Despedindo-se de um ano “ruim para todo mundo”, Leandro Hassum iniciou 2021 celebrando três décadas de carreira e com uma notícia animadora: a comédia “Tudo bem no Natal que vem”, que ele protagoniza e estreou na Netflix em dezembro, ficou por quase um mês entre os dez filmes mais vistos na plataforma em todo o mundo. Mas não é só em filmes — e ele já começará a rodar outro em março — que o ator vem marcando gols desde que se afastou da TV aberta: em julho, começam as gravações, para o Multishow, do seriado de humor “Casa Paraíso” (ambientado num asilo); no próximo semestre estreia a segunda temporada do talk-show “Tá pago”, no TNT; sua voz chega em breve à telona na dublagem de Gru, na animação “Minions 2: a origem de Gru”; e, neste fim de semana, estreia duas peças inéditas no Teatro das Artes: “Zé e Nina — A história de uma amizade” (espetáculo infantil, a partir de amanhã) e “É nóix família” (que começa temporada hoje). Tranquilo, de bem com a vida, prefere evitar assuntos polêmicos. “Sou muito paquerado pelo mundo”, brinca o ator, de Orlando, nos EUA, onde vive com a mulher e a filha.
Filmes, peças, streaming... Sua jornada na TV aberta acabou?
De uns tempos para cá, a TV começou a investir num viés de humor nichado, de mesa de Baixo Leblon. O “Zorra Total” antes era muito criticado pelas classes A e B, que diziam que aquilo era um humor barato, chulo, do exagero. Para mim, isso é uma incoerência. Aquele tipo de humor sobrevive há 40 anos. O bordão é um tesouro nacional e é com o que o público da TV aberta se identifica. De uma hora para outra, todos os programas humorísticos passaram a ter um viés político... Não acho ruim, mas não gosto. Em paralelo, o cinema e o streaming passaram a ser muito sedutores, buscavam o popular que sei fazer. Cheguei a um momento que sou muito paquerado pelo mundo.
Você não fala de política?
Não falo de política nem assunto baixo-astral. Sou meio ignorante politicamente falando. Lógico que tenho minhas posições, mas não vou brigar com aquele tio que pensa diferente nem trabalhar com isso. Tem gente que faz isso muito bem, eu não. Meu tipo de humor é outro. Também não sei imitar nem contar piadas. Sou contador de histórias. Quer que eu faça algo diferente, me leva para outro lugar. Mas, se é um filme de humor e não quer minha assinatura como comediante, nem me chama. Criei uma forma de fazer humor que é minha, nunca traí meu público. Isso me rende muita porrada, “lá vem mais um filme histriônico”. Não faço filme para críticos, mas para o público, o povão, sei exatamente para quem faço.
E qual sua assinatura?
Está no humor de identificação, quero que a pessoa se veja na minha história. E o público espera o improviso, o inesperado. Nisso eu sou bom, consigo sair e voltar para o texto, surpreendo até quem está em cena comigo. Mas não é roubar a cena e ferrar o colega, e, sim, fazê-la crescer. O improviso não pode empurrar para fora da história, senão vira egocentrismo e gracinha. Isso não acho bom.
Após sua perda de peso, há quem diga que você perdeu também a graça... Como é isso para você?
Fiz uma transição física há seis anos e tem gente que fala que virei gordofóbico... Eu fazia piada comigo, não com gordo. Durante 40 anos fui gordo, e fui um gordo feliz. Operei por uma questão de saúde. Minha fala agora é de quem “está aqui, mas já esteve aí”. Mas as pessoas gostam de criticar, dizem que você ficou velho, feio, acabado, que perdeu a graça. Num primeiro momento, fiquei revoltado com as críticas, mas terapia resolve. Pouquíssimas pessoas me apoiaram quando decidi fazer a cirurgia, diziam que isso atrapalharia minha carreira. Mas eu sabia que meu talento não estava na barriga, mas no meu trabalho. A barriga pode ser uma piada, mas não sustenta um filme, um programa. Não busco a unanimidade. Aprendi a lidar com isso, mas é um processo longo. Passaram seis anos e ainda estou falando disso. A Betty [Faria] me disse “para de falar sobre isso, senão sua barriga vai virar a cenoura do Mário Gomes”. Mas minha experiência é uma história de superação. Com 40 anos, aprendi a surfar, que era um grande sonho e eu achava que não faria, pois não caberia em cima de uma prancha.
Agora, no teatro, você estreia uma peça infantil e uma adulta. Do que se trata “Zé e Nina”?
Comecei no Tablado e fiz teatro infantil com contexto, lúdico, nada de peça infantiloide. A peça segue esse caminho, é uma adaptação de uma animação australiana adulta que eu e Elisa Pinheiro, com quem trabalhei em “Tudo bem no Natal que vem” e divido a cena de novo, gostávamos. Tiramos temas complexos, como a pedofilia, e a transformamos numa história que fala sobre a amizade, o respeito às diferenças, a partir da relação entre duas pessoas solitárias, uma menina de 9 anos e um senhor autista de 60, que se comunicam por cartas. É uma história divertida e emocionante.
E “É nóix família”?
Tenho uma forma muito peculiar de contar histórias de família. Venho do subúrbio [da Ilha do Governador] e, ao contar as minhas próprias histórias, conto histórias da família brasileira. Todo mundo já fez aquela viagem roubada em família, quem tem filhos sabe o que é viajar com criança... Gosto de chamar de um show de humor e não stand-up, que parece que sempre vem junto com a ideia de um humor “de coió”, que parece que o comediante tá sempre meio puto, dizendo um “não entendo gente que...”. Não gosto disso. Em um momento, abro para a plateia e faço perguntas, no improviso. Brinco junto, não debocho. Sempre achei que quando só um ri e o outro fica constrangido, não é piada.