MAL POR MAL
Arthur Azevedo
Há bons maridos que se tornam maus porque as mulheres não são boas.
O Sebastião está ou esteve nesse caso: tão apoquentado se viu pela cara-metade, que, um belo dia, resolveu procurar na rua os carinhos que não encontrava no lar doméstico.
Não foi preciso procurar muito. O acaso fê-lo encontrar na Avenida Central, diante de um cinematógrafo-anúncio, uma bela morena que lhe deu volta ao miolo e lhe tirou noites de sono.
Se D. Flaviana, a mulher do Sebastião, fosse meiga e condescendente, e não tivesse tão mau gênio, está visto que ele não se deixaria prender nos braços de outra; mas deixou-se prender – e preso ficou ao ponto de arranjar uma casinha lá para os lados da Cidade Nova, onde esconderam – a morena e ele – o seu delicioso pecado.
E tão bem escondidinho estava que ninguém sabia de nada, exceção feita de Sepúlveda, o melhor amigo de Sebastião.
E o Sepúlveda não podia ser mais obsequioso. Como percebeu que a felicidade do amigo estava naquele derivativo, ele próprio se encarregou de alugar a casinha e mobiliá-la. A sua obsequiosidade foi ao ponto de arranjar para a porta da rua uma fechadura que se abria com a mesma chave da fechadura conjugal. De modo que o Sebastião não tinha necessidade de andar com duas chaves, o que seria perigoso.
D. Flaviana, se fosse mais observadora, teria notado que de certo tempo em diante o Sebastião começou a sofrer resignado todas as suas impertinências. O pobre diabo dizia consigo: – "Lá tenho a Mirandolina para consolar-me." – Mirandolina era o nome da morena.
Entretanto, o Sebastião não ficava nenhuma noite fora de casa. Passava algumas horas com a Mirandolina, mas, à hora conveniente, lá ia para casa.
Uma noite destas, encontrou D. Flaviana acordada e disposta a brigar. Ela andava já com suas desconfianças de que o marido tinha contrabando lá fora, e entendeu que naquela noite deveria pôr tudo em pratos limpos. Recebeu o pobre homem com duas pedras na mão.
– Onde esteve o senhor até estas horas?
– Não tenho que lhe dar satisfações!
–Quero saber onde o senhor esteve! Olhe que eu perco a cabeça!
– Pois perca, mas, antes disso, deixe-me ir embora!
– Que leve a breca! – Disse consigo.
Mas era tarde, muito tarde, e o Sebastião precisava dormir. Lembrou-se de ir para um hotel, mas refletiu:
– Para quê, se tenho Mirandolina? Ela não conta comigo! Vai ter um alegrão com a minha volta!
E lá foi para a casa da Mirandolina.
Meteu a chave no trinco, abriu a porta sem rumor, e entrou devagarinho no quarto dela, que ressonava.
Aproximou-se e viu, surpreso, que um homem dormia ao lado de Mirandolina. Deu toda a força ao bico do gás, e reconheceu que esse homem era o Sepúlveda, o seu melhor amigo.
Este levantou-se estremunhado.
– Fica onde estás! A casa é tua deste momento em diante! Disse-lhe o Sebastião.
E o mísero saiu, e voltou para o lado da mulher legítima, que encontrou chorosa e quase submissa.
– No final das contas, pensou ele, mal por mal, antes a obrigação que a devoção.