Durante a Segunda Guerra Mundial (1942 a 1945), Natal abrigou tropas norte-americanas. Para esse apoio, na capital potiguar foi instalada uma base militar dos Estados Unidos.
A escolha de Natal se deu em decorrência da sua posição geográfica privilegiada, facilitando deslocamentos para os continentes africano e europeu.
No auge da II Guerra, Parnamirim era o aeroporto mais congestionado do Brasil, com inúmeros pousos e decolagens diárias.
Criado para proteger o continente americano das investidas do Eixo – composto pela Alemanha, Itália e Japão -, o Parnamirim Field era, na década de 1940, a maior base aérea estadunidense em território estrangeiro. Ao fim da guerra, o fato rendeu à capital potiguar o apelido de “Trampolim da Vitória”.
Antes do conflito armado internacional, Natal tinha 55 mil habitantes e era uma cidade tranquila. Com a instalação da base norte-americana, houve um aumento populacional de mais de 10 mil novos habitantes.
A presença de soldados americanos modificou a vida social da cidade. Surgiram namoros, noivados e até casamentos de moças de famílias natalenses com os americanos. As jovens se libertaram do controle paterno, que até então ia muito além da maioridade. Aumentou o consumo de álcool e cigarro. Natal conheceu produtos como a Coca-cola e o Chiclete. As moças passaram a fumar e a beber, principalmente, “Cuba Libre”, bebida feita à base de rum, refrigerante coca-cola e limão.
Atribui-se a invenção dessa bebida aos soldados norte-americanos, que ajudaram nas guerras da independência cubana, em 1898. Seria a explicação do seu nome.
Também aumentou, em Natal, a prostituição.
O dólar tornou-se quase a moeda-corrente da capital. A economia cresceu bastante.
Logo que chegaram os primeiros norte-americanos a Natal, o Consulado criou os “Clubes 50”, visando a integração das tropas militares com as famílias norte-rio-grandenses. Surgiram associações recreativas, e tanto o Aero Clube como o Clube Hípico, alternadamente, foram alugados para a realização de bailes. Dizem os historiadores que, nesses bailes, a disputa de pares para dançar era na proporção de 200 americanos para 30 ou 40 moças. Entrava um par no salão e logo vinha um colega, batia nas costas do outro e tomava a “dama”, sem problemas. Esse gesto era chamado de “tag”, uma invenção americana, para que todos tivessem par para dançar.
Houve uma invasão de novos ritmos musicais, como o “jazz”, “conga”, “rumba” e outros.
Também havia bailes na Base Aérea de Parnamirim. No sábado, os bailes eram somente para os americanos. Mas no domingo, eram para todos (For Hall).
Há quem diga que vem daí a palavra “forró”, o famoso ritmo nordestino. Mas, segundo o historiador Luis da Câmara Cascudo, a palavra “forró” é derivada do termo africano “forrobodó”, festa transformada em gênero musical.
Os americanos disponibilizavam ônibus para levar e trazer as moças natalenses, para participar dos bailes. Entretanto, exigiam que estivessem sempre acompanhadas por um rapaz parente ou amigo, ou então por uma “chaperone” (acompanhante). A “chaperone” podia ser a mãe ou uma mulher mais velha. Depois, essa exigência foi abrandada, podendo as moças se fazerem acompanhar de irmãs.
A invasão da cidade por americanos despertou a ira dos rapazes natalenses, pois todas as moças só queriam namorar ou dançar com os gringos. Rejeitados, os rapazes da terra se uniram para se vingar do sexo feminino, passando a chamar os ônibus da Base Aérea, que levavam e traziam as moças que participavam dos bailes, pejorativamente, de “Marmita”. Vaiavam os ônibus, e diziam que eles estavam levando “comida” para os soldados americanos.
Esses ônibus saíam da Praça Augusto Severo, na Ribeira. Era lá que os rapazes se concentravam para fazer algazarra.
Minha saudosa tia Carmen Pimentel, sua irmã Gilka e diversas amigas, eram jovens nessa época, e participaram ativamente dos bailes oferecidos pelos americanos. Falavam Inglês fluentemente e eram muito disputadas.
Carmen e Gilka levavam como “chaperone” Dona Francisquinha, a 2ª esposa do Professor Celestino Pimentel, madrasta de Carmen e mãe de Gilka. Aliás, a mulher fazia questão de acompanhá-las, para que não ficassem faladas.
A filha Gilka, quando tinha um namorado, ficava na sala, à noite, sozinha com ele, até que o relógio da catedral tocasse nove badaladas. A partir de então, a mãe se sentava na sala, esperando que o namorado da filha se despedisse. Na cabeça de Dona Francisquinha, antes das nove horas da noite, não poderia acontecer nenhum agarrado.Mas depois das nove da noite, para ela, o cenário mudava.
Já beirando os 60 anos, Dona Francisquinha tinha o maior zelo pela virgindade da filha e da enteada, e fazia questão de acompanhá-las nos “ônibus/marmita”.
Pois bem. Numa dessas festas da Base Aérea, quando Dona Francisquinha servia de “chaperone” da filha, enteada e algumas amigas, mesmo cansada de um exaustivo dia de trabalho doméstico, foi dominada pelo sono. Para ver se despertava, foi ao toalete. A sua ausência foi notada com naturalidade pelas moças. Entretanto, depois da festa terminar, com os dois ônibus lotados de jovens para o retorno a Natal, Gilka, que ia em um ônibus com amigas, sentiu falta da mãe. Então, desceu do ônibus e foi ao outro onde estava Carmen com outras amigas e perguntou?
– Carmen, mamãe está aí com você?
A irmã respondeu:
– Não, Gilka! Francisquinha não está aqui!!!
Gilka pediu ao motorista para esperar um pouco, enquanto iria ao toalete, ver se a mãe estava lá.
Não deu outra. Dona Francisquinha estava dormindo profundamente, num sofá que havia no toalete. Se Gilka, sua filha, não tivesse sentido sua falta, a mulher teria amanhecido o dia dormindo no toalete, do salão de festa da Base Aérea.
O sono é uma coisa incontrolável!!!
Carmen Pimentel e as amigas, na idade madura e na velhice, quando conversavam, relembravam o tempo da Guerra, com saudade. Todas eram unânimes em dizer:
– A Guerra foi formidável!!
Gilka, depois da Guerra, foi para os Estados Unidos, trabalhar no Consulado Brasileiro. Casou-se com um americano, teve um casal de filhos, e lá viveu até o fim dos seus dias.