Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do DIB sábado, 27 de junho de 2020

O SISTEMA PARLAMENTARISTA DE GOVERNO - SISTEMA ELEITORAL DISTRITAL, FIDELIDADE PARTIDÁRIA E RECALL

 

O SISTEMA PARLAMENTARISTA DE GOVERNO

SISTEMA ELEITORAL DISTRITAL, FIDELIDADE PARTIDÁRIA E RECALL

A. C. Dib

 

Conferindo arrimo, vigor e plenas condições de funcionalidade ao sistema parlamentarista de governo, três institutos jurídico/políticos se revelam imprescindíveis a seu bom e adequado funcionamento: o sistema eleitoral distrital, a fidelidade partidária (com o consequente fortalecimento dos partidos políticos) e o recall. Mesmo no presidencialismo, a adoção de tais institutos democráticos revigora sua estabilidade e o aperfeiçoa.

 

No parlamentarismo o eleitor não elege o governo votando em um indivíduo, um caudilho, em um cacique político populista, como costuma acontecer no presidencialismo, notadamente na América Latina. No parlamentarismo o eleitor não vota em um “nome” ou em uma pessoa para governar ― no presidencialismo o governo é o presidente da república ―, mas vota em um partido, ou exatamente, vota no programa ou plano de governo que aquele partido apresenta e defende. No parlamentarismo o eleitor escolhe seu governo, o gabinete, votando no deputado do partido de sua preferência. Formando maioria na Câmara dos Deputados, aquele partido governará, escolherá o primeiro-ministro (que, por sua vez, constitui seu gabinete ou ministério). O processo de eleição do governo é tão democrático quanto o do presidencialismo, talvez até mais, eis que mais aprimorado o sistema. O eleitor elege seu governo, elegendo a maioria parlamentar (que formará o governo).

 

Em regra, no sistema parlamentarista de governo os partidos políticos possuem colorido político/ideológico claro, definido, inequívoco, conhecido de todo o eleitorado. Também o projeto político que cada partido tem para o país é acessível a todo o povo, dada a publicidade que se dá ao plano de governo de cada partido. Ao votar no candidato a deputado do partido X ou naquele do partido Y o eleitor sabe, exatamente, o que está elegendo. As bandeiras partidárias são notórias e visíveis e os deputados defendem com rigorosa fidelidade todas essas bandeiras agitadas por seu partido, contidas no programa de governo do partido. Tomando como exemplo ― clássico ― o da velha Inglaterra, o eleitor inglês, ao votar no deputado do partido conservador ou no deputado do partido trabalhista, sabe com exatidão qual política está escolhendo para as áreas de economia, de educação, de saúde, de ciência e tecnologia, de meio-ambiente, enfim, conhece bem a política partidária preconizada para cada uma dessas áreas governamentais. Os partidos, legalmente fiéis à sua linha político/ideológica e a seu programa de governo, não surpreendem e nem traem o eleitor, com espertezas e com manobras políticas eleitoreiras que violem suas diretrizes básicas. Estão os partidos, no parlamentarismo, umbilicalmente vinculados a seu programa de governo e seus representantes, os deputados, umbilicalmente devotados a seus partidos.

 

No presidencialismo, portanto, é personalista ou subjetiva a escolha do eleitor, que elege o governo votando em determinado candidato a presidente ― tendo sempre em conta que no presidencialismo o governo é o presidente da república. No parlamentarismo, ao contrário, a escolha não é subjetiva ou personalística: pouco importa quem seja o primeiro-ministro, eis que o programa de governo de seu partido será rigorosamente observado e aplicado. Claro que no moderno sistema parlamentarista monista o líder partidário ganha sensível visibilidade e será fatalmente o primeiro-ministro na hipótese de vitória de seu partido com a conquista da maioria das cadeiras na câmara dos deputados. Voltando ao exemplo inglês, foi a força, o brilho e o carisma de Margaret Thatcher que levaram o partido conservador a governar por longos e longos anos ― Thatcher simbolizava, como ninguém, todos os ideais do conservadorismo e de sua renovação. Assim, no parlamentarismo monista, os partidos contam com líderes fortes, populares, influentes na sociedade, que bem retratam e defendem todos os ideais e bandeiras partidários. E a própria oposição ― a minoria parlamentar ― tem sempre pronto e à mão o seu plano de governo, sempre preparada para assumir o poder, nas hipóteses de queda do gabinete, dissolução parlamentar ou novas eleições. Voltando ao exemplo inglês, o eleitor, no curso da Segunda Guerra Mundial, deu maioria aos conservadores, confiando o comando da guerra ao Primeiro-ministro Churchill; mas, vitoriosa a Inglaterra, preferiu que a paz fosse celebrada pelo trabalhista Clemente Attlee, dando maioria no Parlamento aos trabalhistas.

 

A Constituição brasileira de 1988, a mais democrática Carta de todas as que já tivemos, lamentavelmente, pecou ao eleger o sistema eleitoral proporcional que, salvo melhor juízo, restou fixado na Carta pela ação preponderante de um dos constituintes, o Senador Jarbas Passarinho. Como resultado da malfadada opção, tem-se quase que uma ingovernabilidade, frente ao elevadíssimo número de partidos políticos que ganham vida pelo referido sistema eleitoral proporcional. Partidos sem fim, a configurar sopa de letras de siglas inesgotáveis. Chega-se quase à situação espantosa de se ter mais partidos políticos que eleitores. Partidos, em geral, com pouquíssima representatividade, sem colorido ideológico claro, com programa de governo impreciso, ambíguo e vago, meros veículos eleitoreiros e fisiologistas de velhos caciques e clãs da política brasileira. Se já é difícil governar com poucos, tarefa hercúlea é a de governar com duzentos partidos, o que impõe ao governante malabarismos, acrobacias e um emaranhado de acordos canhestros e cavilosos, para formar a indispensável “base de apoio” ou “base aliada”. Em sentido contrário, tem o sistema eleitoral distrital, primeiramente, o asséptico efeito de reduzir o número de partidos aos poucos que, verdadeiramente, possuem peso, voz e representatividade, promovendo, então, a indispensável estabilidade para governar. Ademais, acaba com o complexo cálculo do quociente eleitoral ― termina eleito o candidato mais votado em seu distrito ― e aproxima eleitor e eleito, de forma que o eleitor passa a identificar nitidamente aquele representante em quem votou, podendo vigiar sua atuação, além de acessá-lo e pressioná-lo com maior eficácia, eis que o município se divide em distritos e o eleitor vota nos candidatos a deputados e vereador de seu distrito. E os representantes, deputados e vereadores, têm maior conhecimento e controle das demandas e problemas presentes em seu distrito eleitoral. O sistema eleitoral distrital, portanto, além de conferir maior estabilidade política ao regime, aproxima eleitor de eleito. Mesmo no presidencialismo (principalmente nele, talvez) o sistema distrital se revela superior ao sistema proporcional. Paradigmas da democracia, tanto os Estados Unidos ― presidencialista ― quanto a Inglaterra ― que é monarquia parlamentarista ― adotam o sistema eleitoral distrital: nos Estados Unidos os democratas (liberais e mais à esquerda) se revezam no poder com os republicanos (conservadores), enquanto que na Inglaterra conservadores, trabalhistas (socialistas) e liberais disputam a simpatia do eleitorado.

 

Corroborando o modelo eleitoral distrital, seria devido fortalecer o princípio da fidelidade partidária. Deveras, o modelo eleitoral proporcional faculta a criação de legendas de aluguel, partidos sem representatividade e sem nenhum colorido ideológico, meros veículos eleitorais de políticos mal intencionados e de caciques ladinos. Terminam, a seguir, depois de eleitos, “trocando de partido como quem troca de camisa” ― diz a sabedoria popular ―, assim que lhes aperte o calo. Ao cidadão, que elegeu seu deputado esperando ver aplicadas as ideias e propostas de seu partido, resta o amargo sabor de malogro na boca. Na moderna democracia representativa a escolha recai sobre programas, projetos e propostas político/ideológicas ― marcas e marcos dos partidos políticos ―, não sobre líderes messiânicos e salvadores da pátria. O mandato dos eleitos, portanto, pertence aos partidos pelos quais se elegeram, sem, contudo, desconsiderar o fato de que o eleitor merece conhecer seu candidato, saber em quem está votando. Ao deixar o partido, o mandatário seria, consequentemente, obrigado a deixar, também, a cadeira ocupada em sua casa legislativa. Os partidos, então, contariam, em cada distrito eleitoral, com candidatos dispostos a defender seu programa e demais propostas partidárias, com rigor e irrestrita fidelidade. Prevalece, urge frisar, a objetividade do programa de governo partidário, sobre a subjetividade de políticos velhacos, nem sempre fiéis às promessas que fazem para conquistar vitória eleitoral. Deveriam, em conclusão, fidelidade ao partido pelo qual se elegeram. De igual forma, os partidos deveriam guardar irrestrita fidelidade e compromisso para com seu programa e às propostas assumidas em campanha. Assim, a fidelidade partidária se manifesta de duas formas básicas: como o mandato pertence ao partido, deputado que optar pelo desligamento de seu partido deve, obrigatoriamente, abandonar sua cadeira na casa legislativa; assim como também, devem os eleitos irrestrita fidelidade ao plano de governo partidário e às deliberações fixadas por seus partidos. Pode o político mudar de opinião, mudar sua linha de atuação, mudar de partido, mas consciente de que, assim fazendo, perderá seu mandato. O eleitor jamais será enganado, atraiçoado por candidato a deputado que defende e promete determinada coisa e, depois de eleito, muda de postura e termina por fazer exatamente o contrário do prometido.

 

Temos, por fim, o recall ― também chamado de “voto destituinte” ― ou “direito de revogação”, como elemento modernizador de nossa jovem democracia (a ser empregado tanto no parlamentarismo, quanto no presidencialismo). Recall político é o poder de cassar ou revogar o mandato do representante político, conferido ao eleitorado. O termo significa “chamar de volta” (recolher, retirada, revogação do mandato), destituindo-se do mandato um mandatário ímprobo, incompetente ou de atuação contrária à vontade popular. Pelo recall, voto destituinte ou direito de revogação, o eleitorado, mediante uma eleição especial, promove a substituição de seu representante no legislativo, antes da extinção normal do tempo de duração do mandato. Passam os representantes do povo a devotarem maior respeito à opinião pública e maior consideração pelos interesses populares, frente à possibilidade permanente de sua destituição. No sistema eleitoral distrital a prática do voto destituinte se torna muito fácil e precisa, eis que nos limites estritos do distrito eleitoral eleitor e eleito devem guardar perfeita sintonia, conexão. O eleitor elege seu representante, em seu distrito eleitoral, podendo “chamá-lo de volta”, caso não proceda bem ou caso se mostre infiel.

 

Instituto do direito público norte-americano, o recall deriva do Abberufungsrecht suíço.

 

No Brasil Império, entre os anos de 1822 e 1823, o Decreto de 16 de fevereiro de 1822, que instituía o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil, fixava, em seu preâmbulo, que: “...os quaes Procuradores Geraes poderão ser removidos de seus cargos pelas suas respectivas Províncias, no caso de não desempenharem devidamente suas obrigações, si assim o requererem os dous terços das suas Camaras em vereação geral e extraordinária, procedendo-se à nomeação de outros em seu logar”. Tal decreto, então, estabelecia a possibilidade de destituição dos eleitos, por iniciativa dos eleitores, caso não cumprissem suas obrigações. Na República Velha, alguns estados da Federação, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e São Paulo adotaram, em suas constituições, o voto destituinte. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88, o tema da revogação do mandato eletivo foi proposto e debatido, com a denominação de “voto destituinte”, restando, lamentavelmente, rejeitado pelos senhores Constituintes.

 

Temos, portanto, o sistema parlamentarista de governo como o mais aperfeiçoado dentre todos os que existem, no campo da democracia representativa. Quando acompanhado de institutos profundamente democráticos como o voto distrital, a fidelidade partidária e o recall ou voto destituinte, o sistema aumenta consideravelmente a eficácia de seu funcionamento, além de reforçar a observância e o cumprimento da vontade popular soberana.

 


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