KAZAN - Nos meses anteriores à Copa do Mundo, quase todas as tentativas de projetar o desempenho brasileiro, alimentadas por uma manifesta preocupação do técnico Tite, passavam pelo desafio de vencer defesas muito congestionadas. A expectativa era a do Mundial da negação do espaço. E, a rigor, o torneio não contrariou a tese, longe disso. Mas a seleção brasileira escapou das grandes retrancas até aqui.
A Suíça, talvez por ter sofrido o gol de Coutinho muito cedo, passou boa parte do jogo no campo brasileiro. A Sérvia adiantou sua linha defensiva, enquanto o México foi para o embate franco. Apenas a Costa Rica foi, de fato, um time dedicado a defender perto de seu gol. E pouca coisa indica que a Bélgica vá fugir às suas características para se plantar à frente de sua meta. Entre outras coisas, porque defende mal. E, fundamentalmente, porque tem o time mais técnico que o Brasil de Tite já enfrentou nos quase dois anos sob as ordens do treinador. Será fascinante o jogo em Kazan.
Ao não deparar com tantas retrancas, algo ficou claro na caminhada da seleção brasileira, sempre associada à busca da bola, à iniciativa dos jogos. A forma como os jogadores do Brasil punem qualquer espaço concedido por rivais reforça um traço de nossa escola atual: produzir, em série, jogadores que amam o contragolpe.
O que é revelador de uma virtude e de um defeito do futebol brasileiro atual. Nossos jogadores rendem melhor quando podem acelerar, correr para o duelo pessoal contra o marcador, ter o espaço para o drible. São os melhores do mundo nesta tarefa. E nem sempre jogar campo rival adentro possibilita tal cenário. Em especial para uma escola que passou longo tempo sem produzir meias organizadores, bons passadores.
Tite, que recentemente adaptou Coutinho à função de meia articulador, fez o Brasil evoluir na capacidade de construir desde a defesa, furar bloqueios. Como mostra o primeiro gol sobre o México. E ter diferentes formas para resolver partidas é um mérito do Brasil.
Modelo de troca de passes segue vivo
Mas o que chama a atenção é como a seleção atual, por vezes, não precisa de longos períodos de domínio da bola, de posses longas. Pode viver de momentos, decidir num espasmo, uma estocada, mesmo quando o rival, atraído a sair de trás, parece controlar o jogo. O Brasil teve apenas 47% da bola contra o México. Contra a Suíça, ficou em 52%. A média da equipe no Mundial é de 55%, número impulsionado pelo jogo com a Costa Rica. Mesmo assim, está dentre os que mais criaram oportunidades de gol.
— A característica dos atletas dá ao time repertório. Podemos fazer jogadas construídas, mas temos contra-ataque muito forte, transição rápida, velocidade. Temos muito drible na frente com Douglas Costa, Neymar, Gabriel Jesus... — destacou Tite antes do jogo com a Bélgica.
É um erro achar que o Mundial representa o fim do jogo de posse de bola por causa das eliminações de Espanha e Alemanha. Estes times tinham problemas de execução. A culpa não é do modelo, da troca de passes, do jogo coletivo, algo que o futebol jamais vai tornar ultrapassado. E a escola brasileira precisa crescer na tarefa de elaborar com a bola. O fato é que o futebol, hoje, premia quem domina várias facetas: o controle da bola e as transições em velocidade.
E aí está a chave do Brasil x Bélgica de hoje. A seleção brasileira tem números defensivos impressionantes. Os belgas, um recorde de gols até aqui. Parecem opostos, mas na verdade há similaridades: são times ofensivos, que buscam construir jogadas, mas que se tornam realmente mortais se ganham a chance de jogar em velocidade. Punem uma perda de bola com contragolpes fatais. Na verdade, é um jogo de xadrez.
Parece difícil acreditar que a formação atual, que vem deixando a Bélgica tão desequilibrada defensivamente, será mantida. Mas se for, Tite tem uma decisão a tomar: contra Hazard e Mertens, dois pontas que não jogam abertos, mas buscam a entrada da área por trás de Lukaku, ter só um volante centralizado pode criar problemas de marcação no setor. Contra o México, o Brasil cresceu ao passar ao 4-4-2, com Paulinho junto a Casemiro. Este último, suspenso, dará lugar a Fernandinho.
Roberto Martínez, técnico da Bélgica, fugiu da pergunta sobre a possível entrada de Fellaini ou uma mudança de sistema para ganhar solidez. Tite evitou responder sobre transformar o Plano B do jogo com o México em Plano A.
— Não dá para ter só uma forma de jogar. Temos as duas dominadas e vamos aperfeiçoando conforme a necessidade.
O jogo será um permanente exercício de equilíbrio, algo que o Brasil teve mais do que a Bélgica até aqui. Mas será um encontro de jogadores especialistas nos duelos pessoais, o um contra um, a busca do drible. A tradição brasileira e o poderio de Neymar, Coutinho, Willian e Jesus podem induzir os belgas a reduzirem riscos e esperarem a seleção atacar; mas trata-se de um time leve, ofensivo e fraco ao defender, o que podem empurrá-lo ao ataque.
Por outro lado a seleção de Tite enfrenta seu rival mais técnico, cheio de astros em clubes de elite. Precisará de cuidados, porque há desacertos defensivos constantemente cobertos pela enorme capacidade de Thiago Silva, Miranda e do hoje ausente Casemiro. Mas também terá que ativar seus homens decisivos na frente. O melhor de tudo é que o duelo tático será travado por homens de alta dose de talento, sempre a postos para desequilibrar. Promete ser fascinante a noite de Kazan.