Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Arthur Azevedo domingo, 04 de dezembro de 2016

CAIPORISMO - CONTO DO ESCRITOR MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO

CAIPORISMO

Arthur Azevedo

 

I

 

                        – Oh! Secundino!

                        – Oh! Borges!

                        – Tu no Rio de Janeiro!

                        – Há oito dias.

                        – Vieste a passeio?

                        – Não, meu amigo; vim tocado pela desgraça.

                        – Pela desgraça?

                        – “Desgraça” é talvez forte demais. Pelo caiporismo, se quiseres.

                        – E és tão caipora assim?

                        – Pertenço ao número dos tais que caem de costas e quebram o nariz!

                        – Oh, diabo! Entremos neste café, e, enquanto tomamos alguma coisa, conta-me qual tem sido a tua vida nestes doze anos de ausência.

                        Passava-se isto na rua do Ouvidor, em frente ao Pascoal. Os dois amigos e comprovincianos entraram no Café do Rio, e sentaram-se a uma das mesas.

 

II

 

                        – A minha vida, principiou Secundino, resume-se numa palavra: miséria. Quando vieste da Vitória e lá me deixaste, eu era ainda, por bem dizer, uma criança. Vivia em casa de minha família, onde nada me faltava. Morreu meu pai, morreu minha mãe, minhas irmãs casaram-se, e eu fiz-me sócio de uma loja de fazendas. Ao fim de seis meses, abriram-me falência. Saí com uma mão atrás e outra adiante, e fui ser caixeiro de um bruto, um ingrato, que, ao fim de oito anos, em vez de me dar sociedade, passou a casa a um sujeito meu desafeto. Desgostoso, abandonei o comércio e quis ser empregado público. Apresentei-me em quatro concursos, e, apesar de bem classificado, não consegui que me nomeassem. Fundei uma folha, que acabou logo por falta de assinantes. Contratei casamento com a filha de um fazendeiro rico de S. Mateus, e a minha querida noiva, que me estimava muito, morreu um mês antes do dia marcado para o casamento. Afinal, desesperado, baldo inteiramente de recursos, aceitei um lugar de contínuo na Tesouraria da Fazenda...

                        -Tu?! Com as tuas habilitações?!

                        – É para que vejas, respondeu Secundino com lágrimas na voz. Mas isso mesmo foi considerado muito para mim. Demitiram-me acintosamente por não ter votado no candidato oficial nas últimas eleições. Resolvi então vir para o Rio de Janeiro, ao Deus dará... Arranjei duzentos e tantos mil réis, vendendo tudo o quanto possuía, e aqui estou sem emprego, sem esperanças, sem promessa, sem relações, e com sessenta mil réis no bolso. É tudo quanto me resta da minha fortuna.

                        – Pois bem, ofereço-te um emprego.

                        – Deveras?

                        – Oh! Não é coisa para arregalares desse modo os olhos. É um biscate, que te pode servir enquanto não arranjar coisa melhor.

                        – Tudo me serve, meu amigo: a minha situação é desesperadora.

                        – Pois bem. Conheces a viúva Salgado?

                        – Não conheço aqui ninguém.

                        – Tens razão. A viúva Salgado é uma senhora riquíssima. Tem duas filhas. Quer que elas saibam francês, inglês, e me incumbiu de contratar um professor que lhe dê lições em casa, duas vezes por semana, ganhando cento e vinte mil réis mensais.

                        – Mas é uma pechincha!

                        – Não tens que perder tempo. Aqui está um cartão meu para te apresentares hoje mesmo, agora mesmo, se quiseres, em casa da viúva Salgado.

                        – Onde é?

                        – - Rua do Catete.

                        – Número?

                        – Não sei o número, mas o condutor te indicará a casa. Não há quem não conheça a viúva Salgado. Olha, toma-se o bonde ali defronte e para-se mesmo na porta. Sabes onde é o Ministério dos Estrangeiros?

                        – Não.

                        – Conheces o Palácio de Nova Friburgo? Deves conhecer, que diabo! Já tens oito dias de Rio de Janeiro!

                        – Conheço.

                        – Pois é nessas imediações; quase defronte.

                        – Já sei pouco mais ou menos onde deve ser.

                        – Pois vai tomar o bonde, e sê feliz.

                        Daí a dois minutos, Secundino partia para a rua do Catete.

 

III

 

                        O bonde parou no largo da Carioca.

                        Uma senhora de meia idade, muito gorda, muito feia, mas luxuosamente vestida, aproximou-se para entrar no carro. Havia um único lugar desocupado ao pé de Secundino. Este encolheu-se todo para deixar entrar a senhora, que só a muito custo conseguiu abrir caminho entre os joelhos do provinciano e o banco da frente. Depois de sentada, a senhora gorda encarou o seu vizinho com um olhar cheio de ódio, e disse bem alto, para que todos ouvissem:

                        – Com efeito! Sempre há sujeitinhos muito malcriados!

                        E repetiu, depois de alguns segundos:

                        – Sujeitinhos muito malcriados!

                        – Isso é comigo, minha senhora? – Perguntou Secundino timidamente.

                        – Pois com quem há de ser? Se fazia tanto empenho em ficar na ponta do banco, devia levantar-se um instantinho para deixar-me passar sem me magoar as pernas nem amarrotar o vestido! Ora vejam como ficou esta saia!

                        – Minha senhora, quem não quer se sujeitar a estas contrariedades não anda de bonde: aluga um carro.

                        – Cale-se! Não seja insolente! Você responde assim por ver que não tenho um homem a meu lado.

                        E a senhora gorda percorreu com os olhos todos os passageiros do bonde, na esperança de que algum tomasse as dores por ela.

                        – O meu caiporismo! – Refletiu Secundino. E, enfiado, apeou-se no largo da Mãe do Bispo.

 

IV

 

                        Veio outro bonde. O provinciano entrou nele, e um quarto e hora depois, subia a escada da viúva Salgado. Calcou o botão de uma campainha elétrica. Veio um copeiro encasacado. Secundino entregou o cartão do seu amigo Borges, e esperou.

                        Daí a cinco minutos abriram-lhe a porta da sala, uma sala opulenta, atapetada com luxo, mobiliada suntuosamente, cheia de quadros e quinquilharias.

                        Esperou meia hora. Rasgou-se afinal, um reposteiro de seda, e apareceu a dona da casa.

A viúva, mal encarou Secundino, gritou, cheia de surpresa e de cólera:

                        – Pois é você, seu malcriado?! E eu que supunha ser o senhor Borges! Ponha-se já, já no olho da rua! Já!...

                        Secundino reconheceu na viúva Salgado a senhora gorda do bonde. Saiu da sala precipitadamente e desceu a escada aos pulos. Só respirou na rua.

                        Foi, realmente, muito caiporismo!

(Do livro Contos Fora da Moda)

 

 

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