Décadas atrás, em Natal, na descida do Baldo, um pequeno grupo de boêmios gostava de se reunir na calçada de uma bodega muito simples, onde só havia uma mesa velha e algumas cadeiras. No começo, eram poucos frequentadores, mas depois houve outras adesões. Os novatos sentavam-se até em caixotes vazios. Não queriam perder as boas conversas e o bom humor dos frequentadores.
O tira-gosto era sardinha, cujas latas ornamentavam as duas prateleiras da bodega. As bebidas disponíveis eram cerveja, cachaça e refrigerantes.
A bodega era humilde, e o próprio dono fazia as vezes de empregado da limpeza e de garçom. Era um senhor alto, forte e careca, muito receptivo e carismático. Zé Coroa, como era chamado, era muito querido pelos boêmios. Eles preferiam passar o dia todo nessa simples calçada, bebendo e batendo papo, a frequentar barzinhos de luxo. Só funcionava durante o dia.
Havia uma hierarquia entre os bebedores, de acordo com a capacidade etílica de cada um. Nilton, o líder dos frequentadores, tinha o apelido de “Campeão”, pois já tinha chegado a beber sozinho, num dia, uma grade de cerveja, ganhando uma aposta. O apelido pegou. Os mais fracos, que não aguentavam o rojão e se embriagavam rapidamente, eram chamados de “sem futuro”. Se atrapalhassem o ambiente, recebiam cartão vermelho do dono da bodega.
Campeão, representante comercial, era o mais falante da turma, simpático e o mais atualizado com as notícias de jornais. Por isso, era muito respeitado, e considerado “intelectual”. Quando falava, sua voz bonita e eloquente fazia com que todos o ouvissem com atenção.
Certa vez, Campeão conheceu Anita, uma jovem muito bonita, novata no bairro. Foi paixão mútua, à primeira vista. Ao vê-lo ser tratado com respeito e ser chamado de Campeão, a moça imaginou que ele fosse lutador de artes marciais.
Pouco tempo depois, conversando com uma conhecida, Anita falou no seu novo namorado, e ficou sabendo que ele era “campeão de bebedeira”. O rapaz era um alcoólico inveterado. Divorciado e com dois filhos, não havia jeito de maneirar a bebida. A cerveja e o cigarro, para ele, eram sagrados. A moça ficou decepcionada, mas preferiu ignorar o que considerou um “boato”. Foi a segunda esposa de Campeão, mas a paixão violenta que os uniu logo se transformou em “fogo de palha”.
O cervejeiro, vencedor de apostas, algum tempo depois estragou sua saúde. Não acreditou nos médicos. Quando resolveu levar o tratamento a sério e parar de beber, já era tarde. Dessa vez, ele perdeu o título de Campeão. Venceu a cirrose.