Na rodada do meio de semana do Brasileiro, as partidas de Fluminense e de Botafogo — que se enfrentam às 20h30, em São Januário — lançaram os holofotes para dois garotos. No tricolor, que busca vaga na Libertadores, John Kennedy fez sua estreia pelo time principal. Aos 18 anos, ele entrou no segundo tempo e debutou com um gol e bom desempenho. Na equipe alvinegra, assombrada por um rebaixamento cada vez mais certo, a presença de Matheus Nascimento não era novidade. Mas, em sua quarta aparição, o jovem de 16 anos foi titular pela primeira vez. Teve uma atuação apenas discreta.
Não é possível afirmar que o momento melhor do Fluminense favoreceu John Kennedy. Muito menos que a turbulência alvinegra prejudicou Matheus. Mas o lançamento de jovens em ambientes tão discrepantes levanta uma discussão sobre qual o grau de influência deste fator na formação de um atleta.
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Os manuais do futebol tratam os momentos de crise como cilada para os jovens. O ideal seria promovê-los durante a calmaria, quando não há cobrança excessiva por resultados e, consequentemente, o grupo no qual eles serão inseridos não se sente pressionado.
— Num momento bom, todo o ambiente é mais saudável para você promover o jogador. O inverso é complicado. Porque há uma pressão muito grande e, às vezes, acabam passando uma responsabilidade para o atleta que não é dele. Mas isso vai depender muito do entorno: da comissão técnica, se o departamento de futebol tem psicologia. Enfim, de outros setores que acompanham o atleta e precisam passar para ele que aquilo faz parte da aprendizagem — afirma Erasmo Damiani, coordenador das categorias inferiores da CBF de 2015 até 2018 e com passagem pela base de clubes como Palmeiras, Athletico e Internacional, onde trabalha atualmente.
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Da teoria para a prática, contudo, estes conceitos se invertem. A base costuma ganhar mais atenção justamente no momento de crise, quando o elenco principal já foi todo testado e os treinadores procuram uma novidade para tentar surpreender os adversários e dar a volta por cima.
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O Botafogo atual é um exemplo disso. Em apenas sete jogos no comando, Eduardo Barroca já utilizou dez atletas da base. Destes, seis têm, no máximo, 21 anos.
— Tudo tem dois lados. Logicamente que é melhor para o time quando tudo está bem. Mas não necessariamente a oportunidade vai aparecer — opina o agente Vinícius Vivá, da agência Pro Manager, com forte atuação nas categorias de base. — Se tudo vai bem, em geral o treinador prioriza o que ele já tem no elenco. Ninguém quer mudar o time. Quando o clube não tem recursos para contratar e o momento é difícil, o diferencial pode ser o jovem da base. Porque é uma novidade, os adversários não o conhecem.
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Esta linha de raciocínio não é exclusiva de quem cuida da carreira dos atletas. Ela também encontra adesão nos clubes e nas torcidas. O desafio é saber lidar com as consequências.
— Quando um jogador faz gol e joga bem logo nos primeiros jogos, os holofotes se voltam para ele. E todos passam a esperar que ele faça a mesma coisa nas próximas partidas. Caso contrário, vão dizer que é péssimo, que só teve sorte. Se não há crise, este tipo de demanda não vai existir — observa o professor da Uerj e ex-psicólogo do Flamengo Alberto Filgueiras, que destaca a dificuldade para os mais jovens lidarem com este tipo de frustração:
— Muitos destes atletas não estão amadurecidos cognitivamente e nem emocionalmente. Este tipo de maturidade só é atingido entre 23 e 25 anos, quando o cérebro termina de se formar. É o esperado de qualquer ser humano. Claro que você tem aqueles com 18 anos que já têm essa estrutura bem formada. Mas eles são a exceção.
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O Fluminense também aposta alto nos garotos. Só na provável escalação para o clássico deste domingo há quatro: Calegari (18 anos), Martinelli (19), Luiz Henrique (20), além do próprio John Kennedy. Mas o clube não é o retrato mais fiel da cultura do futebol brasileiro. Assim como o Santos, fez do trabalho com a base parte do seu DNA e dá oportunidade a suas promessas seja na crise, seja na calmaria.
— O amadurecimento tardio é muito comum no futebol. Seja por uma questão física ou psicológica. O jogador que não corresponde com 17, 18 anos pode dar esta resposta depois de uns três anos ou até mais — atesta Alexandre Gallo, técnico da seleção sub-20 entre 2013 e 2015 e sem clube desde a saída do São Caetano, em outubro. — (Não se destacar no início da carreira) Não significa que ele não serve. E cabe ao treinador identificar isso.