NA EXPOSIÇÃO
Arthur Azevedo
O Raimundo saiu do Maranhão aos vinte anos, muito disposto a nunca mais lá voltar, para não tornar a ver Filomena – e, desde que aqui chegou (já lá se vão tantos anos!), fugiu de todas as coisas e de todas as pessoas que lhe pudessem recordar a sua terra natal.
Não lhe falassem no bacuri, nem no mucuri, nem no açaí, nem no arroz de cuchá, nem no tabaco do Codó, nem nas cuias da Maioba, nem nos requeijões de São Bento, nem nos camarões de Alcântara; não pronunciassem na sua presença os nomes de Gonçalves Dias, João Lisboa, Sotero dos Reis, Joaquim Serra e outros maranhenses ilustres; não se referissem, de modo que ele pudesse ouvir, às novenas dos Remédios, aos passeios do Anil, aos banhos do Cutim e às serenatas ao luar no Pau da Bandeira ou no campo do Ourique; tudo isso lhe trazia à memória Filomena, aquela ingrata, que, depois de ter feito mil juramentos de que só dele seria, esqueceu-o para lançar-se nos braços do Cardoso, um negociante apatacado, com quem se casou.
Depois deste golpe, que esteve quase a matá-lo, Raimundo incompatibilizou-se com o Maranhão e tornou-se o mais carioca dos cariocas; entretanto, conservou no coração a lembrança dolorosa daquele amor infeliz, e, fiel ao seu próprio infortúnio, não procurou mulher que o fizesse esquecer Filomena. Ficou solteiro.
Durante muitos anos, os seus sentimentos não se modificaram; ultimamente, porém, a idade começou a exercer no seu espírito uma ação benéfica, e ele refletiu, pela primeira vez, que a sua terra não tinha culpa da ingratidão de Filomena.
– Preciso reconciliar-me com o Maranhão, pensou Raimundo, e foi com esta ideia sensata que ele procurou a seção maranhense no Palácio da Exposição.
Mas, percorrendo as salas onde se acham expostos os produtos do seu Estado, o pobre-diabo começou a ver Filomena em tudo; Filomena aparecia-lhe nos móveis, nos artefatos, nas fibras, nos tecidos, nas rendas, nas favas, no arroz – Filomena surgia de toda a parte!
As salas estavam quase desertas; além do Raimundo, estavam ali apenas três visitantes e uma família – marido, mulher, cinco filhos e uma criada, que examinavam tudo com atenção.
De repente, no meio daquele silêncio, a voz do marido repercutiu:
– Filomena!
– Que é Cardoso?
– Vem ver como é bem-feita esta rede!
O Raimundo ficou frio e como que grudado ao chão. Filomena! Cardoso! Era ela! Era ele! Eram eles!
Passados alguns momentos, ele voltou ao seu natural, e, disfarçado, aproximou-se... Que transformação!... Que ruína!
Mas que transformação também a dele, porque ela não o reconheceu.
O caso é que essa visita à Exposição completou a cura, que já começara. O Raimundo voltou a ser um bom maranhense, e agora está disposto a matar saudades da sua terra. Filomena já não existe.