Os tempos atuais não são muito convidativos a grandes exibições de seleções - uma brutal exceção foi a escandalosa goleada espanhola sobre a Alemanha. Mas foi com absoluta segurança que o Brasil fez 2 a 0 no Uruguai, jogo que exigiu virtudes diferentes das exibidas nas rodadas iniciais e que viu o Brasil responder bem às necessidades. Só que o mais curioso foi perceber como a noite em que Éverton Ribeiro teve participação importante terminou por realimentar discussões importantes sobre o futebol jogado no Brasil.
Numa era de globalização em que o futebol europeu é o centro do mundo, é natural que um desempenho dominante no futebol brasileiro não baste para ser visto como garantia de sucesso na elite do jogo. A discussão vale para Everton Ribeiro, que nunca foi se provar na Europa e é jogador dominante no futebol doméstico do Brasil. Constatar sua dificuldade contra o Liverpool, na final do Mundial de Clubes, soa um tanto cruel. Afinal, estava diante dele a melhor pressão do mundo, que já engoliu jogadores da Europa inteira. Por outro lado, é fato que em boa parte da temporada brasileira os espaços são mais fartos para se jogar. Ontem, em Montevidéu, o meia rubro-negro deu argumentos aos dois lados do debate.
Uma mudança tática de Tite foi vital para o Brasil chegar aos 2 a 0 no primeiro tempo. E afetou Éverton Ribeiro. O jogador rubro-negro começou como um dos meias centrais e, recebendo a bola entre as linhas de defesa uruguaia, parecia carecer de tempo e espaço para controlar a bola e executar jogadas. Sofreu desarmes no início do jogo, teve dificuldades para dar sequência aos lances.
Ao passar para a direita, de onde buscava o centro, teve ótimos momentos. Num deles, na lateral da área, participou bem da jogada em que Gabriel Jesus foi pivô para Arthur marcar em chute desviado. Em outro, num belo toque de calcanhar, abriu campo para Douglas Luiz avançar: dali saiu o escanteio e o gol de Richarlison. Passou a ser muito mais influente na partida, partindo da lateral do campo para buscar os espaços.
Outra questão que sua atuação levanta, do início menos efetivo até a participação em lances decisivos, é a forma como ela repercute no Brasil. Enquanto Éverton Ribeiro dava bons passes, se exibia bem pela seleção como titular num dos clássicos mais ricos em história no futebol mundial, parte importante do público brasileiro torcia o nariz. É um imenso exagero e um descolamento do mundo real dizer que "ninguém liga" para a seleção. Mas o criminoso calendário do país transformou seleção e clubes em rivais.
Apenas por fazer seu trabalho, o técnico da seleção se torna vilão por manter em campo um atleta que tinha bom desempenho numa partida importante - notem o contrassenso.
Havia quem contabilizasse os minutos de Éverton Ribeiro em campo para especular sobre a possibilidade de um jatinho, um descanso e uma massagem milagrosa o colocarem em campo diante do São Paulo, 24 horas depois, pela Copa do Brasil. Havia quem amaldiçoasse a própria existência do jogo da seleção, embora o futebol mundial tenha definido há alguns anos a existência das datas-Fifa. E só o Brasil e um punhado de nações, quase todas do terceiro ou quarto mundos da bola, não as respeitam.
De tão mal gerir seu calendário, de tanto atentar contra o bom-senso e contra a saúde dos jogadores, a CBF expõe a seleção brasileira, admirada no mundo inteiro, à antipatia dentro de sua própria casa. Agora, ficará a expectativa sobre o resgate que pode levar Éverton a São Paulo a tempo de jogar no Morumbi nesta quarta-feira. O Brasil criou um novo e deturpado padrão de profissionalismo. Pobre do jogador que, mesmo cheio de razão, um dia se recusar a jogar duas vezes em dois dias seguidos.