O meia alemão Toni Kroos comemora o gol da virada histórica - NELSON ALMEIDA / AFP
SOCHI - Acreditar até o fim. O futebol se encarregou de tornar esta expressão um tanto gasta, de tanto ser usada sem que se soubesse, ao certo, em que se estava acreditando. Definitivamente, não foi o caso da Alemanha e de Toni Kroos em Sochi. Foi, sim, uma vitória alemã que tudo a ver com acreditar. No caso, sabia-se exatamente em que: no modelo, no plano, na forma de fazer futebol que a Alemanha decidiu abraçar e faz tão bem.
Kroos também acreditava: no jeito de jogar do time e nele próprio. Porque, ao intervalo, estava a 45 minutos de se tornar o vilão da eliminação mais precoce do futebol alemão desde que a Copa do Mundo ganhou uma fase de grupos, em 1950. E foi um dos condutores do time, da forma que se habituou a fazer: iniciando jogadas, passando, organizando. Até ser o mentor do lance que decidiu o jogo. Quando se aproximou da bola para cobrar a falta ao lado da área, e antes fez um gesto para Reus, estava claro que tinha um plano. E acreditava no seu chute, fundamento que ajuda a fazer dele um dos grandes meio-campistas do jogo moderno.
Mas voltemos à Alemanha. É notável que um time, sob a enorme pressão de protagonizar o pior resultado da história de um gigante do futebol, mantenha a crença de que o caminho mais curto para evitar o desastre é fazer o jogo em que acredita. Do minuto 1 ao 90, a Alemanha jogou futebol da forma que sua escola atual prega, como se cada jogador tivesse um manual de instruções embaixo do braço. Mesmo quando passou a ter um homem a menos em campo.
É possível argumentar que, no segundo tempo, havia dois homens de boa estatura na área, Muller e Mario Gomez. A formação, além de estar longe de ser inédita, não impediu que a forma de produzir jogadas ofensivas seguisse à risca o modelo de jogo. Acúmulo de jogadores no campo ofensivo, opções à frente da linha da bola, troca de passes pelo centro, sobrecarregando a defesa até a infiltração ou a virada da bola para um dos lados, aproveitando homens abertos nas pontas. Com paciência e, claro, coragem para ocupar todo o campo rival. E, diga-se, coragem até em excesso em alguns momentos. Sobre isso falaremos adiante.
Pode-se dizer, ainda, que o gol decisivo saiu de falta, nos acréscimos. Trata-se de uma grande confusão entre elaboração e finalização. Foi a fé em suas armas, naquilo que faz de melhor, que permitiu aos alemães manterem a bola nos metros finais de campo. A falta é uma consequência do volume de jogo. Mas, também, do enorme conservadorismo da Suécia.
A Copa do Mundo se encarrega de mostrar, de uma vez por todas, o quanto é mais difícil construir do que destruir. Ainda mais no jogo atual, físico, de linhas compactas e sistemas defensivos tão disciplinados. Mas poucos times no mundo enfrentam tão bem uma retranca quanto a Alemanha. Permitir que sua defesa seja empurrada contra o próprio gol pelos campeões do mundo custa caro. O México quase pagou na estreia, após um primeiro tempo corajoso e primoroso. A Suécia sofreu da forma mais cruel. O fato é que, em cada um dos jogos, a Alemanha jogou 45 minutos excelentes.
Mas é importante falar de seus problemas. Porque eles existem e tornam a caminhada alemã na Rússia cheia de sobressaltos. Em 2014, apesar do título mundial, houve jogos em que o sistema de jogo baseado na ocupação total do campo adversário impôs riscos sérios. O time de 2018 parece conviver pior com o problema.
Primeiro, porque a estratégia exige que se cuide muito bem da bola. Algo que a Alemanha não fez. Ontem, um erro de passe de Rudiger e outro de Kroos no primeiro tempo deram bolas preciosas à Suécia. Numa delas, saiu o gol. Qualquer time sentiria, numa transição de gerações, a falta de Lahm ou Schweinsteiger. No caso do lateral-direito, Kimmich tem sido excelente. Mas a construção precisa ser muito cuidadosa no meio-campo.
Setor que, também, precisa da difícil combinação entre técnica e vigor. Técnica para sustentar o jogo baseado em construção ofensiva e troca de passes, que exige meio-campistas de certa classe. Vigor para que, assim que a bola seja perdida e o movimento ofensivo não seja concluído, haja uma pressão sufocante pela bola. Quando não ocorre, há espaços demais atrás.
Contra a Suécia, Joachim Löw tentou amenizar o caos gerado na estreia, quando o meio-campo formado por Kroos, Khedira e Özil foi amplamente superado. Tirou os dois últimos e colocou Reus e Rudy, este último volante do Bayern de Munique. Mas Rudy saiu machucado e entrou Gündogan, outro jogador de mais dinâmica. O time ainda sofria, mas acabou penalizado mesmo por erros de passe em saídas de bola. O que não esconde um certo desequilíbrio: a quantidade de jogadores à frente da linha da bola durante a construção ofensiva da Alemanha é muito grande. Uma ousadia, com benefícios pelas opções de passe que gera; riscos pela exposição ao contragolpe.
E a Suécia, com 11 contra 10 em campo, jamais insinuou que tiraria proveito dos espaços. Nunca reteve a bola, nunca foi agressiva na marcação, limitou-se a rebater bolas e torcer pelo fim do jogo.
O fato é que a virada mantém os campeões do mundo vivos. Há um certo clichê sobre força mental alemã. Parece claro que não é folclore. Mas quando se tem um porto seguro ao qual recorrer na dificuldade, parece mais fácil acreditar. A Alemanha tem: chama-se modelo de jogo.