Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Arthur Azevedo domingo, 26 de agosto de 2018

O CHAPÉU (POEMA DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

 

O CHAPÉU

Arthur Azevedo

 

 

O Ponciano, rapagão bonito,

Guarda-livros de muita habilidade,

Possuindo o invejável requisito

De uma caligrafia

A mais bela, talvez, que na cidade

E no comércio havia,

Empregou-se na casa importadora

De Praxedes, Couceiro & Companhia,

Casa de todo Maranhão credora,

Que, além de importadora, era importante,

E, se quebrasse um dia,

Muitas outras consigo arrastaria.

 

Do comércio figura dominante,

Praxedes, sócio principal da casa,

Tinha uma filha muito interessante.

O guarda-livros arrastava-lhe a asa.

 

Começara o romance, o romancete

Num dia em que fez anos

E os festejou Praxedes co'um banquete,

Num belo sítio do Caminho Grande,

Sob os frondosos galhos veteranos

 

Que secular mangueira inda hoje expande.

A mesa circular, sem cabeceira,

Rodeando o grosso tronco da mangueira,

Um belíssimo aspecto apresentava:

Reluzindo lá estava

O leitão infalível,

Com o seu sorriso irônico,

Expressivo, sardônico.

Sabeis de alguma coisa mais terrível

Do que o sorriso do leitão assado?

E nos olhos, coitado!

Lhe havia o cozinheiro colocado

Duas rodelas de limão, pilhéria

Que sempre faz sorrir a gente séria.

Dois soberbos perus de forno; tortas

De camarão, e um grande e majestoso

Camorim branco, peixe delicioso,

Que abre ao glutão do paraíso as portas;

Tainhas ouríchocas recheadas,

Magníficas pescadas,

E um presunto, um colosso,

Tendo enroladas a enfeitar-lhe o osso,

Tiras estreitas de papel dourado.

 

Compoteiras de doce, encomendado

A Calafate e a Papo Roto; frutas;

Vinho em garrafas brutas.

Amêndoas, nozes, queijos, o diabo.

Que se me meto a descrever aquilo,

Tão cedo não acabo!

 

O Ponciano fora convidado:

Quis o velho Praxedes distingui-lo.

Fazia gosto vê-lo

Convenientemente engravatado,

De calças brancas e chapéu de pelo,

E uma sobrecasaca

Que estivera fechada um ano inteiro

E espalhava em redor um vago cheiro

De cânfora e alfavaca.

 

Mal que o viu, Gabriela

(Gabriela a menina se chamava)

Lançou-lhe uma olhadela

Que a mais larga promessa lhe levava...

Como  que os olhos dele e os olhos dela

Apenas esperavam

Encontrar-se; uma vez que se encontravam,

De modo tal os quatro se entendiam

Que, com tanto que ver, nada mais viam!

 

 

Apesar dos perigos,

Por ninguém o namoro foi notado.

Pois que o demônio as coisas sempre arranja.

Praxedes, ocupado,

Fazia sala aos ávidos amigos;

A mulher de Praxedes, nas cozinhas,

Inspecionava monstruosa canja

Onde flutuavam cinco ou seis galinhas

E um paio, um senhor paio,

E os convivas, olhando de soslaio

Para a mesa abundante e os seus tesouros

Não tinham atenção para namoros.

Quando todos à mesa se assentaram,

Ele e ela ficaram

Ao lado um do outro... por casualidade,

E durante três horas, pois três horas

Levou comendo toda aquela gente,

Entre as frases mais ternas e sonoras

Juraram pertencer-se mutuamente.

Quando na mesa havia só destroços,

Cascas, espinhas, ossos e caroços,

E o café fumegante

Circulou, – nesse instante,

Eram noivos Ponciano e Gabriela.

 

– Como, perguntou ela,

Nos poderemos escrever? Não vejo

Que o possamos fazer, e o meu desejo

É ter notícias tuas diariamente.

Respondeu ele: – Muito facilmente:

Quando a casa teu pai volta à noitinha

Traz consigo o Diário, por fortuna;

Escreverei com letra miudinha,

Na última coluna,

Alguma coisa que ninguém ler possa

Quando não esteja prevenido. – Bravo!

Que bela ideia e que ventura a nossa

Porém se esse conchavo

Serve para me dar notícias tuas,

Não te dará, meu bem, notícias minhas. –

Mas não esteve com uma nem com duas

O namorado, e disse:

- Temos um meio. – Qual? Não adivinhas?

Teu pai usa chapéu. – Sim... que tolice!

– Ouve o resto e verás que a ideia é boa;

Um pedacinho de papel à-toa

Tu meterás por baixo da carneira

Do chapéu de teu pai; dessa maneira

Me escreverás todos os dias... – úteis.

Oh!, precauções inúteis!

Durante um ano inteiro

O pai ludibriado

Serviu de inconsciente mensageiro

Aos amores da filha e do empregado.

– Até que um dia (tudo é transitório,

Até mesmo os chapéus) o negociante

Entrou de chapéu novo no escritório.

 

Ponciano ficou febricitante!

Como saber qual era o chapeleiro

Em cujas mãos ficara o chapéu velho?

Muito inquieto, o brejeiro

Ao espírito em vão pediu conselho;

Dispunha-se, matreiro,

A sair pelas ruas, indagando

De chapeleiro em chapeleiro, quando

O chapeleiro apareceu!... Trazia

O papelinho que encontrado havia!

Atinara com tudo o impertinente

E indignado dizia:

– Sou pai de filhas!... Venho prontamente

Denunciar uma patifaria!

O hipócrita queria

Mas era, bem se vê, cair em graça

A um medalhão da praça.

 

O pai ficou furioso, e, francamente,

Não era o caso para menos; houve

Ralhos, ataques, maldições, et cetera;

Mas, enfim, felizmente

Ao céu bondoso aprouve

(O rapaz tinha tão bonita letra!)

Que não fosse a menina pro convento,

E a comédia acabasse em casamento.

Ponciano hoje é sócio

Do sogro, e faz negócio.

Deu-lhe uma filha o céu

Que é muito sua amiga

E está casa não casa;

Mas o ditoso pai não sai de casa

(Aquilo é balda antiga)

Sem revistar o forro do chapéu.


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