"Apenas duas gotinhas de Chanel Nº 5”. Foi assim que, durante uma entrevista, Marilyn Monroe descreveu o que vestia para dormir. Mais de meio século depois de sua morte, ouvindo os áudios da famosa conversa, descobriu-se que a frase não havia sido exatamente essa, mas o merchand já estava criado e a fragrância da maison francesa transformada em objeto de desejo.
Embora bem mais reservada que a atriz de Hollywood, Gabrielle Chanel (1883-1971) também era uma mulher à frente de seu tempo. Fundadora da marca que é, até hoje, o maior símbolo de luxo na indústria da moda, a couturière foi, em 1921, uma das primeiras a criar uma fragrância com o nome de uma maison. Num encontro com o perfumista Ernest Beaux, no seu laboratório em Grasse, na Riviera Francesa, Coco (como era chamada) o desafiou a produzir um aroma que representasse a essência de um vestido, “o cheiro de uma mulher”. Na época, os perfumes eram feitos a partir de uma única flor, mas Mademoiselle Chanel queria um produto mais complexo e revolucionário, como suas roupas.
Corajoso, Beaux arquitetou uma receita mesclando o componente sintético aldeído a aromas florais. Como a quinta amostra foi a que fez os olhos de Coco brilharem, ela escolheu o número como seu amuleto de sorte, batizou a fragrância com ele e passou a desfilar suas coleções sempre no dia 5. Além de quebrar padrões olfativos, o perfume tinha embalagem de design minimalista, o que não era nada comum na época. “Atemporalidade é a palavra que melhor define a Mademoiselle Chanel. Ela conseguiu fazer mágica, porque tudo que criou se tornou icônico: a camélia, a corrente, o tweed e até o perfume”, afirma Costanza Pascolato.
Se em 1921 a comunicação da nova fragrância era feita no boca a boca — Coco dava jantares para clientes trendsetters e borrifava o perfume —, ao longo dos anos as produções foram tomando proporções gigantescas, estreladas por atrizes de Hollywood e clicadas por fotógrafos renomados. Mesmo com anúncios glamurosos durante os anos 1940 e 1950, a campanha com Catherine Deneuve nos anos 1970 é uma das mais memoráveis da grife. Fotografada por Richard Avedon, tem imagens minimalistas, dando foco para o rosto da atriz francesa. Deneuve abriu o caminho para outras celebridades, como Nicole Kidman e Gisele Bündchen, ambas dirigidas por Baz Luhrmann em 2005 e 2014, respectivamente. Mulheres poderosas — e nos padrões de beleza tidos como tradicionais — sempre foram escolhidas como os rostos do perfume, mantendo os valores enraizados de Mademoiselle Chanel. Não à toa, em 1937, a própria foi uma das primeiras a aparecer nos anúncios do perfume, clicada por Francois Kollar no seu apartamento em Paris. O slogan na época comparava o perfume à trilha sonora de uma cena de amor, tema presente até hoje na comunicação do Nº5.
Confira os bastidores da nova campanha e edições anterioresNuma conversa por videochamada, Thomas du Prés de Saint Maur, diretor criativo para Fragrâncias e Beleza da Chanel, conta que as campanhas atuais levam em torno de dois anos para saírem do papel, do brainstorm à divulgação. “Todos os anos o processo é o mesmo, mas é sempre uma nova aventura. O que muda são os profissionais que escolhemos para criarem a história que queremos contar”, afirma.
Na campanha que celebra os 100 anos do perfume, a Chanel leva os personagens para a lua, num cenário montado nos arredores de Paris. Thomas convidou uma equipe de peso: o diretor sueco Johan Renck, reconhecido pela série “Chernobyl”, a atriz francesa Marion Cotillard e Jérémie Bélingard, étoile do Paris Opera Ballet. Para contracenar com o bailarino no curta de um minuto, Marion teve uma semana intensiva de aulas de dança com o coreógrafo Ryan Heffington. Ela faz o papel de uma mulher misteriosa, que viaja para a lua nos seus pensamentos e lá encontra um homem à sua espera. Depois de uma dança ao luar cheia de sedução, ela volta para a realidade e se depara com o mesmo ao seu lado, numa romântica ponte parisiense. “Queríamos dar um toque surrealista para o filme. A mulher olha para a lua e tem um sonho que se torna realidade. Optamos por esse cenário porque é um símbolo de feminilidade e novos começos”, conta Thomas.
Um século depois da criação do N°5, é raro encontrar hoje uma grife de luxo que não tenha um perfume no seu portfólio de produtos. Além da Chanel, as fragrâncias de grandes maisons como Armani, Christian Dior e Jean Paul Gaultier dividem a lista de best-sellers da categoria. A indústria de beleza se tornou a porta de entrada para o luxo. Ajuda a trazer novos clientes — que não podem, ou não querem, comprar uma bolsa de R$20 mil — e a fidelizar os que já consomem a marca. Hoje, o maior desafio é encontrar o equilíbrio entre o prestígio da tradição e a necessidade da modernidade. Depois de 100 anos, o que será que Mademoiselle Chanel manteria ou deixaria para trás?