Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do DIB quinta, 01 de outubro de 2020

VIDA COTIDIANA EM TEMPOS DE PANDEMIA

 

VIDA COTIDIANA EM TEMPOS DE PANDEMIA

A. C. Dib

 

 

 

 

                   Seguramente ninguém escapará da presença do covid-19 no organismo, seja o contágio inter pares, seja mediante vacinação. Em meio à globalização, para fugir ao vírus com eficiência, só mesmo morando na lua ou em marte. E olhe lá! Ninguém discute que o isolamento social preconizado pela ciência não constitui proteção absoluta contra o contágio. Deveras, a função do isolamento social não é a de promover proteção cabal, rigorosa e definitiva contra o contágio, mas o imprescindível papel de retardar ao máximo o processo de contaminação da população, evitando sobrecarga nos hospitais, certo de que o sistema de saúde ― pública e privada ― tem limites, não comportaria contágio maciço e massivo, explodiria, não suportaria a colossal demanda. A feliz estratégia de isolamento social confere, assim, alívio ao sistema de saúde, facilita o atendimento aos infectados e “suaviza” ― se isso é possível ― o número de vítimas fatais. De crucial importância, portanto, manter o isolamento nesse difícil momento pelo qual o mundo transita.

                   Ocorre que o isolamento social provoca, em muitos que o aplicam, efeitos colaterais sérios, preocupantes: melancolia e depressão, impaciência, tédio, tensão, conflitos familiares, desespero (em casos extremos), confusão, desejo compulsivo de quebrá-lo e outros mais.

                   Deixo aqui, pois, um pouco de minha própria experiência, na expectativa de poder trazer aos demais um pouco de conforto e amparo, nesse momento bizarro, surreal e estranho da vida humana.

                   Acreditamos, então, que a preservação das rotinas e das atividades diárias são práticas vitais nesse momento sui generis. Reza a máxima popular que “em mente desocupada o diabo faz morada”. Confira lógica e sentido a seu dia-a-dia, portanto. Não se perca no marasmo, na ociosidade, na inação. Mantenha intactas as rotinas, limpe a morada, regue suas plantas, cuide do cachorro (bom demais um amiguinho na vida da gente, em especial nestes tempos anormais ― meu Flick partiu faz alguns dias), esquente diariamente o motor do carro, exercite a teleaula e o teletrabalho (benção valiosa nos idos correntes), fale com os parentes e os amigos ― virtualmente, of course ―, cheque a correspondência, faça compras on line, enfim, mexa-se como puder. Em minha casa partilhamos tarefas. Mãe, pai e filhas, todos cumprem atribuições, na medida de suas capacidades e talentos. Necessário incutir nas crianças e jovens um pouco de responsabilidade pela “vida da casa”, incutir amor ao trabalho. Pais jovens ― marinheiros de primeira viagem ― devem entender que o labor bem dosado é prática saudável, forma bons seres humanos, aperfeiçoa o caráter e ensina para a vida, não mata e nem traumatiza ninguém. E importante que os pais deem o devido exemplo de serviço e de laboriosidade, a fim de que o discurso não reste vazio, hipócrita.

                   Cultive seus hobbies. Se o seu passatempo predileto não comporta o ambiente doméstico, busque adaptá-lo ou, talvez, eleja outro divertimento compatível com a situação. E aí vale tudo: televisão (veja seus filmes prediletos, esportes, noticiário, telenovelas e maratone ― com o perdão do “neo-neologismo” ― suas séries), navegue nas redes sociais, devore bons livros (bom momento pra botar as leituras em dia), informe-se (jornais, revistas etc.), leia gibis, baralho, jogos de mesa ou de tabuleiro (para os conservadores), jogos eletrônicos, reuniões virtuais com amigos e por aí vai. Com um pouco de imaginação, diversão existe.

                   Para os que têm fé, orar é sempre reconfortante. Na frenética existência da vida moderna, Deus termina relegado a segundo plano. Eis aqui um bom momento para firmar intimidade com Ele. Cultive a espiritualidade. Em minha militância religiosa, não deixo de assistir, com Wanisa e filhas, às missas dominicais de minha paróquia ― transmitidas “ao vivo” ― pelo YouTube. Missas televisivas, “virtuais”, não valem como missa propriamente dita, mas sim como relevante oração. De toda sorte, a ameaça de contaminação por coronavírus exime os fiéis da falta decorrente da inobservância do mandamento de guardar domingos e festas. Nessa toada, passei a cultivar (obrigação outrora relegada) o hábito da oração diária do terço, meditando sobre cada um dos mistérios e observando a ordem diária (mistérios gozosos, dolorosos, gloriosos e da luz). Faço como minha saudosa vozinha Ivone: reservo o horário da Ave-Maria (dezoito horas) para a oração do terço.

                   Impedidos de frequentar academias de ginástica, importa que nos adaptemos. Vale, aí, um pouco de imaginação, engenhosidade, boa vontade. Faltam aparelhos de ginástica? Falta espaço físico em seu lar? Improvise. Existem excelentes exercícios de solo, exercícios de força e de flexibilidade que não exigem grandes espaços. E tome imaginação, com sacos de feijão e arroz (esse valiosíssimo hoje) substituindo halteres; e tome cabos de vassoura, flexões de solo, abdominais na cama, aeróbica adaptada etc... Em meu caso, tenho seguido, com Wanisa, às aulas de ginástica de nossos professores e mestres, gravadas no YouTube. Tenho considerado, igualmente, a ideia de instalar uma barra de ferro num vão muito bom (de 1,66 metros) em minha casa, pra mandar ver nas barras.

                   Não ignore a balança. Policie sua alimentação. O isolamento nos leva a buscar alívio em doces e guloseimas. Cuidado! A sugestão de preservar a rotina vale também ― E MUITO ― para a rotina alimentar. Nada como uma boa comidinha caseira. Exercite seus talentos culinários, suas habilidades gourmet. Cozinhar em família pode ser bom passatempo, alivia o estresse, une as pessoas. E me parece que os nutricionistas estão adotando atendimento on line.

                   Façamos circular o dinheiro. Prestigie seus velhos e tradicionais pontos de comércio. Frequente ― com os cuidados de estilo ― o mercado e a farmácia de seu bairro. Se possível, procure contribuir ajudando os profissionais liberais a quem você antes recorria: o lavador de carro, o engraxate, o vendedor ambulante, a diarista, o personal trainer, dentre outros (ainda que não use os serviços, considere a possibilidade de uma mesadinha para essas pessoas, lembrando que a união faz a força). Dispensou seu empregado doméstico? Se possível, preserve sua remuneração, ou parte dela. Firme contrato de trabalho doméstico sobre novas bases, adaptando-o à nova realidade, mas não deixe o fiel profissional desempregado.

                   Exercite seu otimismo e o bom humor. Veja o lado bom das coisas. O corre-corre da vida moderna desune, afasta as pessoas (ainda que morem juntas). O isolamento social permite estreitar laços familiares, firmar intimidade e conhecimento. Práticas pouco observadas voltam à tona: bate papo direto com os de seu núcleo familiar, refeições em família e convívio diário e próximo com aqueles a quem amamos. Outra oportunidade mui rica, preciosa: conhecer-te a ti mesmo, usufruir da própria companhia, exercitar o autodiálogo, fazer planos, traçar estratégias, construir castelos, meditar, refletir, contemplar (coisas que estamos perdendo nos dias de hoje). Igualmente, boa oportunidade para o exercício das virtudes da paciência, do saber ouvir, do bom conselho, da tolerância, da boa educação e da civilidade doméstica. Se a coisa dói, conforte-se pensando na vida do homem renascentista, acossado pela peste bubônica ― a famigerada peste negra. Console-se tendo em conta a situação de nossos bisavôs, às voltas com a apocalíptica gripe espanhola. Nos dias que correm as vantagens são muitas, não apenas os avanços médicos ― que permitem amenizar os efeitos mortais da moléstia ―, mas os avanços tecnológicos ― redes sociais, trabalho on line, escolas e cursos à distância, consultas médicas virtuais e outras regalias de segurança e conforto não permitidas a nossos heroicos ancestrais. Em derradeiro caso, vale ressaltar que psicólogos estão atendendo à distância. Certas perturbações só os profissionais da saúde mental ― psicólogos e psiquiatras ― podem enfrentar com alguma expectativa de sucesso.

                   Tempos estranhos estes. Nunca pensei viver para ver coisa igual. Há dias em que desperto acreditando que tudo não passa de um grande filme de ficção científica. Minha geração não enfrentou guerras e cataclismos. Pegamos um mundo já bem encaminhado. Nasci em meio a uma ditadura militar, mas a inocência da infância não me permitiu efetivamente vivenciá-la. Tudo era doce e cor de rosa em nosso existir. Mas assim é a vida. A coisa vem para nos tirar de nosso comodismo, para nos ensinar, para nosso crescimento e aprimoramento. A mãe natureza, vez por outra, abranda nosso orgulho, nossa soberba, nosso sonho de grandeza, a crença nietzschiana no super-homem. Quebrando nossa arrogância, ensina que pouco somos, pouco valemos, que a vida é frágil, fugaz, imprevisível. Somos pó, eis a verdade, poeira cósmica, filhos das estrelas. Ilusão acreditar que dominamos a natureza, controlamos a vida. Vide o caso dos vitoriosos dinossauros, fulminados por um furtivo meteoro. Não haveria para nós um meteoro mal-intencionado, rodopiando por aí, universo afora? Quem garante que não? E a vida ― seja ela a pessoal, do indivíduo ou a vida da humanidade ― é feita de ciclos. Finda a pandemia, viveremos um novo ciclo humano, a tão falada “vida pós-pandemia” ― vale esperar. Por hora, merece lembrança Guimarães Rosa, que, pela boca de seu Riobaldo, assim vaticinou: “Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”.


terça, 01 de dezembro de 2020 as 07:15:44

Teresa Cristina da Silva Neto
disse:

Pois acabo de ler um excelente texto sobre o cotidiano burguês em tempos de pandemia . Inteligente , sábio e dono de preciosas orientações para viver a clausura imposta . Tão visivelmente sereno, organizado mas sempre possível contornar e conviver , que quase cheguei a me contagiar pela alegria e esperança . ” Gaudium et Spes”! Uma didática perfeita , afinal, são múltiplas as opções . Paciência e muita Fé transmitem as tão bem elaboradas avaliações e reflexões . Imagine um atendimento médico “ maciço e massivo “ em um país de muitos brasis?! Fique em casa! Terminada a saborosa leitura, senti que poderia fruir desta disciplina estóica e até me distrair do “ ferro do suplício “ cujo qual acompanho em outras moradas. Tratava-se , como apreciei! , apenas de um proceder nas regras da obediência ao desconhecido e no qual se fez lei , por medo e dúvida. Meu entusiasmo durou pouco . Músicas, danças , interações familiares felizes, passatempos, brincadeiras, arrumações , lembrar dos menos favorecidos, mergulhar no admirável universo da espera confiante. Criar um novo “hobby” ou ler mais um pouco. Como me senti feliz. Estava com Cândido , o Otimista , até que acordei do sonho de Alice . Logo me recuperei e me transportei para o outro lado do muro onde o desemprego, a fome, o suicídio, o pânico , a depressão , o infarto , as perdas , as demissões e a necessidade são as constantes visitas .Nas portas da elite se teme apenas a peste chinesa. A vida segue seu rumo . Ou não ? A tristeza do afastamento dói profundo. Essas casas de livros, jogos de cartas , xadrez ou gamão , exercícios físicos pelo YouTube, a reza do terço e o contemplar de cada mistério , quase me parecem umas longas férias dentro de nossos lares ,ao lado dos familiares, em harmonia e divertimento . E não é isso. Reconheço o mérito letrado e competente do autor da coluna , de um saber irretocável , de domínio das letras , da literatura , das leis e do bem viver . Soube imprimir uma realidade mais amena.Adentrou até nas veredas do sertão e encontrou Riobaldo a questionar a vida . Ainda que não se precise sair de casa , o medo e a monotonia da rotina rondam também a elite. Nisso o empobrecido leva vantagem . Não tem tempo para pensar no vírus chinês , mas se tem dinheiro para “o de comer”, pois o remédio vai buscar no Posto de Saúde , se houver ! Parabéns por elaborar tão bem a utopia! É dono de uma linguagem culta sem esnobismo . Uma sabedoria que o ajuda até a acreditar que assim os fatos se dão . Parabéns por acreditar que esta crença em si mesmo pode fazer as coisas acontecerem . Minha admiração , prezado Antônio Carlos Dib! Magic is believing in yourself, if you can do that, you can make anything happen. Von Goethe .


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