Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Arthur Azevedo domingo, 29 de abril de 2018

DE CIMA PARA BAIXO

 

DE CIMA PARA BAIXO

Arthur Azevedo

 

Naquele dia, o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e, imediatamente, mandou chamar o diretor-geral da Secretaria. Este, como se movido fosse por uma pilha elétrica, estava, poucos instantes depois, em presença de Sua Excelência, que o recebeu com duas pedras na mão.

 

– Estou furioso! – Exclamou o conselheiro. – Por sua causa, passei por uma vergonha diante de Sua Majestade o Imperador!

– Por minha causa? – Perguntou o diretor-geral, abrindo muito os olhos e batendo nos peitos.

– O senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado!

– Que me está dizendo, Excelentíssimo...?

 

E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e, depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida:

– É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi...! –

– É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de Sua Majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o meu oficial de gabinete!

 

E, dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu:

– Por sua causa, esteve iminente uma crise ministerial: ouvi palavras tão desagradáveis proferidas pelos augustos lábios de Sua Majestade, que dei a minha demissão!...

– Oh!...

– Sua Majestade não a aceitou...

– Naturalmente; fez Sua Majestade muito bem.

– Não a aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado.

– Peço mil perdões a Vossa Excelência – protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. O acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a Vossa Excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que se não reproduzam fatos desta natureza.

 

O ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo:

 

– Bom! Mande reformar essa porcaria!

 

O diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras, e chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3ª Seção, que o encontrou fulo de cólera.

 

– Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do sr. ministro!

- Por minha causa?

– O Sr. mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado!

 

E atirou-lhe o papel, que caiu no chão. O chefe da 3ª Seção apanhou-o, atônito, e, depois de se certificar do erro, balbuciou:

 

– Queira Vossa Senhoria desculpar, Sr. diretor... são coisas que acontecem... havia tanto serviço... e tudo tão urgente!...

– O Sr. Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si!

– Não era o caso para tanto...

– Não era caso para tanto? Pois olhe, Sua Excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta!

– Eu... Vossa Senhoria...

– Não o suspendo; limito-me a fazer-lhe uma simples advertência, de acordo com o regulamento.

– Eu... Vossa Senhoria.

– Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria!

 

O chefe da 3ª Seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto:

 

– Estou furioso, Sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. diretor-geral!

– Por minha causa?

– O senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado!

 

E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense.

 

– Eu devia propor a sua suspensão por quinze dias ou um mês: limito-me a repreendê-lo na forma do regulamento! O que eu teria ouvido, se o Sr. diretor-geral não me tratasse com tanto respeito e consideração!

– O expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi...

– Ainda o confessa!

– Fiei-me em que o Sr. chefe passasse os olhos...

– Cale-se!... Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!...

– Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta...

– Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!...

 

O amanuense obedeceu. Acabado o serviço, tocou a campainha. Apareceu um continuo.

 

– Por sua causa passei por uma vergonha diante do chefe da seção!

– Por minha causa?

– Sim, por sua causa! Se você ontem não tivesse levado tanto tempo a trazer-me o caderno de papel imperial que lhe pedi, não teria eu passado a limpo este decreto com tanta pressa que comi o nome do nomeado!

– Foi porque...

– Não se desculpe: você é um contínuo muito relaxado! Se o chefe não me considerasse tanto, eu estava suspenso, e a culpa seria sua! Retire-se!

– Mas...

– Retire-se, já lhe disse! E deve dar-se por muito feliz: eu poderia queixar-me de você!...

 

O continuo saiu dali, e foi vingar-se num servente preto, que cochilava num corredor da Secretaria.

– Estou furioso! Por tua causa passei pela vergonha de ser repreendido por um bigorrilhas!

– Por minha causa?

–Sim; quando te mandei ontem buscar na portaria aquele caderno de papel imperial, por que te demoraste tanto?

– Porque...

– Cala a boca! Isto aqui é andar muito direitinho, entendes? Porque, no dia em que eu me queixar de ti ao porteiro, estás no olho da rua! Serventes não faltam!...

 

O preto não redarguiu. O pobre diabo não tinha ninguém abaixo de si, em quem pudesse desforrar-se da agressão do contínuo; entretanto, quando depois de jantar, sem vontade, no frege-moscas, entrou no pardieiro em que morava, deu um tremendo pontapé no seu cão.

 

O mísero animal, que vinha, alegre, dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés.

 

O cão pagou pelo servente, pelo contínuo, pelo amanuense, pelo chefe de seção, pelo diretor-geral e pelo ministro!...

 


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