele entendia perfeitamente o desprezo que o seu dono passara a sentir por ele. Velho e desprezado, o cachorro muitas vezes chegou a ser castigado pelos criados, sem ter feito nada de certo ou errado. Levava pontapés, e foi preterido de acompanhar o dono nos seus passeios pelas ruas. Os pelos começaram a cair e tornou-se rabugento, por falta de trato..

Certo dia, chegando em casa embriagado, tarde da noite, e encontrando o cachorro dormindo no seu quarto, o pintor se voltou contra ele, irado:

– Que fazes aqui, animal lazarento? Hei de pôr fim à tua teimosia agora mesmo!!!

Mas, fingindo calma, continuou:

– Ó meu querido amigo fiel, de tantos anos, tão velho e doente, vamos passear!

E na escuridão da noite, seguiram os dois em direção ao cais. O comportamento do pintor assustou o cachorro, que se recusou a andar, mas foi forçado pelo dono. O cachorro pressentia que alguma coisa funesta o esperava. Repetia-se, no fiel animal, a cena do beijo de Judas em Jesus Nazareno.

Bruscamente, o pintor arremessou o cão às águas profundas e geladas, mas junto se foi o gorro de memoráveis lembranças, do qual ele tanto se orgulhava.

De volta à casa, o pintor exclamava indignado:

“Por causa desse cão lazarento, perdi o meu gorro de estimação, que me trazia tão boas recordações! Eu devia tê-lo envenenado!!!, Pagarei uma grande recompensa a quem conseguir encontrar meu gorro!!!

Deitou-se, mas, não conseguiu dormir, contrariado por ter perdido o gorro. Ao amanhecer o dia, sentiu bater a porta; ergueu-se e foi abrir. Recuou, cheio de espanto e horror. Era o amigo fiel, a quem ele traíra miseravelmente.. Era o cão que voltava arquejante, encharcado, a tremer e a uivar no último estertor. E o cão tombou fulminante, deixando cair da boca o gorro do diabólico pintor.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 28 de maio de 2022

NOITE SEM ESTRELAS (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

NOITE SEM ESTRELAS

Violante Pimentel

 

 

Entre eles, havia um sexagenário cego, Genaro, que não conseguia ver nem ser visto, por ser do tipo de gente que a gente não vê, “porque é quase nada”. Sua dolorosa e indesejável deficiência visual o tornava um “eu sozinho”. As pessoas pobres de espírito se afastavam dele, como se cegueira pegasse.

 

 

A bem da verdade, a deficiência visual do cego o tornava totalmente incapaz para o trabalho na lavoura. Por isso, sua inclusão entre os retirantes era inadmissível.

De um modo geral, os retirantes não gozavam de tratamento digno por parte dos funcionários em serviço. Eram vistos por eles como carga indesejável e mal cheirosa, que lotava o navio.

Não eram considerados passageiros, mas apenas fardos de couro fresco, com carne magra por dentro, provocada pela fome, e pela triste carga do trabalho sob o sol causticante do Nordeste brasileiro, irmão da “bucha do canhão”.

Ao ser notada a sua deficiência visual, o cego Genaro foi interpelado pelo funcionário responsável pelo setor de imigração e explicou sua presença entre os retirantes como um grande equívoco de despacho. Seu destino seria o “Asilo dos Inválidos da Pátria”, no Rio, mas pregaram nas suas costas a papeleta do “Para a agricultura”, e ele foi “jogado” entre os retirantes destinados ao trabalho na lavoura do café. Como não tinha olhos para se guiar nem olhos alheios que o guiassem, estava vivendo o triste destino dos desvalidos e invisíveis.

– Por que para o Asilo dos Inválidos da Pátria, no Rio? Perguntou-lhe o funcionário. É voluntário da Pátria?

– Sim, respondeu o cego. Fiz cinco anos de campanha no Paraguai e lá apanhei a doença que me pôs a noite nos olhos. Depois que ceguei, caí no desamparo. Um cego não serve para nada.

E a amargura extrapolou do peito do cego, numa chuva de lágrimas.

E reclamou suspirando, falando consigo mesmo e revirando os olhos esbranquiçados:

– Se o meu capitão soubesse da minha situação, viria ao meu socorro…Eu o perdi de vista, mas não o perdi da memória. Não tenho a menor chance de me comunicar com ele. Se o encontrasse, tenho certeza de que até meus olhos voltariam a enxergar…

– Não tem família?- perguntou o funcionário.

– Tenho uma menina, que não conheço.. Quando ela veio ao mundo, nos meus olhos já havia trevas. Daria o que me resta de vida para vê-la, ao menos um instante.

E o cego continuou mergulhado na tristeza infinita da sua noite sem estrelas.

A conversa impressionou o funcionário, que a levou ao conhecimento do Major, Diretor da Imigração.

Ao tomar conhecimento de que o cego Genaro participara da campanha do Paraguai, como soldado de 70, o Diretor interessou-se pelo caso e foi pessoalmente procurá-lo.

– Então, meu velho, é verdade que participaste da campanha do Paraguai?

O cego ergueu a cabeça, tocado pela voz amável.

– Verdade, sim, meu patrão . Vim no 13 e logo depois de chegar ao Império do Lopez (Francisco Solano Lopez) entrei em fogo. Tivemos má sorte. Na batalha de Tuiuti, nosso batalhão foi dizimado como um milharal em tempo de chuva de pedra. Salvamo-nos eu e uma porção de camaradas. Fomos, então, incorporados ao 33 paulista, a fim de preencher os claros, e nele fiz o resto da campanha.

O Major, Diretor da Imigração, também era veterano da guerra do Paraguai, e por coincidência servira no 33. Por isso, interessou-se, pela história do cego, passando a interrogá-lo com veemência:

– Quem era o teu capitão?

– Um homem que, se eu o encontrasse, minha vida tomaria outro rumo e ele faria tudo para que eu recuperasse a visão… Um verdadeiro santo… .

– Como se chamava?

– Capitão Bocaiuva de Sales.

O major, ao ouvir esse nome, sentiu suas carnes trêmulas e um arrepio imenso. Respirou fundo e continuou:

– Conheci seu capitão. Foi meu companheiro de Regimento. Era um homem péssimo e grosseiro para com os soldados.

O cego, até ali vergado em atitude humilde de mendigo, ergueu o busto corajosamente e, com a voz trêmula de indignação, protestou:

– Pare aí! Não blasfeme! Não ofenda um homem santo como o meu capitão. Ele era um pai para os soldados! Perto de mim, ninguém o injuria!!! Convivi com ele durante anos, como sua ordenança e nunca o vi praticar o menor ato de maldade contra ninguém!

O tom firme do cego comoveu o Major. e ele percebeu que nem a miséria conseguira apagar do peito do velho soldado as fibras heroicas da lealdade.

O major se conteve por um momento, mas logo prosseguiu na provocação, para ver até onde iria a lealdade do cego ao seu idolatrado capitão:

– Capitão Bocaiuva de Sales era um covarde!!!…

Num assomo de ira e indignação, as feições do cego Genaro se transformaram. Seus olhos anuviados pela catarata revolveram-se nas órbitas, num terrível esforço para ver a cara do infame detrator. Sua vontade era atacá-lo, como fazem as feras. Mas, por não ser ninguém, procurou se conter.

Pela primeira vez na vida, Genaro sentiu a infinita fragilidade dos cegos. E caiu em si, com a alma esmagada. Sua cólera transformou-se em dor e a dor fez correr dos seus olhos um rio de lágrimas. E chorando, murmurou com a voz embargada:

– Não se insulta assim um cego…

Mal pronunciara estas palavras, sentiu-se apertado nos braços do major, também em lágrimas, que dizia:

– Abraça, amigo, o teu velho capitão! Sou eu o antigo Bocaiuva!

Confuso e desorientado diante do rumo tomado pela conversa, e receoso de uma insídia, o cego vacilou, sem acreditar no que estava ouvindo.

– Dúvidas?!!! – exclamou o Major – Dúvidas de quem te salvou a nado na passagem de Tebiquari?

Ao ouvir aquelas palavras mágicas, os receios do cego Genaro se dissiparam como fumaça. Livre de dúvidas e chorando como uma criança, abraçou-se aos joelhos do Major Bocaiuva de Sales, exclamando, como se estivesse sonhando:

– Achei meu capitão! Achei meu Pai! Minhas desgraças se acabaram!!!…

E realmente, a roda viva do cotidiano carregou a tristeza do cego Genaro pra lá, Sua vida mudou da água para o vinho.

Internado num Hospital às expensas do Major Bocaiuva, seu antigo Capitão, foi submetido à cirurgia de catarata e recuperou 100% a capacidade visual.

Foi à janela e sorriu para a luz que inundava a natureza. Sorriu para as árvores, o céu, os pássaros e as flores!

Sentia-se ressuscitado, pois, antes, estava morto em vida.

Não cansava de repetir:

– Eu não dizia, que se reencontrasse o meu capitão, até a luz dos meus olhos eu teria de volta? Foi Deus quem me reaproximou do capitão!!!

E Genaro, recuperado da cegueira, voltou para o Ceará, nadando de felicidade e repetindo frases do cearense José de Alencar, um dos maiores escritores brasileiros ((1829-1877):

“Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros.”


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