Há várias décadas, em uma conhecida capital nordestina, morreu um advogado criminalista, de renome, Dr. José Paz. O fato comoveu a cidade, por se tratar de uma pessoa muito querida, grande orador, e cuja atuação no tribunal do Júri tinha um público cativo. O velório ocorreu na sua própria residência, como era costume da época. Prolongou-se por toda a noite, tendo sido marcado o sepultamento para 16 horas. Após a cerimônia de encomendação do corpo, feita pelo Bispo da Diocese, veio o momento de maior emoção, quando começaram as despedidas da viúva e das três filhas, que, inconsoláveis, não paravam de beijar o morto.
O sepultamento ocorreu no principal Cemitério da cidade, com homenagens de vários oradores, amigos e colegas de profissão do falecido.
O advogado tinha um motorista de toda confiança, Gonçalo, há mais de dez anos, que era uma espécie de “faz-t
udo”. Além de dirigir, fazia seus pagamentos, e era também seu “segurança”. Cria da casa e filho de uma antiga empregada da família, Gonçalo, quando estava de folga, gostava de tomar umas biritas. A morte repentina do patrão mexeu com os seus sentimentos e fez com que passasse o dia enchendo a cara. Sentia-se desolado, e não sabia como seria sua vida a partir daquele triste dia. E tomou um porre homérico.
Quase na hora marcada para a saída do enterro, entre os soluços da esposa e filhas do advogado, ouviu-se um choro alto, de alguém que se aproximava do caixão. Era o motorista, completamente embriagado, que queria se despedir do seu patrão, protetor e quase pai. O “pau d’água” beijou as mãos entrelaçadas do pranteado advogado, e, com voz pastosa, proferiu frases de gratidão e saudade. Não contendo a emoção, desabou num choro compulsivo e engasgou-se com saliva. Começou a tossir quase cuspindo no defunto, e terminou passando um vexame: Sua dentadura superior caiu entre as folhas e flores do caixão, e quanto mais ele tentava pegar, mais ela escorregava, até sumir completamente. Desesperado e de boca murcha, Gonçalo pedia ao patrão que o ajudasse, chamando a atenção das pessoas ali presentes.
Nesse ínterim, chegou o momento de ser fechado o caixão, para que fosse iniciado o cortejo fúnebre. Como o motorista não aceitava se afastar, foi retirado quase à força, sob protestos veementes. Ao se afastar do caixão, sem recuperar a dentadura, Gonçalo fez o último apelo ao patrão:
– Vá com Deus, patrão! Mas antes disso, devolva minha “chapa”, com o meu lindo sorriso!