Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

De Balsas Para o Mundo sexta, 10 de março de 2017

A LANCHA

 

A LANCHA

Raimundo Floriano 

 

Lancha Leopoldo Bulhões: cópia da Rio Poty

Acervo Família Leite Pessoa

 

            A lancha é embarcação que possui algumas características comuns ao vapor: casco de aço, caldeira a lenha, propulsão por máquina a vapor e potente guincho na proa, para a operação das espiadas.

 

            Difere dele em muitos pontos: em vez da caixa de roda, tem instalada em sua popa uma hélice, que a movimenta. Pequena, é provida de apenas um convés, destinado esse às maquinas e a toda a tripulação, transportando passageiros precariamente, e tem como destinação principal a função de rebocador, atrelando-se a ela barcas com as mesmas tonelagens das puxadas pelos grandes vapores.

 

            A Rio Poty foi a maior lancha a navegar na Bacia do Parnaíba, pois seu casco era consideravelmente mais longo que o das outras lanchas em operação na época, medindo 19,5 m de comprimento. Distinguia-se das demais por um segundo toldo, o que, normalmente, só ocorria com vapores e motores. Devido ao seu grande calado, navegava o ano todo só no Rio Parnaíba. No inverno – a nossa estação das águas –, singrava também o Rio Balsas.

 

            Foi construída em Teresina, como se verá no perfil do Comandante Félix Pessoa. Talvez a lancha Leopoldo Bulhões, que ilustra esta matéria, tenha sido fabricada depois dela, sendo-lhe uma espécie de clone.

 

            A Rio Poty marcou profundamente minha infância.

 

            Dos inúmeros rapazotes que auxiliaram minha mãe e a nós todos, os meninos da casa, nas tarefas domésticas de buscar água no rio, lascar lenha no mato, levar as vacas para a quinta pela manhã e trazê-las à tarde, comprar ovos na Tresidela e vender bolos e produtos hortigranjeiros da nossa lavra, um deles, aos 18 anos, entrou para a Marinha Mercante.

 

            Era o Antônio Divino que, por ser atarracado, musculoso e de grande força braçal, ganhou o apelido de Antônio Quebra-Homem. Marinheiro de proa, tinha as mãos asperamente calejadas, devido ao trabalho com cabos de aço, geralmente esgarçados, nas espiadas.

 

            Na época em que se deu o fato que narro, ele navegava na lancha Tambo, propriedade do meu Tio Joãozinho.

 

            Toda vez que a Tambo aportava em Balsas, Quebra-Homem tirava uma tarde de folga para nos visitar. Era notável sua bela figura retinta, sapatos engraxados, boné de marinheiro, óculos ray-ban, uniforme branco impecavelmente engomado.

 

            Ao chegar, nós o recebíamos na varanda, minha mãe servia-lhe um café passado na hora, acompanhado de bolos e doces, e a conversa ia longe, com ele contando suas aventuras, e a meninada boquiaberta a escutar.

 

            No ano de 1946, numa dessas visitas, Quebra-Homem levou de presente para o meu irmão Afonso, três anos mais velho que eu, uma perfeita miniatura da lancha Rio Poty.

 

            Com uns 60 centímetros de comprimento, casco compacto, confeccionado com tamboril – madeira mole como o isopor –, hélice e leme, pintada com tinta a óleo, em tudo se assemelhava ao modelo real. Tinha até uma chapa de chumbo, do tamanho de um palmo, incrustada no fundo do casco, para que lhe servisse de lastro, não a deixando adernar. Era perfeita!

 

            Se ciúme matasse, eu teria sucumbido naquele dia!

 

            Quis o acaso que, pouco depois, ela viesse para a minha posse. Em 1947, o Afonso foi estudar em Goiânia, passando-a para mim. Em fevereiro de 1949, fui estudar em Floriano e passei-a para o Rosimar, meu irmão mais novo. Também ele, nos meados daquele ano, foi estudar em Miracema, deixando-a para ninguém. Assim se encerra a história da lanchinha que tanto nos maravilhou.

 

            A lancha que ficou mais conhecida pela população de Balsas e é lembrada até hoje pelos antigos moradores foi a Rosicler. O motivo disso é que fora fabricada especialmente, com o nome Nazira, para um árabe ali residente, seu Amado Bucar, que depois a repassou para o próprio fabricante, o florianense Afonso Nogueira, que a rebatizou como Rosicler.

 

            Outras lanchas famosas, a Tambo e a Palmira, têm suas fotos postadas no perfil do Comandante João Clímaco. Havia também a Marabá, do Comandante Wenceslau Ribeiro, da qual alguns balsenses ainda se recordam.

 

            As lanchas inspiraram muitos dos nossos conterrâneos, como Seu Pequeno, que chegou a construir duas de madeira, na porta de sua residência.

 

            Essa casa, conjugada com sua usina de beneficiamento de arroz e sua oficina, ocupava todo o quarteirão direito da Praça de São Sebastião, hoje Praça Roosevelt Kury.

 

            Hygino Pedro de Farias era seu nome. De grande inteligência e imaginação fértil, planejava e fabricava máquinas em sua oficina, como a de descaroçar algodão, do qual era exportador. De invento em invento, chegou a perder alguns dedos das mãos! Era, mesmo assim, um obstinado! Nunca desistia!

 

            A primeira lancha de madeira que construiu foi a São Paulo e não se constituiu em grande novidade. Apenas chamava a atenção o progresso da obra, dia a dia, até que ficasse completamente pronta. Aí, sim, foi uma festa para todo mundo da cidade a operação de empurrá-la até o rio, deslizando sobre toras roliças de madeira. Logo depois, foi ela vendida para armadores piauienses.

 

            A outra lancha do seu estaleiro, de cujo nome ninguém mais se lembra, deu o que falar!

 

            Dentro daquela sua fantástica engenhosidade, Seu Pequeno a concebeu para ser propelida por força humana, através de um intrincado sistema de rodas e engrenagens.

 

            No dia da inauguração, porém, devido à exaustão da força propulsora dos homens que giravam as manivelas, a lancha não conseguiu, partindo do Porto do Depósito, ultrapassar o Porto do Martim, uns cem metros rio acima.

 

Lancha rebocando barca


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