Adamastor era um engraxate, que, na década de 60, atendia aos fregueses na Praça Padre João Maria, bairro da Cidade Alta, em Natal (RN). No final da tarde, guardava seus apetrechos no estabelecimento de um sapateiro “lambe-sola” (consertador de calçados), seu amigo Osvaldo, um homem fanático por Aluízio Alves, na época, governador do Estado. Convém salientar que Seu Osvaldo só usava camisa verde, símbolo do partido político do seu ídolo, e as paredes do seu minúsculo ponto comercial eram totalmente decoradas com fotos desse homem, que exerceu grande liderança política no Estado, durante muitos anos. Além disso, o sapateiro também mantinha na parede externa do seu estabelecimento de trabalho, onde também morava, uma grande bandeira verde. Era uma figura folclórica.
Adamastor, à noite, ganhava dinheiro pastorando carro. Sua freguesia era constituída de frequentadores do Cine Nordeste, localizado na Rua João Pessoa, por sinal, bem perto da Praça Padre João Maria.
Antes disso, jantava um cachorro-quente “Sebosão”, enorme, que tinha tudo o que o diabo gosta: carne moída gordurosa, salsichão da pior qualidade, frango com muita graxa, vinagrete, e uma cobertura generosa de “ketchup” e maionese. Dentro de uma mochila, trazia sempre uma garrafa de pinga e um copo. Trazia também um depósito com água.
À noite, depois que se transformava em pastorador de carro, Adamastor aproveitava para tomar suas chamadas de cana, quando não havia ninguém olhando. Bebia moderadamente e nunca foi visto embriagado.
Adamastor já era uma figura conhecida na redondeza, e de muita confiança. Tinha seus fregueses cinéfilos, que deixavam seus carros estacionados perto do cinema, aos seus cuidados, e lhe pagavam bem. E ai dos malandros que se aproximassem dos carros que pastorava. Ele gritava, mandando-os “desarredar” imediatamente. Para demonstrar zelo, mantinha sempre nas mãos uma flanela molhada, com a qual tirava a poeira dos carros.
Certa noite, Dr. Mesquita, um advogado muito conhecido na cidade, confiou-lhe sua luxuosa e recém adquirida caminhonete, enquanto iria com a esposa ao “Cinema de Arte”, sessão das 21 horas, no Cine Nordeste.
Como o filme era de longa-metragem e só terminava à meia noite, Dr. Mesquita pediu ao pastorador que redobrasse o cuidado.
Nessa noite, Adamastor se excedeu na cachaça, e ficou ainda mais cuidadoso, principalmente com a caminhonete “zerinho” do doutor. Para se sentir mais seguro, resolveu providenciar um “cacete”, para usar contra qualquer malandro que tentasse bulir nos carros. Nesse tempo, ainda não havia assalto nem roubo de carro em Natal.
Depois que a sessão de cinema terminou, o advogado foi pegar seu veículo e notou que Adamastor estava muito nervoso, pois, quando o avistou, foi logo dizendo em voz alta:
– Graças a Deus, doutor, o senhor chegou!
E Dr. Mesquita perguntou:
– Está tudo bem, Adamastor? Aconteceu alguma coisa?
Então, o pastorador respondeu:
– Agora tá tudo bem, doutor. Mas passei um susto danado! Tava tudo calmo e de uma hora pra outra apareceu um moleque taludo, querendo mexer no trinco da caminhonete do senhor. Parece até que eu tava adivinhando, pois já tava com a arma na mão. Dei uma grande surra de cacete no safado, mas ele conseguiu fugir correndo. Fiquei o resto do tempo “cubando” se ele voltava, mas o ladrão desapareceu de vez.
O “cacete” a que Adamastor se referiu foi, nada mais, nada menos, do que a antena da caminhonete de luxo, novíssima, do advogado, que ele continuava segurando.
Como a causa foi justa, Dr. Mesquita guardou a antena, agradeceu e deu uma nota graúda ao pastorador.
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