Lígia, professora do ensino médio estadual, enviuvou aos trinta anos, ficando com dois filhos pequenos, de cinco e sete anos, para criar. O marido, Auditor Fiscal dos Tributos Estaduais, morreu num acidente de carro, e ela demorou muito tempo para se conformar.
Muito bem casada, ao se ver sozinha com os filhos, Lígia jurou que jamais se casaria novamente. Vivia bem financeiramente, pois recebia os vencimentos de professora e a pensão por morte do marido. Tinha casa própria e um bom carro. Por isso, mesmo sendo ainda jovem, não fazia questão de se casar outra vez, passando a se dedicar, exclusivamente, aos filhos e ao seu trabalho.
O tempo se encarregou de colocar tudo no seu devido lugar, e, quatro anos depois, Lígia conheceu Adalberto, o que resultou em um segundo casamento. Era um homem muito bonito, simples e educado, mas sem dinheiro e sem estudo. Trabalhava como corretor de Imóveis e por isso sua situação financeira variava muito, dependendo das raras comissões que recebia. A realidade é que a viúva se apaixonou por um homem bonito, mas “sem eira nem beira”. Mesmo assim, Lígia dizia que não precisava de “dote”, pois vivia muito bem financeiramente e desejava apenas ser feliz, como foi no seu primeiro casamento. Casaram-se somente no religioso, para que ela não perdesse a pensão por morte do primeiro marido.
Poucos meses depois do casamento, Lígia viu a besteira que havia feito em se casar novamente. Constatou que Adalberto não era o homem que parecia ser. De repente, ele passou a chegar embriagado, procurando motivos para reclamar dela e dos seus filhos. Ela passou a ser alvo de um ciúme doentio, acrescido de frases ferinas e indecentes. Dizia, sem que nem mais, que nenhuma mulher era confiável, principalmente as viúvas. Cortou todas as amizades de Lígia, incluindo os familiares.
Quando a mulher recebia uma visita, ele se dirigia ao quarto e não aparecia mais. Isso, repetidamente, até que todas as amigas de Lígia se afastaram. Ensaiou dar castigo aos enteados, mas Lígia não admitiu.
A decepção da mulher foi grande! O seu casamento se transformou num martírio. O segundo marido era um saco de recalques, extremamente ciumento e, ainda por cima, alcoólatra. Era revoltado porque não era formado. Na verdade, não conseguira concluir nem o Curso Ginasial. Simplesmente, não gostava de estudar.
Gostava de exibir Lígia, como se fosse um troféu. Afinal, casara com uma professora “formada” em Letras e pensionista de um Auditor Fiscal dos Tributos Estaduais. Além do mais, a mulher tinha casa própria e carro bom para ele dirigir. Lígia ainda era jovem e bonita, e ele achava que isso causava inveja aos seus companheiros de mesa de bar. Mas, o fato de Lígia ser viúva e ter dois filhos que precisavam muito da sua atenção era mais um motivo para que Adalberto tivesse do que reclamar. As discussões foram amiudando e se tornaram diárias. Adalberto não vinha mais almoçar em casa e só chegava à noitinha, embriagado e reclamando de tudo, até do café. Lígia não sabia como salvar seu casamento, e o sentimento que nutria por Adalberto foi ficando desgastado. Quando ele estava em casa, a toda hora ela e os filhos eram agredidos com insultos e reclamações desnecessárias. O ciúme doentio de Adalberto abrangia colegas de trabalho de Lígia e até os familiares. A presença de Adalberto em casa, bêbado e procurando brigas, tornou-se nefasta. Não respeitava dia nem hora para brigar.
Para sua felicidade e dos filhos, Lígia só via um caminho: A Separação.
Sentindo-se fracassada, decidiu que na mesma semana iria procurar um advogado para resolver esse problema.
Nesse ínterim, Ligia precisou ir a uma livraria e, casualmente, foi atraída pelo título de um livro ali exposto:
“COMO CONVIVER COM UM IDIOTA”.
O autor é John Hoover, psicólogo especializado em relações humanas.
Imediatamente, Lígia se identificou com o título, e o adquiriu, por mera curiosidade.
A obra mostra que em qualquer situação é fundamental tentarmos compreender o idiota em questão, encontrando dentro de nós as chaves para assumir uma atitude de empatia e tolerância com a pessoa difícil, com a qual temos de conviver. Recorrendo a exemplos de casos reais e sempre com humor devastador, Hoover dá conselhos e dicas preciosas, apresentando sua reveladora classificação dos vários tipos de idiota e ensinando como evitar e superar conflitos nos relacionamentos. Entretanto, embora a idiotice alheia pareça sempre evitável, ninguém consegue mudar o outro.
Chegando em casa e aproveitando a ausência do marido, Lígia leu algumas páginas do livro, e depois o escondeu em local que julgava, para ele, inacessível.
À noite, Adalberto chegou embriagado e com insultos na ponta da língua para agredir a mulher. Lígia manteve-se calada e deixou que ele brigasse sozinho. Mas não havia jeito dele se calar. Olhou para Lígia e provocou:
-O que foi? Está olhando pra minha cara, por que? Está com raiva porque cheguei a esta hora? Mulher não manda em mim!!! Você devia mandar muito no imbecil que morreu. Mas em mim, nunca!!!
Apavorada, Lígia só disse que não havia dito nada para que ele a tratasse assim. Mas ele respondeu que, só pela sua cara, sabia o que ela queria dizer. E empurrou cadeira no chão, deu murro na mesa, cuspiu o apartamento todo, e saiu fiscalizando tudo o que tinha dentro de casa.
Nessa noite, o universo conspirou contra Lígia. De tanto desarrumar o apartamento, procurando só Deus sabe o que, Adalberto deu de cara, por trás de todos os livros de uma estante, com o tal livro “COMO CONVIVER COM UM IDIOTA”.
A carapuça coube-lhe como uma luva, e o mundo desabou. Empurrou Lígia violentamente, que se desequilibrou e bateu com a cabeça na quina de uma prateleira. Ao ver o sangue da mulher, covardemente, trancou-se no quarto. Lígia, acompanhada pelos dois filhos, que, apavorados, choravam copiosamente, dirigiu-se ao Pronto-Socorro mais próximo, onde levou cinco pontos na cabeça. Daí, foram todos para a casa do seu irmão, que lhes deu abrigo. E tudo terminou aí…
Lígia se convenceu, uma vez por todas, de que é impossível alguém conviver com um idiota, perverso e complexado.