Décadas atrás, havia em Natal dois boêmios e amigos inseparáveis, Plínio e Baltasar, fanáticos por velórios e enterros. Nessa época, os velórios ocorriam em casa, pois ainda não havia Centro de Velórios na cidade.
Diariamente, eles se informavam sobre a ocorrência de algum óbito e o endereço do velório. E para lá se dirigiam, mesmo que não conhecessem o defunto nem a família enlutada.
Abraçavam os parentes do (a) morto (a), choravam, procuravam consolá-los e faziam até discursos, lamentando aquela partida “precoce”, ainda que se tratasse de uma pessoa centenária..
Bem apessoados e educados, eram recebidos com cordialidade e até confundidos com os parentes e amigos.
Entretanto, o que mais os atraía nos velórios era o costume de se oferecer bebida aos presentes, principalmente quando se prolongavam pela madrugada. A cana corria solta e os dois passavam a noite enchendo a cara. Duros na queda, pela manhã conseguiam acompanhar o enterro e ainda faziam discurso no Cemitério.
Os dois tinham o dom da oratória, apesar de não terem formação acadêmica. Nos discursos, exaltavam as virtudes da pessoa morta e às vezes confundiam a identidade, chegando a elogiar as qualidades daquela “admirável esposa e mãe”, quando, na verdade, a pessoa morta era solteirona e virgem como tinha nascido.
Mesmo sendo carismáticos, ambos eram os “timotes” de tradicionais famílias da cidade. Em tudo que era velório ou enterro eles se metiam. Faziam-se tão íntimos da casa, que chegavam a receber pêsames e procurar onde estavam as bebidas.
Quando não tomavam conhecimento de nenhum velório, Plínio e Baltasar costumavam fazer ponto num bar, perto do Cemitério do Alecrim. Mas, se, por acaso, vissem a chegada de algum enterro, entravam no Cemitério e antes do coveiro começar a enterrar, o que estivesse mais “alto” iniciava um discurso bonito e comovente, tirado dos jornais, que eles sabiam decorado. Foi assim no enterro de um simples servidor público, que havia morrido em consequência de um tumor fecal. Plínio, o orador do momento, saiu-se com essas palavras:
“Mataram-te, Presidente, mas serás enterrado em pé. A cabeça acima do coração. O coração acima do estômago!”
E prosseguiu com o discurso feito por um doido, no enterro de João Pessoa.
Certa vez, Baltasar, o outro fanático por enterro, foi convidado por um grupo de teatro amador para ser o Lázaro, na peça “A PAIXÃO DE CRISTO”. Ao lado do teatro havia uma birosca e ele se embriagou bem antes da peça começar. Como Lázaro teria que se deitar num caixão de defunto, Baltasar achou ótimo. Adormeceu profundamente e não houve jeito de obedecer às ordens do artista que representava Jesus Cristo. Cansado de chamá-lo, o artista implorava:
-Levanta-te, Lázaro! Ergue-te, Lázaro! Ressuscita, Lázaro!
O artista que representava Jesus Cristo perdeu a calma e deu um chute no caixão.
O bêbado abriu os olhos, meio confuso, olhou para aquele Cristo de araque e respondeu aos gritos e grosseiramente:
-Vai se lascar, homem! Vai se f….
A cortina do palco foi fechada, e a peça terminou aí.
Também terminou aí a futura carreira artística de Baltasar.