RIO. A morte da influenciadora Liliane Amorim, 26 anos, no último domingo (24), por complicações causadas por uma cirurgia de lipoaspiração, faz um retrato cruel da busca incessante pelo "corpo perfeito" imposta às mulheres, em especial às brasileiras. Essa busca tem suas raízes no patriarcado, que objetifica o corpo feminino, e ganha impulso de um mercado altamente lucrativo num contexto de hiper-exposição nas redes sociais.
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O caso de Liliane não é isolado. Notícias de mulheres mortas após procedimentos estéticos invasivos feitos com pouca ou nenhuma segurança não são raras. E mesmo as intervenções feitas adequadamente apresentam riscos, mas são tratadas de forma cada vez mais banal no discurso médico e no universo das blogueiras, que abordam o assunto como se falassem de uma ida ao dentista ou ao shopping.
Essa busca incessante refletida nos relatos das influenciadoras é da ordem da compulsão, explica a psicanalista Joana Novaes. "Quanto mais a pessoa faz, mais quer fazer e vai banalizando os riscos. Todo risco parece valer a pena", afirma.
Mas como mulheres jovens, magras, dentro de todos os padrões de beleza atuais são levadas a acreditar que seu corpo não é belo o suficiente e que precisam se expor a uma intervenção cirúrgica para ficarem mais definidas?
Novaes, que coordena o Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, afirma que o fenômeno pode ser explicado em dois eixos:
— Tem um caldo cultural que facilita esse fenômeno. Primeiro há uma tradição de ordem histórica, que vem do patriarcado, na qual a mulher está sempre associada ao seu corpo e segunda a qual a beleza é índice de feminilidade — afirma.
Em segundo lugar, há uma nova tradição que se estabelece na sociedade “do consumo e do espetáculo”, em que o valor da imagem “é determinante do caráter”:
— Quando estamos mais magros, recebemos uma série de benesses e favorecimentos. A magreza está associada a uma vida mais rica. Quanto mais magro melhor são suas condições no mercado de trabalho, no mercado amoroso. A vida das mulheres é imensamente facilitada pela beleza e, para não amargar essa exclusão, a beleza se torna um capital, uma possibilidade de ascensão social em um país tão desigual como o Brasil. Isso faz com que gurias cada vez mais jovens reproduzam o que essa moça acabou de fazer — reforça.
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Levada ao extremo, a busca para se encaixar nos padrões pode fazer com que algumas pessoas desenvolvam um transtorno chamado dismorfia corporal.
Novaes pesquisa as chamadas doenças da beleza (distúrbios alimentares e os transtornos dismórficos corporais) há 25 anos e é categórica em dizer que, apesar dos avanços para a emancipação feminina, a mulher brasileira ainda não foi libertada do seu próprio corpo. Para ela, a situação aqui difere da europeia ou da americana.
— A meu juízo, a apropriação do corpo pela mulher brasileira é limitada, ainda restrita a uma objetificação. Assim como a mulher brasileira não foi liberada do seu corpo, ela também não foi liberada da maternidade. O imaginário social brasileiro ainda é muito arcaico e conservador. Ser mulher no Brasil ainda é muito cruel. A mulher brasileira ainda está presa nas próprias medidas e seu corpo ainda é uma moeda de troca — diz Novaes.
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Por trás disso, há um mercado altamente lucrativo, que se beneficia e se alimenta da insatisfação das mulheres com seus corpos. Para Novaes, há ainda um discurso médico que banaliza os riscos das intervenções cirúrgicas estéticas.
A psicanalista avalia que, embora discursos afirmativos com o “body positive” ou contra a gordofobia ganhem cada vez mais força e façam barulho, ainda são proporcionalmente menores se comparados à narrativa hegemônica dos padrões estéticos da indústria da beleza.
— A imagem da mulher bem sucedida ainda é de uma pessoa magra. A mulher poderosa é a mulher bonita, magra. A mulher feia é considerada menos mulher.