A INTRIGA
Violante Cavalcante
Bartolomeu passou muito tempo no Rio de Janeiro e, já beirando os 60 anos, voltou para sua terra natal, no interior do Rio Grande do Norte. Boêmio e seresteiro, reencontrou vários amigos da sua juventude e os encontros em mesa de bar tornaram-se diários. Voltou do Rio de Janeiro, chiando e com uma boa economia financeira, fruto do seu trabalho em um Jornal. Veio disposto a viver a vida com que sempre sonhou: "Sombra e água fresca". Queria, agora, somente tomar suas cervejas, conversar com os amigos e curtir serestas, onde ele mesmo era o melhor violonista e cantor.
Divorciado, preferiu permanecer sozinho, sem qualquer relacionamento sério. Bom de copo e de conversa, os amigos sempre aguardavam, com ansiedade, a sua chegada.
Certo dia, Bartolomeu sentiu um incômodo no pescoço e, muito assombrado com doença, foi depressa à casa do Dr. Simplício, um médico antigo da cidade, que há anos estava aposentado. O Dr. Simplício, disse-lhe que não estava mais clinicando, mas, por delicadeza, apalpou o pescoço de Bartolomeu, constatando alguns gânglios. Contundente, o médico sugeriu, então, que ele fizesse uma consulta com um médico moderno, na capital do Estado. Podia não ser nada e podia ser muita coisa. Por isso, era melhor prevenir do que remediar.
Bartolomeu ficou decepcionado com o Dr. Simplício e considerou uma grosseria o fato de ele ter se recusado a lhe receitar qualquer remédio. E falou:
– O que é isso, Dr. Simplício? Um médico bom, como o senhor sempre foi, não esquece nunca o que aprendeu no exercício da sua profissão. Não está vendo que eu não vou sair daqui para me consultar a um médico novo, que ainda não tem a sua experiência?
Bartolomeu reclamou tanto que o médico saiu do sério. E falou aborrecido:
– Olha, Bartolomeu, para mim é difícil dar um diagnóstico sem os exames que se fazem necessários. Por isso, eu insisto com você, para que vá a um médico em Natal, especialista em pescoço.
Bartolomeu não concordou com a sugestão do Dr. Simplício e disse que não iria a nenhum outro médico, muito menos em Natal. Já tinha passado muito tempo longe de sua terra e de seus familiares, e não se afastaria mais dali por motivo nenhum.
Nessas alturas, o nervosismo tomou conta de Bartolomeu e ele perguntou ao médico:
– Se for câncer, quanto tempo terei de vida, doutor? Pode dizer, pois não tenho medo de morrer!!!
Já irritado com a insistência de Bartolomeu, o médico sentenciou:
–Se for câncer, no máximo, seis meses.
Bartolomeu saiu arrasado da casa do Dr. Simplício. Não foi a nenhum centro adiantado para se consultar e continuou no interior, com a sua vida normal, de boemia e boas conversas com os amigos. Passou a usar no pescoço, todos os unguentos caseiros que lhe arranjavam, e, aos poucos, seu pescoço normalizou.
Quase um ano depois, Bartolomeu, completamente em forma, resolveu voltar à casa do Dr. Simplício, que lhe sentenciara, se fosse câncer, "no máximo, seis meses de vida". Lógico, que não era câncer. Sorte de Bartolomeu.
O velho médico costumava passar as tardes na janela de sua casa, olhando o movimento da rua. Quando Bartolomeu vinha se aproximando, Dr. Simplício o reconheceu, saiu da janela e a fechou bruscamente. Humilhado, Bartolomeu foi ao encontro dos amigos que o esperavam no bar e contou a decepção por que tinha passado. Literalmente, o médico batera a janela na sua cara.
Um dos amigos saiu-se com essa tirada:
– Não se engane não, Bartolomeu. Esse Dr. Simplício ficou intrigado com você, somente porque você não morreu!!!