Em agosto de 2017, o boxe foi impactado pela chamada “luta do século”. O astro americano Floyd Mayweather Jr. subiu ao ringue e se tornou o atleta mais bem pago do mundo ao vencer o então detentor de dois cinturões simultâneos do UFC, Conor McGregor, em um encontro marcado mais pelo apelo publicitário do que esportivo. O duelo criou uma fórmula de sucesso, que será repetida hoje na “superluta” entre Mike Tyson e Roy Jones Jr. — a TV Globo exibe após a transmissão ao vivo no canal Combate, à partir de 21h30 (de Brasília).
A estratégia já foi adaptada em diversos esportes: um grande astro que retorna após longa aposentadoria ou que carrega invencibilidade é desafiado por outro que acumula grandes resultados recentes ou ganhou fama por ser provocador. Roy Jones Jr., de 51 anos, é o desafiante de hoje, mas sabe que o apelo gira em torno de Mike Tyson, hoje com 54 anos, um dos maiores nomes do esporte e que dominou os ringues nos anos 80.
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A plataforma Triller, dona dos direitos da luta, espera arrecadar US$ 50 milhões (cerca de R$ 260 milhões na cotação atual) só com a venda de pay-per-view — nos Estados Unidos, o público terá de pagar US$ 50 (cerca de R$ 287) para ver o combate, que estava previsto para 12 de setembro e, segundo veículos americanos, foi adiado intencionalmente para ganhar espaço no noticiário. Também houve a aposta por público presente no Staples Center, em Los Angeles, mas a pandemia da Covid-19 não permitiu.
Segundo o jornalista americano Kevin Iole, Tyson deve receber mais que o triplo de Roy Jones pela luta: quase R$ 50,5 milhões; Roy Jones Jr. ganhará cerca de R$ 16 milhões. Estima-se que os ex-pugilistas ganhem R$ 6 milhões por minuto no ringue. Valores impensáveis no cenário atual.
— Pega-se dois ídolos passados, nesse caso Tyson e Roy Jones, e num momento em que todos estão carentes de eventos esportivos devido a pandemia abre-se janelas para eventos como esse. Apesar de não ter um valor esportivo alto, é uma luta que tende a movimentar muito dinheiro em casas de aposta e também a criar um valor sentimental por ter dois lutadores que em suas épocas foram esplendorosos e as gerações que os assistiram hoje podem pagar para reviver esse momento — comenta Fernando Fleury, especialista em marketing esportivo.
Neste caso, o carisma e o retorno de Tyson são os motivadores de uma luta que pouco aposta na rivalidade — Roy Jones Jr. foi chamado de o “Lutador da Década” nos anos 1990, mas não há uma rivalidade direta. Antes de aceitar o combate, Tyson recusou quase R$ 90 milhões para encarar o brasileiro Wanderlei Silva, e também foi desafiado pelo astro do UFC, Jon Jones. Ou seja, até mesmo o adversário escolhido para hoje passou por um crivo de marketing.
Para Tyson, a luta significa o retorno triunfal após um término de carreira em baixa. Em 2005, o desconhecido irlandês Kevin McBride conseguiu uma vitória surpreendente sobre o ex-campeão mundial dos pesos-pesados. Na época, foram três derrotas nas últimas quatro lutas, que o levaram a decidir pela aposentadoria. Mesmo parado, o ex-pugilista colecionou polêmicas: em 2005, foi detido no Brasil após a agressão a um cinegrafista, e em 2014, ofendeu um jornalista de um programa canadense que mencionou a sua condenação por estupro.
— Mike Tyson fundou uma liga e pretende fazer algumas lutas com boxeadores aposentados, a Legends Only League. A maior atração é poder rever ídolos do passado em cima do ringue novamente, como aconteceu recentemente com Julio César Chavez e Jorge Arce, que fizeram algumas exibições no México — opina Daniel Fucs, comentarista de boxe da Globo.
Tyson é considerado um dos maiores boxeadores da história e acumula recordes como o de 37 vitórias em 37 confrontos. Ele perdeu mais de 40 quilos para a luta, após 15 anos afastado dos ringues. Roy Jones Jr acumula oito títulos mundiais em quatro categorias diferentes: pesado, meio-pesado, médio e super-médio. O ex-boxeador ficou ativo de 1989 a 2018.
— A ausência de novos ídolos no boxe capazes de causar mobilização mundial como faziam Muhamed Ali, Tyson e outros, abrindo espaço para que esses mesmos nomes, agora ex-atletas despertem esse interesse e além disso a consolidação do conceito de “Sportainment”, uma mistura de esporte e entretenimento onde que o vale é entreter, mesmo que não exista a componente competitiva — analise Ivan Martinho, especialista em marketing esportivo da ESPM.
Regras diferentes
O retorno de Mike Tyson aos ringues terá algumas particularidades. Uma delas é que não haverá controle antidoping contra maconha — além de ser um usuário assumido, o norte-americano é conhecido por ter lucros de quase R$ 3 milhões no mercado de cannabis. Os boxeadores não vão usar capacete, vestirão luvas de 12 onças — maiores do que as de 10 onças tradicionais — e os rounds terão duração de dois minutos, em vez do padrão de três. Serão oito assaltos.
As trocas têm a ver com a preocupação com a saúde dos atletas. Mike Tyson tem 54 anos, e Roy Jones Jr., 51. A força dos golpes e a idade preocupam médicos e especialistas, que afirmam que um soco pode atingir um impacto de 450 kg no rosto de um dos lutadores. Na categoria dos pesos-pesados o impacto pode ser maior ainda, devido à força dos boxeadores.
— As regras são diferentes porque é uma exibição com ex-boxeadores com mais de 50 anos. O que pode alterar a dinâmica é como eles se coportarão — afirma Fucs.
Tyson também aposta na nostalgia para ver a audiência do evento crescer. Mesmo no Brasil, seus fãs lembram de suas lutas passadas e o compara a Ayrton Senna.
— A família se juntava para ver as lutas. Era uma pena que duravam tão pouco. Eram duas tradições quando era mais novo: churrasco para ver as corridas do Senna e as lutas do Tyson — conta Ronaldo Persiano, de 38 anos, que vive situação semelhante a de Paulo Cézar Filho, outro fã de Tyson:
— Eu via as lutas dele na década de 1990. Eram um acontecimento — declarou.
Mais seis lutas estão previstas: Jake Paul x Nate Robinson (cruzadores), Badou Jack x Blake McKernan (meio-pesados), Viddal Riley x Rashad Coulter (cruzadores), Jamaine Ortiz x Nahir Albright (leves), Irvin Gonzalez Jr. x Edward Vasquez (penas) e Juiseppe Cusumano x Nick Jones (pesados).