É possível, talvez inevitável, olhar para este França x Croácia que decide a Copa do Mundo e pensar que a seleção brasileira, com os defeitos e as muitas virtudes que exibiu na Rússia, tinha condições de protagonizar a final. Basta notar que deixou o torneio num momento em que progredia e após jogar melhor do que a Bélgica no duelo fatal de Kazan.
Mas também é útil examinar o que os finalistas têm e a seleção brasileira, não. A resposta conduzirá aos meio-campistas, grande hiato do futebol nacional, responsável pelas dúvidas que Tite carregou até as vésperas da convocação. Na França, Kanté, Matuidi e Pogba são o coração do time, responsáveis pelo jogo de transições, pelo desarme e a aproximação com qualidade no ataque. Na Croácia, Modric e Rakitic ditam o ritmo. Pogba e Modric talvez sejam o protótipo do jogador que o Brasil vinha tendo dificuldade de produzir.
Comentarista para a "Russia Today", canal de TV transmitido em inglês no país da Copa, o português José Mourinho, treinador de Pogba no Manchester United, exaltou a "maturidade" com que o meia se desdobrou entre tarefas ofensivas e defensivas contra a Bélgica, na semifinal. Algo que vinha tentando tirar de seu jovem talento, nem sempre com sucesso. O Pogba da reta final do Mundial é destes meias totais, capazes de alinhar com os zagueiros para marcar um jogador de boa estatura, como o belga Fellaini, e ser o condutor dos contragolpes, com passes até as proximidades da área ofensiva.
Modric é o grande pensador croata, responsável por acertar 84% dos 443 passes que tentou no Mundial. Iniciou a Copa alguns metros mais atrás no campo, formando dupla com Rakitic. Mais adiante, com a entrada de Brozovic como um "camisa 5", adiantou-se. É influente em todos os setores, ainda que o time croata induza a distribuição das jogadas para os lados do campo. A jogada prioritária de um time que não chega a ter um repertório ofensivo vasto é a busca das laterais para os cruzamentos.
Mas o futebol brasileiro dá sinais de avançar na fabricação de meias. Arthur não é um Modric, tampouco um Pogba. É apenas o retrato de um esforço recente que parece haver nas divisões de base do Brasil. O surgimento dele, ou o de Lucas Paquetá no Flamengo, talvez sinalize uma preocupação em preencher uma lacuna: a dos organizadores de jogo, capazes de influenciar numa partida de uma intermediária à outra. Tite sentiu falta de jogadores assim, recorreu a Coutinho para melhorar a criação, mas criou desequilíbrios defensivos.
A final deste domingo oferece um interessante duelo no meio-campo, entre jogadores de estilos diversos: do vigor e senso de colocação de Kanté, ou da classe de Pogba; a um organizador como Modric ou um multitarefas como Rakitic. Mas o jogo não se resume a isso. Primeiro, quem assistir à decisão não deve se espantar caso veja a favorita ter menos a bola. A França descobriu sua melhor faceta no contragolpe, com a vitalidade de seus meias e a criação de espaços para Griezmann e Mbappé arrancarem. Ainda que Mbappé seja destes talentos capazes de driblar em pedaços mínimos de campo.
A Croácia deve manter seu 4-3-3, com um volante por trás dos meias Modric e Rakitic. Embora não seja um time de posse de bola massacrante, pressionou mais à frente contra a Inglaterra, na semifinal, trabalho que incluiu os dois meias de criação. Se repetir na decisão, haverá um risco: contra os ingleses, deixou vastos espaços entre meias e linha defensiva. Tudo o que a França adora.
No entanto, contra a Argentina, os croatas fizeram uma linha de cinco homens à frente da defesa - o volante Brozovic, os meias Rakitic e Modric, além dos pontas Rebic e Perisic -, marcando mais atrás e buscando acionar os pontas. A França tem dificuldade neste tipo de jogo, obrigada a construir. O resultado pode ser uma final muito estudada e de poucos riscos. Resta saber se os franceses, rotulados como favoritos, vestirão o personagem e abrirão mão do pragmatismo que os levou à final. Parece improvável.
Outra questão diz respeito a este "novo Pogba". Certamente, terá trabalho defensivo, especialmente com Rakitic. Mas pode ser o homem dos contra-ataques pelo centro do campo. Giroud, que ainda não fez gols, é ótimo receptor de bolas, esperando a chegada do time e combinando com Griezmann, atacante que tem atuado quase como um "camisa 10", participando da criação perto do gol com liberdade de movimentos. Darão muito trabalho a Brozovic, o volante croata, ótimo na semifinal.
Outro duelo terá lugar pelos lados do campo. A França parte de um modelo assimétrico. Seu 4-2-3-1 tem o meia Matuidi pela esquerda e Mbappé, atacante incisivo, de ofício, pela direita. Matuidi fecha bem seu setor na hora de defender, mas com a bola pode atacar o lado ou um corredor mais central. Na direita, Mbappe recompõe menos ao defender, preservado para usar sua habilidade e velocidade no contragolpe.
A França termina por ter uma linha de três meias ao defender: Kanté, Pogba e Matuidi. Assim, se Mbappé participar pouco defensivamente, o combate a Perisic, um dos pontas croatas, pode ser prejudicado. Mas o apoio do lateral Strinic também pode acabar reduzido. Ter Mbappé mais atrás pode dar segurança, mas exigir dele um esforço que o limite na hora de atacar. Uma decisão a tomar diante de uma Croácia que faz Modric e Rakitic ditarem o ritmo e tentarem acionar os pontas nos dois lados do campo.
Pela esquerda, a França é mais sólida, com Matuidi e o lateral Lucas Hernández. A Croácia pode sobrecarregar seu jogo no lado direito francês, com Rakitic juntando-se a Perisic e o lateral Strinic. Obrigaria um dos meias franceses a cobrir, criando desequilíbrios e abrindo espaço apara Modric. Contra a Inglaterra, os dois meias buscaram o lado do campo e seguidas inversões do lado da bola criaram perigo.
Embora tenha jogado poucos minutos empolgantes, não é razoável menosprezar um finalista de Copa com a competitividade croata e com um jogador como Modric. Mas as armas de uma França com mais reserva de talento parecem capazes de provar mais dano.